"Escrevi “Anoitecer” com o objetivo de treinar um pouco e tentar descobrir meu estilo de escrever, nunca tive a intenção de mostrá-lo para ninguém. Semelhanças entre a Saga Crepúsculo e Anoitecer NÃO são meras coincidências! A história é quase que uma cópia mal feita da série da minha querida Stephenie Meyer (espero que ela não cobre direitos autorais). É que quando escrevi isso tinha acabado de ler “Crepúsculo”. Além do nome, muitas outras coisas desta história foram aproveitadas para a personagem Alice de "Terra dos Anjos".
Prólogo
Você sabe o que é uma vida pacata? Tem idéia do qual chato pode ser uma vida quase sedentária? Pôs bem, minha vida é exatamente deste jeito! Nunca pensei que um dia minha vida fosse mudar completamente, tipo virar do avesso. Nunca achei que tivesse todas as respostas, mas, sempre achei que teria todas as respostas que preciso. Nunca imaginei que em minha vida quase parada, teria que desvendar um mistério tão macabro e tão doce ao mesmo tempo. Isso e muito surreal para mim, quem diria que isso iria acontecer um dia comigo. Sempre imaginei que iria passar a minha vida inteira morando naquela casinha esverdeada com meu velho pai-monstro, suas manias estúpidas e tudo o que envolve o seu nome. Mas aconteceu e eu adorei. Esse último ano foi extremamente agitado, cheio de mistérios, surpresas e decepções. Não que minha vida não tenha tido momentos de mistério, surpresas e decepções, aliás, surpresas e decepção e o que mais tem em minha vida – principalmente decepções -, mas nada comparado ao que me aconteceu esse ano. Sem duvida alguma esse ano foi um marco em minha vida, tipo antes e depois sabe? Um ano realmente incrível que não teria sido nada se não fosse a chegada dele. Este ano aconteceu algo inesquecível, que irá viver em mim para toda a vida, até o dia de minha morte. Mesmo que isso doa um pouco agora, talvez continue doendo por mais alguns dias, talvez meses, anos e pode ser que esse buraco em meu peito nunca se feche, mesmo que eu tente com toda minha alma, mas nunca vou esquecer aquela manha chuvosa em que eu o conheci.
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I. Manhã de Abril
Eu sempre imaginei que esse tipo de coisa só acontecia em filmes, sabe? Tipo aqueles de suspense – porém com um toque de romance – Eu sou Alice Daré, cabelos ligeiramente encaracolados nas pontas, castanhos. Olhos – que beleza – também castanhos. Magra e de estrutura mediana, um metro e sessenta para ser mais exata. Pele branca como a neve – acho que assisti muito Branca de Neve quando era criança – acabei de completar dezoito anos faz algumas semanas. Não que eu me orgulhe disso, mas não posso negar minha idade. Você pode estar pensando que sou muito nova pra me preocupar com a idade, mas eu não gosto de saber que estou crescendo. Ao contrario do que a maioria das pessoas diz, eu não me acho muito bonita. Sei lá, me olho no espelho e vejo uma garota sem graça, totalmente desinteressante. Mas isso não vem ao caso. Estava indo para a escola, como sempre faço, peguei minhas coisas e desci para botar o café para o meu pai.
O senhor Paulo Daré ultimamente anda meio sedentário – corrigindo, ele sempre foi sedentário – desde que minha mãe morreu parece que ele ganhou a pequena mania de… De… Não queria dizer assim, mas ele ganhou a pequena mania de me fazer de escrava domestica. Às vezes acho que a mamãe morreu por causa dele, de tanto ter que passar lavar, varrer, arrumar entre outras coisas. O senhor Paulo sempre foi o homem com aquela barriga saliente, cabelos com entradas, – agora mais fundas – costeletas que mesmo depois de cortadas teimam em aparecer e os olhos esverdeados, única coisa bonita em seu corpo. Sempre que via seus olhos me perguntava – Por que não nasci com um par de olhos verdes? – Apesar de aparentar ser muito feio agora, ele nem sempre foi assim. Mamãe sempre dizia que quando namoravam; ele era o príncipe encantado dela! Engraçado, mas nunca vi nenhuma foto dele quando era mais jovem. Engraçado não, estranho! Senhor Paulo nunca deixou ninguém tirar fotos dele. Ele é o tipo de cara com quem você não consegue lidar, sempre mal humorado. Mas fazer o que, é meu pai!
Depois que terminei de colocar a mesa para o café, corri para o quarto dele e o acordei. Ele deu a pequena resmungada, algo comum – ele sempre resmunga quando o acordam! – Suas palavras são indecifráveis no principio, mas quando vai chegando ao fim – provavelmente quando ele começa a acordar de verdade – elas se transformam em algo tipo – O café já está na mesa? Você sabe que não gosto de esperar – e depois que eu balanço a cabeça afirmando que o café já está pronto ele desce, coçando as costas com aquele pijama inicialmente branco, mas que agora já estava se transformando em bege devido às machas de suor que não saem de jeito nenhum. Após ver que estava tudo certo, peguei o meu recém comprado jipe de segunda mão e segui para a escola. O caminho para escola era um pouco escuro devido às arvores que cercavam a estrada e a chuva estava ajudando muito naquele momento. Enquanto ligava o rádio – que era minha única distração pela manhã – comecei a pensar em minha vida e o quão chato ela era. Foi então que vi um caminhão de mudanças indo para a velha casa dos Guedes, na parte mais isolada da pequena cidade de Neomênia, perto do bosque. Os Guedes eram um casal de idosos que moravam naquela casa há anos. Casal simpático, sempre bem humorados e ainda apaixonados. Morreram já faz dois anos. Primeiro foi o senhor Antonio Guedes, de enfarte. Semanas depois, a senhora Alma Guedes, provavelmente de solidão. Os filhos não quiseram ficar com a casa, deixaram lá abandonada por durante um ano e oito meses, até que o mais velho – cujo nome eu desconheço – resolveu vender-la.
– Pelo jeito ela foi vendida – pensei eu – Espero que não seja nenhuma família chata. – Minha mania. Sempre acho que o estranho é importuno, fastidioso e bisbilhoteiro. Talvez por que eu tenho medo do desconhecido acabado tendo esse preconceito com o estranho. Não só pessoas, mas tudo que eu desconheça. É quase que uma fobia – se é que podemos chamar assim – mas sem dúvida era medo do novo.
Cheguei à escola atrasada. Talvez fosse por causa da pequena distração que tive no caminho, mas a primeira aula era de física. Eu detesto física! Então até gostei de ter chegado atrasada. Aproveitei que o professor sempre sai da sala antes de fazer a chamada e entrei. Ele voltou – com seu copo azul listrado com o desenho que faz lembrar uma fita vermelha – ele tinha enchido até a borda de água. Após beber o primeiro gole ele começou a chamada – meu nome era o segundo da lista – respondi e ele continuou. Nem percebeu que eu havia chegado atrasada. Ninguém percebia! Eu era insignificante. Primeira aula passou rápido. A segunda também. A terceira acabou demorando um pouco, mas deu para sobreviver – não iria morrer antes do intervalo, estava com muita fome! – Quando cheguei ao refeitório, Jéssica veio falar comigo. Jéssica era minha melhor – e talvez única – amiga. Seu irmão, Bernardo cresceu comigo, apesar dele ter dezenove anos – prestes a fazer vinte – nós sempre brincávamos juntos quando criança. Mas com o tempo eu acabei me afastando dele. Não por alguma coisa que ele tenha feito ou dito, me afastei ao poucos, gradativamente. De vez em quando ele me chama pra sair, mas quase sempre recuso. Quando vou visitar a Jéssica à tarde – o que acontece quase todo dia – ele já está no trabalho e cada dia mais desconhecido pra mim. Ou seja, cada dia mais estranho.
Fim do intervalo, fome saciada; hora de voltar para o batente! Após o intervalo só tenho mais outras três aulas. Desta vez as aulas demoraram mais a passar, talvez a vontade de ir embora fosse maior que a vontade de comer. Mas hoje não estava com pressa de ir embora, estranhei, mas não dei tanta importância. Quando terminou a segunda aula corri rapidamente para a mesa de Jéssica – ela sentava oito mesas a frente da minha – perguntei se sabia dos novos moradores
– Eu ouvi meu pai conversando com os filhos dos Guedes. A família parece do tipo tradicional, os pais super educados e gentis, os filhos cavalheiros como príncipes e a filha é a delicadeza em pessoa! –
O jeito como a Jéssica os descrevia me fez criar a imagem de uma família renascentista, mas não consegui criar rostos, apenas o físico da família toda junta. Os pais acima e os filhos abaixo, todos com penteados e roupas típicas da época renascentista.
– Só isso que você sabe? – perguntei só querendo afirmar.
– Esperava que soubesse de mais o que? – rebateu Jéssica levemente furiosa.
– Nada! Só queria confirmar. –
Voltei correndo para o meu lugar, o professor já estava dentro da sala. Levei um hmmmm raivoso do professor, que fez cara feia pra mim.
Apesar do pequeno incidente do inicio da aula, eu sobrevivi novamente. Enquanto arrumava as coisas, toquei novamente sobre o assunto “nova família” com a Jéssica – desta vez acompanhada da Olívia, outra amiga – o que fez ela ficar novamente com uma ponta de raiva de mim.
– Jéssica, você viu algum dos filhos dessa família? – mas minha pergunta foi respondida pela Olívia, para minha surpresa.
– Eu os vi rondando a casa por fora ontem à tarde. Parece que estavam decidindo onde seria “a sala” – ela enfatizou “a sala” dando um ar de mistério.
– Por fora? – perguntou Jéssica.
– Parece que não estavam falando da sala de visita. Era como se fosse um esconderijo, ou algo do tipo.
Encerrei a conversa com um “agora tenho que ir”. Peguei minha mochila – estava no chão – e corri para o pátio, seguindo para o estacionamento e correndo para meu jipe. Uma ansiedade súbita me pegou de surpresa. Parece que uma força meu chamava, era como se algo sobrenatural estivesse me instigando a sair ao seu encontro. Tive que passar na casa dos Guedes.
Quando cheguei perto da casa o caminhão de mudanças ainda estava lá, porém quase vazio. Diminui, queria ver se conseguia espiar algo lá dentro – queria xeretar mesmo – mas apenas os funcionários que estavam fazendo a mudança que entrava e saia da casa. A chuva havia diminuído, mas o tempo ainda estava nublado, foi quando eu o vi – o príncipe – olhando por entre a janela da frente com seu cabelo ruivo que parecia ter vida própria de tanto que se mexia a cada vez que ele balançava. Seu cabelo batia até suas orelhas, liso e perfeito. Sua boca era avermelhada e seus olhos – mesmo distantes – brilhavam uma cor esverdeada, era o olho mais belo que já havia visto. Nesse momento ele olhou para o meu pobre e surrado jipe de segunda mão, meu coração parou. A sensação que tive era de que ele estava olhando diretamente para mim, olho no olho. Por alguns segundos nós trocamos olhares, que foram quebrados pela voz doce e meiga de uma mulher. Ouvi –bem baixinho – ela dizer – Querido, não olhe demais para a rua – ela chegou perto da janela e olhou para mim, quebrando todo o encanto daquele momento.
Pisei fundo e fui. Minha distração agora não era o rádio, mas os olhos doces e serenos olhando para mim como duas esmeraldas brilhantes. Acho que cheguei perto de atingir o que as pessoas chamam de nirvana.
Cheguei a casa ainda com os olhos daquele ser misterioso em minha cabeça.
– Alice! – novamente o encanto foi quebrado. Meu pai pedindo para preparar o almoço. Balancei a cabeça, tentando tirar a imagem daqueles olhos, como se pudesse colocar para fora da minha memória. Corri para cozinha e fui – inutilmente – preparar o almoço.
Como já era de se esperar, os olhos não saíram da minha cabeça, e o almoço não saiu lá grandes coisas. Meu pai reclamou o almoço inteiro, mas a imagem dos olhos verdes daquele rapaz tão lindo e tão… Perfeito, isso começou a me angustiar, eu que sempre dizia detestar o estranho estava me apaixonando por um completo desconhecido?
Esperei a tarde inteira que a imagem daqueles olhos fugisse da minha mente. Liguei o rádio, talvez um pouco de música me fizesse esquecer o que havia visto naquela manhã, mas de nada adiantou. Parece que os olhos verdes e misteriosos daquele ser – ainda não sei se tanta perfeição pode ser um humano – estavam decididos a me perseguir e era estranho, muito estranho! A sensação que tinha era de que ele estava me vigiando, espionando, mas por que algo eu me sentia tão bem com aqueles olhos me rodeando o tempo inteiro como se já fizesse parte de mim? Olhos verdes e misteriosos, cheios de brilho e charme.
De repente ouço o telefone, parece que os olhos só desapareciam quando eu levava um susto, corri para a sala – quase cai da escada – atendi, era Jéssica perguntando por que eu não fui a casa dela hoje. Inventei uma desculpa de que não estava me sentindo muito bem e ela acreditou – minha voz de doente era infalível – ela me desejou melhoras e desligou. Aproveitei que estava perto da cozinha e fui preparar um leite morno para mim – o dia estava esfriando – e adiantar a janta. Enquanto esperava o leite esquentar, voltei a me distrair com os olhos – agora perturbadores – do ser que vira de manhã, estava cansada de não conseguir pensar em outra coisa além dele, me sentia enfeitiçada. Sim, era isso! Eu estava enfeitiçada, não havia outra explicação lógica para toda aquela perseguição. Fui aceitando a idéia, talvez fosse mais confortável pra eu imaginar que estava sob um feitiço do que estar sentindo outra coisa. Não podia estar sentindo outra coisa, não podia estar me apaixonando! Ainda mas por um completo desconhecido, isso era inaceitável, contra todas as regras que criei para me proteger.
Aos poucos o dia se foi e começou a anoitecer. Meu pai estava voltando de seu bar – detalhe que esqueci de informar, meu pai e dono de um barzinho aqui na cidade – a primeira coisa que fez quando entrou foi ligar a televisão e gritar por mim:
– Alice, a janta já está pronta? – não se importando se eu estava passando bem ou não, mesmo que essa história de doença fosse mentira. Ainda bem que havia adiantado a janta quando fui preparar meu leite, se não teria esquecido. Botei o prato dele, depois botei o meu e subi para meu quarto, fui estudar um pouco. Os cálculos me distraíram e logo parei de pensar nos olhos misteriosos do ser perfeito que havia visto hoje. Números nunca foram comigo, até para decorar o número do telefone da minha casa eu era um desastre! Precisava de uma ajudinha, mas não encontrei ninguém que fosse bom de cálculos – tinha o Bernardo, mas esse eu dispenso – se eu não passasse nessa prova eu estaria encrencada no final do ano. Fechei os livros, apesar de me distrair não estava adiantado de nada. Olhei o relógio, 02:03 da manhã, havia perdido a noção do tempo. Corri para dormir, caso contrario chegaria atrasada outra vez na escola. Peguei no sono rápido, a última coisa que me lembro foi de olhar novamente pro relógio que marcava 02:12, depois disso apenas meu despertador tocando, 6:00 da manhã, hora de acordar.
II. O Primeiro Encontro
Levantei correndo e fui tomar banho, atrasar duas vezes na semana não era nada bom. Enquanto passava o sabonete sobre meu corpo os olhos voltaram, um pouco mais apagados, mas voltaram, e ficaram me perseguindo novamente. Desta vez fingi que não estava pensando neles – achei que se ignorassem, eles sumiriam – mas eles continuaram até o fim do banho. Ao sair do banho, enquanto me enxugava, comecei a pensar na possibilidade de um romance – surto, nunca poderia acontecer – balancei a cabeça tentando retirar esses pensamentos, o resultado foi favorável pra mim, consegui. Botei minha roupa e desci para o quarto do meu pai que resmungou as palavras indecifráveis e desceu em seguida. Depois de por o café na mesa pegue uma maça e fui comendo pela rua, o sono não me deixava correr, mas consegui chegar a tempo da primeira aula. As horas passaram que nem vi, quando fui perceber já era o intervalo. Jéssica veio correndo falar comigo, perguntou se eu estava melhor. Não entendi a principio só depois que fui lembrar que dissera a ela que havia passado mal. Ficamos fofocando o intervalo inteiro, conversamos mais sobre ela do que de mim, falamos sobre o paquera que ela havia arranjado e das possibilidades dele virar um namoro sério. O intervalo demorou mais que as três primeiras aulas, talvez por que eu não estava nada interessada no que Jéssica estava dizendo. Final do intervalo acabei deixando escapar em voz alta um aleluia, mas Jéssica não chegou a ouvir, para minha sorte. Lembrei que tinha assuntos a resolver na secretaria, Jéssica não quis me esperar então segui sozinha. Já estava imaginando a cara da mulher que fica na secretaria, sempre emburrada. Quando cheguei à secretaria tive uma grande surpresa. Era o ser, estava bem ali, na minha frente, a meio centímetro de distância, olhando pra mim. O nervosismo caiu sobre mim naquele momento, quase que voltei para a sala, não sabia exatamente o porquê de estar assim, pensei novamente e correr, mas decidi ficar.
– Oi – Disse ele com um sorriso sereno.
– Oi – Respondi meio sem jeito – Você acabou de se mudar para a antiga casa dos Guedes não é? – Perguntei meio que instantaneamente quebrando um possível gelo.
– Era você quem estava parada em frente a minha casa ontem? – Nesse momento meu rosto ficou roxo de vergonha, admiti.
– Você conhecia os antigos moradores? – Perguntou ele.
– Sim, mas não éramos amigos – Dei muita ênfase à palavra amigos.
– Legal – Disse num tom um pouco mais baixo, que foi interrompido pela secretaria da escola – Mande seus pais assinarem aqui! – A secretaria sempre com um ar de arrogância.
– Ah, claro – Respondeu tranqüilo.
Após pegar o papel ele seguiu para fora da escola, abriu a porta e sumiu. Fiquei parada, olhando ele partir, agora não eram apenas os olhos, mas sim, o rosto inteiro grudado na minha mente.
Fui acordada pela secretaria perguntando o que queria, balancei a cabeça como se estivesse querendo acordar e resolvi os problemas pendentes. Corri para a sala, a aula já havia começado, não pude entrar desta vez. Enquanto esperava a aula acabar fiquei relembrando a nossa “primeira conversa”, foi então que me toquei que nem sabia o nome dele. Corri novamente para secretaria, mas a secretaria não estava, tive que esperar, faltava ainda quarenta minutos para a aula acabar, dava pra esperar. Fiquei cinco minutos esperando. Quando ela me viu já foi fazendo cara feia.
– O que você quer agora menina? – Perguntou com a mesma arrogância de sempre.
– Você sabe quem era aquele rapaz que estava aqui agora a pouco? – Ela me olhou com cara de nojo, levantou as sobrancelhas, ajeitou os óculos, fez uma cara de quem não ia responder, mas respondeu:
– Ele veio se matricular na escola, seu nome é Eduardo Montês – De repente o tom de ignorância que já era habitual acabou virando tom de fofoca – Parece que a família dele se mudou para cá por causa de envolvimentos com a policia, dizem por ai que o pai dele matou varias pessoas na cidade onde morava – Olhei para cara dela, torci a boca e perguntei se ela acreditava em tudo isso, ela respondeu que sim. Agradeci e subi novamente e fiquei esperando.
A quarta aula havia acabado finalmente pude voltar à sala. As aulas restantes passaram rápido, digo, voaram! Novamente nem percebi, agora tinha uma distração muito maior que qualquer outra que tivera em toda minha vida. Eduardo Montês, o nome que não me saia da cabeça. Seu rosto, agora mais nítido, me perseguia muito mais do que quando eram só os olhos. Estava doente, sem dúvida; uma atração tão forte pelo desconhecido, minha mente sendo tomada pelo estranho isso não era de mim, não mesmo!
Jéssica correu como quem queria ganhar uma corrida de obstáculos em minha direção na hora da saída, veio me perguntar o porquê deu estar tão quieta nas ultimas duas aulas.
– Alice? Alice! Você está bem? –
– Estou! – Respondi meio que automaticamente.
– Você parecia perturbada nas ultimas aulas, tem certeza que esta bem? – Ela insistia
– Não, não! Estou bem mesmo – Respondia desta vez tentando passar mais convicção
– E que te achei estranha –
– Mas foi só impressão sua! Sabe quem eu encontrei na quarta aula, bem aqui na secretaria? – Resolvi contar, não tinha muitos motivos para esconder que havia visto-o hoje – Um dos filhos da família que se mudou para a antiga casa dos Guedes; Eduardo Montês! – A cara de espanto de Jéssica me fez imaginar que ela estava duvidando de mim.
– Então…? – Perguntou com cara de curiosa. Dei de ombros e gesticulei com as mãos um o que? – Ele era bonito ou não Alice? – Esclareceu
– Ah! É isso – Respirei fundo antes de responder – Ele é perfeito demais e vai estudar aqui! – Nesse momento o meu gênio me estrangulava. Nunca que eu faria esse tipo de comentário.
– Então era por isso que você estava toda quieta, pensativa – Adivinhou – Você chegou a conversar com ele? – Ela parecia realmente empolgada.
– Não sei se posso chamar de conversa, mas trocamos umas palavras – Dei um sorriso torto e meio sem graça, depois peguei minhas coisas e caminhei para meu jipe.
- Alice, me da uma carona para casa, é que meu irmão não pode me levar hoje – Jéssica parecia constrangida com a pergunta.
– Claro, vamos lá! –
O estacionamento dos alunos não era muito longe da saída da escola, logo, já estávamos no jipe – Você quer ouvir alguma coisa? – Perguntei com a mão pronta para ligar o rádio
– Ah! Quero sim, posso escolher a rádio? –
– Claro – Acenei a cabeça positivamente. Enquanto ela cantava o rosto de Eduardo voltava a perseguir a minha mente, mas por pouco tempo. Jéssica retirou a sua imagem da minha cabeça
– Então quer dizer que o nome dele é Eduardo Montês? –
– Jéssica, você realmente quer falar disso? – Perguntei fazendo uma cara de desentendida com um sorriso de deboche nos lábios
– Quero, aliás, você podia dar uma parada lá na casa deles para darmos as boas-vindas!
– Nós nem somos vizinhos! –
– Mas seremos colegas de escola, talvez até de classe! – O argumento dela não me convenceu, mas fui mesmo assim.
Com a cara e a coragem eu apertei a campanhinha. Quem veio nós atender era uma mulher loira, de estatura mediana – um pouco maior que eu – olhos claros e pele muito, muito branca.
– Olá, em que posso ajudá-las? – Sua voz era delicada e suave, ao mesmo tempo em que era firme e decidida.
– Nós somos da escola e queremos desejar as boas-vindas a sua família – Jéssica disse numa naturalidade que me assustou – Desculpe não trazermos nada, acabamos de voltar da escola e decidimos fazer essa visita de ultima hora – A moça levantou a sobrancelha, deu um singelo sorriso que foi ficando maior até se tornar em um verdadeiro sorriso de gratidão.
– Obrigada pela gentileza, desculpe não convida-las para entrar, mas a casa ainda esta uma bagunça – Ela estava um pouco constrangida. Eu também.
– Claro, não tem importância. Nós entendemos! – Respondi um pouco sem jeito.
– Nossa, que indelicadeza a minha, nem me apresentei; Sou Amélia Montês e esses são meus filhos: Vanessa e Carlos Montês – Ela se afastou da porta e pudermos ver entre diversas caixas os dois se aproximando – O meu marido, Otavio, ele está lá nos fundos mexendo em… Sei lá o que – Apesar de toda a educação da mãe, os dois filhos pareciam não estar muito a vontade. Talvez estivessem que nem eu, meio perdidos.
– Eu sou Jéssica Madeira e essa é minha amiga, Alice Daré – Eu dei um sorriso meio tímido e acenei com a mão. De repente, aparece ele por detrás de outras caixas, se aproximou, deu um beijo no rosto da mãe e ficou olhando para nós.
– Essas são Jéssica e Alice, estavam nos dando boas-vindas – Foi automático. Meus olhos ficaram paralisados, parecia que ele estava mais lindo do que da última vez em que o vi. Estava incrivelmente perfeito.
– Esse é… – Antes que pudesse responder Jéssica já foi respondendo
– Eduardo Montês – A cara de surpresa de todos foi instantânea
– Já se conheciam? –
– Eu não! A Alice quem conheceu e me contou – Me rosto foi ao chão neste momento.
– Nos encontramos na secretaria, enquanto levava o histórico para fazer a matricula – Respondeu ele.
– Então sejam bem-vindos todos, espero que gostem daqui! – Jéssica sempre empolgada
– Obrigada vocês pela gentileza! – A mãe acenou para nós enquanto saiamos, fechou a porta e foi para a janela, acenamos novamente depois que entramos no jipe e partimos direto para casa de Jéssica.
– Por que você fez aquilo? – Perguntei num tom raivoso.
– Aquilo o quê? – Jéssica realmente não sabia
– Aquilo de ficar falando que eu te contei sobre o nosso… Encontro? – Não sabia se podia chamar aquilo de encontro, mas não achei outra palavra melhor para descrever.
– Por que, não podia? – Cara de deboche
– Não daquele jeito –
– Que jeito? – Ela já estava começando a querer me irritar.
– Aquele jeito – Já estava ficando confusa.
– Tipo fofoca? – Deduziu
– Exatamente! Tipo fofoca – Terminei a discussão.
Após chegar a casa, meu pai já estava sentado no sofá assistindo televisão e me olhando como se fosse me esganar apenas com o olhar.
– Por que demorou tanto assim? Onde estava? Por que não estava aqui para fazer o meu almoço? – Sua metralhadora de perguntas estava ligada, quase me perdi.
– A Jéssica me pediu carona até a casa dela, o irmão dela não pode hoje! Não precisa ficar irritado, já estou indo para cozinha preparar seu almoço – Hoje teria comida requentada, ou seja, ia ouvi uns resmungos, mas estaria livre o resto do dia!
Depois de terminar de almoçar, subi para meu quarto e fui me deitar um pouco. Não tinha o hábito de dormir a tarde, mas como não tinha nada melhor para fazer no momento, resolvi que iria dormir um pouco.
Prólogo
Você sabe o que é uma vida pacata? Tem idéia do qual chato pode ser uma vida quase sedentária? Pôs bem, minha vida é exatamente deste jeito! Nunca pensei que um dia minha vida fosse mudar completamente, tipo virar do avesso. Nunca achei que tivesse todas as respostas, mas, sempre achei que teria todas as respostas que preciso. Nunca imaginei que em minha vida quase parada, teria que desvendar um mistério tão macabro e tão doce ao mesmo tempo. Isso e muito surreal para mim, quem diria que isso iria acontecer um dia comigo. Sempre imaginei que iria passar a minha vida inteira morando naquela casinha esverdeada com meu velho pai-monstro, suas manias estúpidas e tudo o que envolve o seu nome. Mas aconteceu e eu adorei. Esse último ano foi extremamente agitado, cheio de mistérios, surpresas e decepções. Não que minha vida não tenha tido momentos de mistério, surpresas e decepções, aliás, surpresas e decepção e o que mais tem em minha vida – principalmente decepções -, mas nada comparado ao que me aconteceu esse ano. Sem duvida alguma esse ano foi um marco em minha vida, tipo antes e depois sabe? Um ano realmente incrível que não teria sido nada se não fosse a chegada dele. Este ano aconteceu algo inesquecível, que irá viver em mim para toda a vida, até o dia de minha morte. Mesmo que isso doa um pouco agora, talvez continue doendo por mais alguns dias, talvez meses, anos e pode ser que esse buraco em meu peito nunca se feche, mesmo que eu tente com toda minha alma, mas nunca vou esquecer aquela manha chuvosa em que eu o conheci.
————————————-
I. Manhã de Abril
Eu sempre imaginei que esse tipo de coisa só acontecia em filmes, sabe? Tipo aqueles de suspense – porém com um toque de romance – Eu sou Alice Daré, cabelos ligeiramente encaracolados nas pontas, castanhos. Olhos – que beleza – também castanhos. Magra e de estrutura mediana, um metro e sessenta para ser mais exata. Pele branca como a neve – acho que assisti muito Branca de Neve quando era criança – acabei de completar dezoito anos faz algumas semanas. Não que eu me orgulhe disso, mas não posso negar minha idade. Você pode estar pensando que sou muito nova pra me preocupar com a idade, mas eu não gosto de saber que estou crescendo. Ao contrario do que a maioria das pessoas diz, eu não me acho muito bonita. Sei lá, me olho no espelho e vejo uma garota sem graça, totalmente desinteressante. Mas isso não vem ao caso. Estava indo para a escola, como sempre faço, peguei minhas coisas e desci para botar o café para o meu pai.
O senhor Paulo Daré ultimamente anda meio sedentário – corrigindo, ele sempre foi sedentário – desde que minha mãe morreu parece que ele ganhou a pequena mania de… De… Não queria dizer assim, mas ele ganhou a pequena mania de me fazer de escrava domestica. Às vezes acho que a mamãe morreu por causa dele, de tanto ter que passar lavar, varrer, arrumar entre outras coisas. O senhor Paulo sempre foi o homem com aquela barriga saliente, cabelos com entradas, – agora mais fundas – costeletas que mesmo depois de cortadas teimam em aparecer e os olhos esverdeados, única coisa bonita em seu corpo. Sempre que via seus olhos me perguntava – Por que não nasci com um par de olhos verdes? – Apesar de aparentar ser muito feio agora, ele nem sempre foi assim. Mamãe sempre dizia que quando namoravam; ele era o príncipe encantado dela! Engraçado, mas nunca vi nenhuma foto dele quando era mais jovem. Engraçado não, estranho! Senhor Paulo nunca deixou ninguém tirar fotos dele. Ele é o tipo de cara com quem você não consegue lidar, sempre mal humorado. Mas fazer o que, é meu pai!
Depois que terminei de colocar a mesa para o café, corri para o quarto dele e o acordei. Ele deu a pequena resmungada, algo comum – ele sempre resmunga quando o acordam! – Suas palavras são indecifráveis no principio, mas quando vai chegando ao fim – provavelmente quando ele começa a acordar de verdade – elas se transformam em algo tipo – O café já está na mesa? Você sabe que não gosto de esperar – e depois que eu balanço a cabeça afirmando que o café já está pronto ele desce, coçando as costas com aquele pijama inicialmente branco, mas que agora já estava se transformando em bege devido às machas de suor que não saem de jeito nenhum. Após ver que estava tudo certo, peguei o meu recém comprado jipe de segunda mão e segui para a escola. O caminho para escola era um pouco escuro devido às arvores que cercavam a estrada e a chuva estava ajudando muito naquele momento. Enquanto ligava o rádio – que era minha única distração pela manhã – comecei a pensar em minha vida e o quão chato ela era. Foi então que vi um caminhão de mudanças indo para a velha casa dos Guedes, na parte mais isolada da pequena cidade de Neomênia, perto do bosque. Os Guedes eram um casal de idosos que moravam naquela casa há anos. Casal simpático, sempre bem humorados e ainda apaixonados. Morreram já faz dois anos. Primeiro foi o senhor Antonio Guedes, de enfarte. Semanas depois, a senhora Alma Guedes, provavelmente de solidão. Os filhos não quiseram ficar com a casa, deixaram lá abandonada por durante um ano e oito meses, até que o mais velho – cujo nome eu desconheço – resolveu vender-la.
– Pelo jeito ela foi vendida – pensei eu – Espero que não seja nenhuma família chata. – Minha mania. Sempre acho que o estranho é importuno, fastidioso e bisbilhoteiro. Talvez por que eu tenho medo do desconhecido acabado tendo esse preconceito com o estranho. Não só pessoas, mas tudo que eu desconheça. É quase que uma fobia – se é que podemos chamar assim – mas sem dúvida era medo do novo.
Cheguei à escola atrasada. Talvez fosse por causa da pequena distração que tive no caminho, mas a primeira aula era de física. Eu detesto física! Então até gostei de ter chegado atrasada. Aproveitei que o professor sempre sai da sala antes de fazer a chamada e entrei. Ele voltou – com seu copo azul listrado com o desenho que faz lembrar uma fita vermelha – ele tinha enchido até a borda de água. Após beber o primeiro gole ele começou a chamada – meu nome era o segundo da lista – respondi e ele continuou. Nem percebeu que eu havia chegado atrasada. Ninguém percebia! Eu era insignificante. Primeira aula passou rápido. A segunda também. A terceira acabou demorando um pouco, mas deu para sobreviver – não iria morrer antes do intervalo, estava com muita fome! – Quando cheguei ao refeitório, Jéssica veio falar comigo. Jéssica era minha melhor – e talvez única – amiga. Seu irmão, Bernardo cresceu comigo, apesar dele ter dezenove anos – prestes a fazer vinte – nós sempre brincávamos juntos quando criança. Mas com o tempo eu acabei me afastando dele. Não por alguma coisa que ele tenha feito ou dito, me afastei ao poucos, gradativamente. De vez em quando ele me chama pra sair, mas quase sempre recuso. Quando vou visitar a Jéssica à tarde – o que acontece quase todo dia – ele já está no trabalho e cada dia mais desconhecido pra mim. Ou seja, cada dia mais estranho.
Fim do intervalo, fome saciada; hora de voltar para o batente! Após o intervalo só tenho mais outras três aulas. Desta vez as aulas demoraram mais a passar, talvez a vontade de ir embora fosse maior que a vontade de comer. Mas hoje não estava com pressa de ir embora, estranhei, mas não dei tanta importância. Quando terminou a segunda aula corri rapidamente para a mesa de Jéssica – ela sentava oito mesas a frente da minha – perguntei se sabia dos novos moradores
– Eu ouvi meu pai conversando com os filhos dos Guedes. A família parece do tipo tradicional, os pais super educados e gentis, os filhos cavalheiros como príncipes e a filha é a delicadeza em pessoa! –
O jeito como a Jéssica os descrevia me fez criar a imagem de uma família renascentista, mas não consegui criar rostos, apenas o físico da família toda junta. Os pais acima e os filhos abaixo, todos com penteados e roupas típicas da época renascentista.
– Só isso que você sabe? – perguntei só querendo afirmar.
– Esperava que soubesse de mais o que? – rebateu Jéssica levemente furiosa.
– Nada! Só queria confirmar. –
Voltei correndo para o meu lugar, o professor já estava dentro da sala. Levei um hmmmm raivoso do professor, que fez cara feia pra mim.
Apesar do pequeno incidente do inicio da aula, eu sobrevivi novamente. Enquanto arrumava as coisas, toquei novamente sobre o assunto “nova família” com a Jéssica – desta vez acompanhada da Olívia, outra amiga – o que fez ela ficar novamente com uma ponta de raiva de mim.
– Jéssica, você viu algum dos filhos dessa família? – mas minha pergunta foi respondida pela Olívia, para minha surpresa.
– Eu os vi rondando a casa por fora ontem à tarde. Parece que estavam decidindo onde seria “a sala” – ela enfatizou “a sala” dando um ar de mistério.
– Por fora? – perguntou Jéssica.
– Parece que não estavam falando da sala de visita. Era como se fosse um esconderijo, ou algo do tipo.
Encerrei a conversa com um “agora tenho que ir”. Peguei minha mochila – estava no chão – e corri para o pátio, seguindo para o estacionamento e correndo para meu jipe. Uma ansiedade súbita me pegou de surpresa. Parece que uma força meu chamava, era como se algo sobrenatural estivesse me instigando a sair ao seu encontro. Tive que passar na casa dos Guedes.
Quando cheguei perto da casa o caminhão de mudanças ainda estava lá, porém quase vazio. Diminui, queria ver se conseguia espiar algo lá dentro – queria xeretar mesmo – mas apenas os funcionários que estavam fazendo a mudança que entrava e saia da casa. A chuva havia diminuído, mas o tempo ainda estava nublado, foi quando eu o vi – o príncipe – olhando por entre a janela da frente com seu cabelo ruivo que parecia ter vida própria de tanto que se mexia a cada vez que ele balançava. Seu cabelo batia até suas orelhas, liso e perfeito. Sua boca era avermelhada e seus olhos – mesmo distantes – brilhavam uma cor esverdeada, era o olho mais belo que já havia visto. Nesse momento ele olhou para o meu pobre e surrado jipe de segunda mão, meu coração parou. A sensação que tive era de que ele estava olhando diretamente para mim, olho no olho. Por alguns segundos nós trocamos olhares, que foram quebrados pela voz doce e meiga de uma mulher. Ouvi –bem baixinho – ela dizer – Querido, não olhe demais para a rua – ela chegou perto da janela e olhou para mim, quebrando todo o encanto daquele momento.
Pisei fundo e fui. Minha distração agora não era o rádio, mas os olhos doces e serenos olhando para mim como duas esmeraldas brilhantes. Acho que cheguei perto de atingir o que as pessoas chamam de nirvana.
Cheguei a casa ainda com os olhos daquele ser misterioso em minha cabeça.
– Alice! – novamente o encanto foi quebrado. Meu pai pedindo para preparar o almoço. Balancei a cabeça, tentando tirar a imagem daqueles olhos, como se pudesse colocar para fora da minha memória. Corri para cozinha e fui – inutilmente – preparar o almoço.
Como já era de se esperar, os olhos não saíram da minha cabeça, e o almoço não saiu lá grandes coisas. Meu pai reclamou o almoço inteiro, mas a imagem dos olhos verdes daquele rapaz tão lindo e tão… Perfeito, isso começou a me angustiar, eu que sempre dizia detestar o estranho estava me apaixonando por um completo desconhecido?
Esperei a tarde inteira que a imagem daqueles olhos fugisse da minha mente. Liguei o rádio, talvez um pouco de música me fizesse esquecer o que havia visto naquela manhã, mas de nada adiantou. Parece que os olhos verdes e misteriosos daquele ser – ainda não sei se tanta perfeição pode ser um humano – estavam decididos a me perseguir e era estranho, muito estranho! A sensação que tinha era de que ele estava me vigiando, espionando, mas por que algo eu me sentia tão bem com aqueles olhos me rodeando o tempo inteiro como se já fizesse parte de mim? Olhos verdes e misteriosos, cheios de brilho e charme.
De repente ouço o telefone, parece que os olhos só desapareciam quando eu levava um susto, corri para a sala – quase cai da escada – atendi, era Jéssica perguntando por que eu não fui a casa dela hoje. Inventei uma desculpa de que não estava me sentindo muito bem e ela acreditou – minha voz de doente era infalível – ela me desejou melhoras e desligou. Aproveitei que estava perto da cozinha e fui preparar um leite morno para mim – o dia estava esfriando – e adiantar a janta. Enquanto esperava o leite esquentar, voltei a me distrair com os olhos – agora perturbadores – do ser que vira de manhã, estava cansada de não conseguir pensar em outra coisa além dele, me sentia enfeitiçada. Sim, era isso! Eu estava enfeitiçada, não havia outra explicação lógica para toda aquela perseguição. Fui aceitando a idéia, talvez fosse mais confortável pra eu imaginar que estava sob um feitiço do que estar sentindo outra coisa. Não podia estar sentindo outra coisa, não podia estar me apaixonando! Ainda mas por um completo desconhecido, isso era inaceitável, contra todas as regras que criei para me proteger.
Aos poucos o dia se foi e começou a anoitecer. Meu pai estava voltando de seu bar – detalhe que esqueci de informar, meu pai e dono de um barzinho aqui na cidade – a primeira coisa que fez quando entrou foi ligar a televisão e gritar por mim:
– Alice, a janta já está pronta? – não se importando se eu estava passando bem ou não, mesmo que essa história de doença fosse mentira. Ainda bem que havia adiantado a janta quando fui preparar meu leite, se não teria esquecido. Botei o prato dele, depois botei o meu e subi para meu quarto, fui estudar um pouco. Os cálculos me distraíram e logo parei de pensar nos olhos misteriosos do ser perfeito que havia visto hoje. Números nunca foram comigo, até para decorar o número do telefone da minha casa eu era um desastre! Precisava de uma ajudinha, mas não encontrei ninguém que fosse bom de cálculos – tinha o Bernardo, mas esse eu dispenso – se eu não passasse nessa prova eu estaria encrencada no final do ano. Fechei os livros, apesar de me distrair não estava adiantado de nada. Olhei o relógio, 02:03 da manhã, havia perdido a noção do tempo. Corri para dormir, caso contrario chegaria atrasada outra vez na escola. Peguei no sono rápido, a última coisa que me lembro foi de olhar novamente pro relógio que marcava 02:12, depois disso apenas meu despertador tocando, 6:00 da manhã, hora de acordar.
II. O Primeiro Encontro
Levantei correndo e fui tomar banho, atrasar duas vezes na semana não era nada bom. Enquanto passava o sabonete sobre meu corpo os olhos voltaram, um pouco mais apagados, mas voltaram, e ficaram me perseguindo novamente. Desta vez fingi que não estava pensando neles – achei que se ignorassem, eles sumiriam – mas eles continuaram até o fim do banho. Ao sair do banho, enquanto me enxugava, comecei a pensar na possibilidade de um romance – surto, nunca poderia acontecer – balancei a cabeça tentando retirar esses pensamentos, o resultado foi favorável pra mim, consegui. Botei minha roupa e desci para o quarto do meu pai que resmungou as palavras indecifráveis e desceu em seguida. Depois de por o café na mesa pegue uma maça e fui comendo pela rua, o sono não me deixava correr, mas consegui chegar a tempo da primeira aula. As horas passaram que nem vi, quando fui perceber já era o intervalo. Jéssica veio correndo falar comigo, perguntou se eu estava melhor. Não entendi a principio só depois que fui lembrar que dissera a ela que havia passado mal. Ficamos fofocando o intervalo inteiro, conversamos mais sobre ela do que de mim, falamos sobre o paquera que ela havia arranjado e das possibilidades dele virar um namoro sério. O intervalo demorou mais que as três primeiras aulas, talvez por que eu não estava nada interessada no que Jéssica estava dizendo. Final do intervalo acabei deixando escapar em voz alta um aleluia, mas Jéssica não chegou a ouvir, para minha sorte. Lembrei que tinha assuntos a resolver na secretaria, Jéssica não quis me esperar então segui sozinha. Já estava imaginando a cara da mulher que fica na secretaria, sempre emburrada. Quando cheguei à secretaria tive uma grande surpresa. Era o ser, estava bem ali, na minha frente, a meio centímetro de distância, olhando pra mim. O nervosismo caiu sobre mim naquele momento, quase que voltei para a sala, não sabia exatamente o porquê de estar assim, pensei novamente e correr, mas decidi ficar.
– Oi – Disse ele com um sorriso sereno.
– Oi – Respondi meio sem jeito – Você acabou de se mudar para a antiga casa dos Guedes não é? – Perguntei meio que instantaneamente quebrando um possível gelo.
– Era você quem estava parada em frente a minha casa ontem? – Nesse momento meu rosto ficou roxo de vergonha, admiti.
– Você conhecia os antigos moradores? – Perguntou ele.
– Sim, mas não éramos amigos – Dei muita ênfase à palavra amigos.
– Legal – Disse num tom um pouco mais baixo, que foi interrompido pela secretaria da escola – Mande seus pais assinarem aqui! – A secretaria sempre com um ar de arrogância.
– Ah, claro – Respondeu tranqüilo.
Após pegar o papel ele seguiu para fora da escola, abriu a porta e sumiu. Fiquei parada, olhando ele partir, agora não eram apenas os olhos, mas sim, o rosto inteiro grudado na minha mente.
Fui acordada pela secretaria perguntando o que queria, balancei a cabeça como se estivesse querendo acordar e resolvi os problemas pendentes. Corri para a sala, a aula já havia começado, não pude entrar desta vez. Enquanto esperava a aula acabar fiquei relembrando a nossa “primeira conversa”, foi então que me toquei que nem sabia o nome dele. Corri novamente para secretaria, mas a secretaria não estava, tive que esperar, faltava ainda quarenta minutos para a aula acabar, dava pra esperar. Fiquei cinco minutos esperando. Quando ela me viu já foi fazendo cara feia.
– O que você quer agora menina? – Perguntou com a mesma arrogância de sempre.
– Você sabe quem era aquele rapaz que estava aqui agora a pouco? – Ela me olhou com cara de nojo, levantou as sobrancelhas, ajeitou os óculos, fez uma cara de quem não ia responder, mas respondeu:
– Ele veio se matricular na escola, seu nome é Eduardo Montês – De repente o tom de ignorância que já era habitual acabou virando tom de fofoca – Parece que a família dele se mudou para cá por causa de envolvimentos com a policia, dizem por ai que o pai dele matou varias pessoas na cidade onde morava – Olhei para cara dela, torci a boca e perguntei se ela acreditava em tudo isso, ela respondeu que sim. Agradeci e subi novamente e fiquei esperando.
A quarta aula havia acabado finalmente pude voltar à sala. As aulas restantes passaram rápido, digo, voaram! Novamente nem percebi, agora tinha uma distração muito maior que qualquer outra que tivera em toda minha vida. Eduardo Montês, o nome que não me saia da cabeça. Seu rosto, agora mais nítido, me perseguia muito mais do que quando eram só os olhos. Estava doente, sem dúvida; uma atração tão forte pelo desconhecido, minha mente sendo tomada pelo estranho isso não era de mim, não mesmo!
Jéssica correu como quem queria ganhar uma corrida de obstáculos em minha direção na hora da saída, veio me perguntar o porquê deu estar tão quieta nas ultimas duas aulas.
– Alice? Alice! Você está bem? –
– Estou! – Respondi meio que automaticamente.
– Você parecia perturbada nas ultimas aulas, tem certeza que esta bem? – Ela insistia
– Não, não! Estou bem mesmo – Respondia desta vez tentando passar mais convicção
– E que te achei estranha –
– Mas foi só impressão sua! Sabe quem eu encontrei na quarta aula, bem aqui na secretaria? – Resolvi contar, não tinha muitos motivos para esconder que havia visto-o hoje – Um dos filhos da família que se mudou para a antiga casa dos Guedes; Eduardo Montês! – A cara de espanto de Jéssica me fez imaginar que ela estava duvidando de mim.
– Então…? – Perguntou com cara de curiosa. Dei de ombros e gesticulei com as mãos um o que? – Ele era bonito ou não Alice? – Esclareceu
– Ah! É isso – Respirei fundo antes de responder – Ele é perfeito demais e vai estudar aqui! – Nesse momento o meu gênio me estrangulava. Nunca que eu faria esse tipo de comentário.
– Então era por isso que você estava toda quieta, pensativa – Adivinhou – Você chegou a conversar com ele? – Ela parecia realmente empolgada.
– Não sei se posso chamar de conversa, mas trocamos umas palavras – Dei um sorriso torto e meio sem graça, depois peguei minhas coisas e caminhei para meu jipe.
- Alice, me da uma carona para casa, é que meu irmão não pode me levar hoje – Jéssica parecia constrangida com a pergunta.
– Claro, vamos lá! –
O estacionamento dos alunos não era muito longe da saída da escola, logo, já estávamos no jipe – Você quer ouvir alguma coisa? – Perguntei com a mão pronta para ligar o rádio
– Ah! Quero sim, posso escolher a rádio? –
– Claro – Acenei a cabeça positivamente. Enquanto ela cantava o rosto de Eduardo voltava a perseguir a minha mente, mas por pouco tempo. Jéssica retirou a sua imagem da minha cabeça
– Então quer dizer que o nome dele é Eduardo Montês? –
– Jéssica, você realmente quer falar disso? – Perguntei fazendo uma cara de desentendida com um sorriso de deboche nos lábios
– Quero, aliás, você podia dar uma parada lá na casa deles para darmos as boas-vindas!
– Nós nem somos vizinhos! –
– Mas seremos colegas de escola, talvez até de classe! – O argumento dela não me convenceu, mas fui mesmo assim.
Com a cara e a coragem eu apertei a campanhinha. Quem veio nós atender era uma mulher loira, de estatura mediana – um pouco maior que eu – olhos claros e pele muito, muito branca.
– Olá, em que posso ajudá-las? – Sua voz era delicada e suave, ao mesmo tempo em que era firme e decidida.
– Nós somos da escola e queremos desejar as boas-vindas a sua família – Jéssica disse numa naturalidade que me assustou – Desculpe não trazermos nada, acabamos de voltar da escola e decidimos fazer essa visita de ultima hora – A moça levantou a sobrancelha, deu um singelo sorriso que foi ficando maior até se tornar em um verdadeiro sorriso de gratidão.
– Obrigada pela gentileza, desculpe não convida-las para entrar, mas a casa ainda esta uma bagunça – Ela estava um pouco constrangida. Eu também.
– Claro, não tem importância. Nós entendemos! – Respondi um pouco sem jeito.
– Nossa, que indelicadeza a minha, nem me apresentei; Sou Amélia Montês e esses são meus filhos: Vanessa e Carlos Montês – Ela se afastou da porta e pudermos ver entre diversas caixas os dois se aproximando – O meu marido, Otavio, ele está lá nos fundos mexendo em… Sei lá o que – Apesar de toda a educação da mãe, os dois filhos pareciam não estar muito a vontade. Talvez estivessem que nem eu, meio perdidos.
– Eu sou Jéssica Madeira e essa é minha amiga, Alice Daré – Eu dei um sorriso meio tímido e acenei com a mão. De repente, aparece ele por detrás de outras caixas, se aproximou, deu um beijo no rosto da mãe e ficou olhando para nós.
– Essas são Jéssica e Alice, estavam nos dando boas-vindas – Foi automático. Meus olhos ficaram paralisados, parecia que ele estava mais lindo do que da última vez em que o vi. Estava incrivelmente perfeito.
– Esse é… – Antes que pudesse responder Jéssica já foi respondendo
– Eduardo Montês – A cara de surpresa de todos foi instantânea
– Já se conheciam? –
– Eu não! A Alice quem conheceu e me contou – Me rosto foi ao chão neste momento.
– Nos encontramos na secretaria, enquanto levava o histórico para fazer a matricula – Respondeu ele.
– Então sejam bem-vindos todos, espero que gostem daqui! – Jéssica sempre empolgada
– Obrigada vocês pela gentileza! – A mãe acenou para nós enquanto saiamos, fechou a porta e foi para a janela, acenamos novamente depois que entramos no jipe e partimos direto para casa de Jéssica.
– Por que você fez aquilo? – Perguntei num tom raivoso.
– Aquilo o quê? – Jéssica realmente não sabia
– Aquilo de ficar falando que eu te contei sobre o nosso… Encontro? – Não sabia se podia chamar aquilo de encontro, mas não achei outra palavra melhor para descrever.
– Por que, não podia? – Cara de deboche
– Não daquele jeito –
– Que jeito? – Ela já estava começando a querer me irritar.
– Aquele jeito – Já estava ficando confusa.
– Tipo fofoca? – Deduziu
– Exatamente! Tipo fofoca – Terminei a discussão.
Após chegar a casa, meu pai já estava sentado no sofá assistindo televisão e me olhando como se fosse me esganar apenas com o olhar.
– Por que demorou tanto assim? Onde estava? Por que não estava aqui para fazer o meu almoço? – Sua metralhadora de perguntas estava ligada, quase me perdi.
– A Jéssica me pediu carona até a casa dela, o irmão dela não pode hoje! Não precisa ficar irritado, já estou indo para cozinha preparar seu almoço – Hoje teria comida requentada, ou seja, ia ouvi uns resmungos, mas estaria livre o resto do dia!
Depois de terminar de almoçar, subi para meu quarto e fui me deitar um pouco. Não tinha o hábito de dormir a tarde, mas como não tinha nada melhor para fazer no momento, resolvi que iria dormir um pouco.