Minha mente estava um verdadeiro caos nos últimos dias. Esses sonhos ajudaram muito neste colapso. Perde todas as informações era um modo de minha mente dizer que estava cansada. No sonho tudo o que me vinha na cabeça era: “Como essa música é calma e bonita.” Continuei descansando a mente flutuando no nada por um bom tempo. Ou me pareceu um bom tempo enquanto sonhava. Mas um sacolejo me fez voltar para realidade e me desligar daquela belíssima canção que era a única informação que continuava em minha mente.
– O que vocês andaram aprontando? – era a voz do Tales – Seus safadinhos. Não vai me dizer que vocês dois...
– Não! – levantei assustada.
– Não o que? – Tales tinha um sorriso malicioso no rosto.
– Não o que... O que? – estava meio confusa.
– Não liga não Beatriz. – Thalassa estava do meu lado – Ele viu muitas mulheres ontem à noite. Hoje ele acordou meio afetado.
– Cadê o Nicardo? – me assustei.
– Estou aqui! – ele respondeu sentado na cadeira da mesa de controle – Você estava tão aflita e nervosa enquanto dormia, que quando você se acalmou achei melhor não te acordar.
– Vocês chegaram há muito tempo? – perguntei.
– Não. – Thalassa respondeu – Chegamos agora e já temos que sair. O quanto antes melhor.
– O que aconteceu? – levantei na mesma hora – Acharam o Cosmo e a Levinda?
– Achar, achar nós não achamos. – Tales enrolava – Mas sabemos onde estão.
– E onde eles estão? – perguntei aflita. A canção já havia se dissipado da minha mente.
– Levinda foi levada para o castelo novamente! – Thalassa parecia preocupada – Já o Cosmo foi preso por crime de sequestro.
– Preso? – estranhei – Mas não o vi em nenhuma das celas.
– E que ele não foi levado para as masmorras. – sem dúvida Thalassa estava preocupada – Ele foi levado para uma cela especial. Com um pouco mais de conforto.
– Mais conforto? – não entendi.
– Bianor não gosta que a última noite de seus condenados seja desconfortável. – Thalassa parecia ri da ironia – A última noite tem que ser bem confortável.
– Última noite? Espere! Última noite?! – fiquei apavorada – Que dizer que vão matar o Cosmo?
– Se não fizermos nada até as 10:00... – Tales ficou serio.
– São que horas? – perguntei desesperada.
– 08:40. – Thalassa respondeu – Temos 1 hora e 20 minutos para chegar à praça do reino. É lá que ele será executado.
– E o que estamos esperando? – gritei – Vamos, vamos!
– Mas como vocês descobriram isso? – Nicardo perguntou.
– Pouco depois de nós falarmos ontem, chegou um homem ao local e disse que havia resgatado uma das esposas de Bianor. – Thalassa respondeu – Como todas as noivas estavam tentando fugir presumimos que a noiva era a Levinda e o sequestrador o Cosmo.
– Provavelmente inventaram isso para Bianor não sair com má fama. – Nicardo estava indignado.
– Então vocês não tem certeza absoluta? – perguntei.
– Absoluta não. – Thalassa chegou perto da porta – Mas as chances de ser o Cosmo o sequestrador são muito grandes. Muito grandes mesmo.
– Então vamos logo ao resgate! – gritei.
Seguimos do submarino direto para a praça. Thalassa havia feito uma roupa ilusória para podermos chegar sem sermos notados. A praça estaria cheia, mas não o suficiente para nos arriscarmos a mostrar o rosto antes do tempo.
Quando chegamos à praça, o local estava cheio de curiosos, mas ainda não havia executado ninguém. Estavam preparando as coisas ainda e não havia ninguém com cara de carrasco no local da execução.
Misturamos-nos com o povo e tentamos ficar o mais escondido que foi possível. Muitas das pessoas que estavam ali pareciam não saber da execução e muitas iam embora quando descobriam o motivo da aglomeração. Isso seria maravilhoso, se não nos prejudicasse.
– Não vamos fazer nada agora! – Thalassa sussurrou – Vamos esperar até o último minuto.
– Mas isso não é arriscado? – perguntei.
– Mas é a única forma. – Nicardo havia entendido o plano – Se fizermos algo antes de termos o Cosmo em nossas mãos, podem pedir reforços.
– Agora eles saberão oficialmente que voltamos! – disse preocupada.
– Eu sei disso. – Thalassa respondeu aflita.
– E saberão que temos um submarino! – Tales complementou meu pensamento.
Thalassa fechou os olhos e fez uma cara de “Vou me arrepender muito, mas é a única saída” e respondeu:
– Eu sei disso também!
– Horas? – perguntei.
– Parece já ser quase 10 horas. – Tales respondeu olhando o sol – Devem ser umas 10 para as 10.
– Não sei se a roupa vai aguentar muito mais tempo. – Thalassa disse preocupada.
– Essas roupas vão sumir? – me assustei.
– A qualquer momento. – Thalassa respondeu.
– Então nós temos outro problema! – disse um pouco alto, mas ninguém ouviu. Acho.
– Olhem! – Tales disse apontando com a cabeça para o centro da praça.
Dois homens entravam no meio da multidão e seguiam para o centro da praça. Junto com eles, um jovem sem camisa e com as mãos amarradas às costas. Era Cosmo. Em seguida entrou outro homem, desta vez muito musculoso. Ele fazia lembrar um fisiculturista e também estava sem camisa. Na cabeça, um grande saco preto onde só era possível ver os olhos e o nariz. Ele levava um machado apoiado no ombro direito.
– Não disseram que seria enforcamento? – alguém disse no meio da multidão.
– Acho que mudaram de planos. – outro respondeu.
– Tudo bem! – Thalassa cochichou – Ao meu sinal!
– Certo! – dissemos todos juntos.
Um homem magrelo entrou na frente de Cosmo e do fisiculturista com machado e começou a tagarelar sobre “alta traição”, “sequestro”, “punição severa” e mais varias outras baboseiras que nos fizeram ganhar tempo. Ou perder tempo.
–... Por isso, esse homem que vos mostro hoje, foi condenado a mais severa e justa das punições criadas pelo digníssimo e futuro rei de Ofir Bianor Flabela do Corpeu de Ofir. – o magrelo saiu da frente.
– Quando eu disse três! – Thalassa cochichou. – Um, dois, três!
Antes que o musculoso fisiculturista pudesse por as mãos em Cosmo, Thalassa, Tales e Nicardo pularam para o centro da praça.
– Acho que ninguém será executado aqui hoje! – Tales disse roubando uma das espadas que haviam sido cravadas onde Cosmo seria executado.
– Sabe que eu também tenho essa impressão! – rapidamente Nicardo roubou a outra.
– O que estão esperando? – o magrelo gritou – Peguem-nos!
Dois guardas partiram para cima de Nicardo e Tales. Thalassa soltava as mãos de Cosmo enquanto o grandão de machado partia para cima dos dois. Fiquei desesperada, mas Thalassa foi rápida e jogou uma bola de energia no peito do grandalhão.
Tales e Nicardo estavam indo bem com os guardas. Tales chegava como um trovão para cima do guarda e investia varias espadadas no adversário, que defendia todas com muita habilidade. Nicardo estava tendo menos sorte e a todo o momento recebia investidas do outro guardas, mas sempre desviava.
Thalassa continuava investindo em golpes de energia e Cosmo dava suporte criando um tipo de escudo protetor. O fisiculturista do machado era bem forte e grande, mas muito lento e pesado. Thalassa conseguia sempre desviar de seus golpes e acertar-lo com bolas de energia.
– O que vocês estão fazendo? – o magrelo estava furioso – Incompetentes!
– Beatriz! – Tales gritou – Um reforço, por favor!
Fiquei paralisada com o pedido. Eu ainda estava no meio da multidão. O que eu poderia fazer para ajudar-los? Se eu ao menos me lembrasse de algo. Qualquer coisa que pudesse ajudar-los. Não sei.
Thalassa começava a ficar cansada e o escudo de Cosmo estava enfraquecendo. Tales e Nicardo continuavam firmes na luta, mas não sabia até quando eles iriam conseguir se manter fortes. Nicardo principalmente, ele parecia estar muito cansado.
– Caramba! – Tales gritou quando o machado do fisiculturista voou para perto dele – Mas cuidado desse lado da luta! Espere, isso pode ser útil!
Tales pegou o machado e começou a investir no guarda. O guarda conseguia se desviar. Tales jogou a espada, que veio rodando para perto de mim. Só então percebi que havia entrado no centro da praça.
Impulsivamente pegue a espada e fiquei a segurando por um tempo. Não sabia ainda o que iria fazer, mas sabia que deveria fazer alguma coisa. E precisava fazer alguma coisa bem depressa.
Thalassa estava se recuperado, enquanto o musculoso que agora estava sem o machado só provava que tinha tamanho. Ele estava mais cansado que todos os outros que estavam brigando.
– Vá e faça alguma coisa! – uma voz masculina ordenava em minha cabeça – Você consegue!
Em um impulso de coragem, ergui a espada e fui para cima do grandalhão. Não sei como, mas de repente eu sabia o que fazer. Era como se já tivesse feito isso varias vezes.
Pulei em suas costas e o golpeei na cabeça. O monstro grandalhão já estava tonto, depois do golpe ele cambaleou e caiu por alguns segundos. Das costas dele, pulei para cima do guarda que estava com Nicardo. Ele quase havia golpeado Nicardo na perna, mas acabou se distraindo comigo, que o golpeei no queixo com o punho. Tales havia conseguido perder o machado para o adversário, instintivamente fui ajudar-lo e golpeei com a espada e em seguida fiz um corte na barriga do soldado que caiu gemendo de dor. O magrelo, que assistiu a tudo, saiu correndo quando me viu o fitando.
– São eles! – o magrelo estava surpreso.
– Acho que conseguimos! – Tales disse limpando o suor da testa.
– Vamos tentar sair daqui o mais rápido possível! – eu disse.
– Acho que não vai dar tempo. – Cosmo falou olhando ao redor.
Novamente estávamos cercados. Desta vez eram três Leons que tinham chegado para se juntar à festinha.
– Vamos fugir? – perguntei.
– Vamos tentar! – Nicardo falou.
Corremos para fora do centro da praça empurrando a multidão que parecia estar pensando que aquilo era uma peça de teatro. Os Leons foram mais grosseiros e passaram por cima de quem estava na frente deles.
– Isso é péssimo! – Thalassa gritou. – Eles não vão parar!
– Não diga! – Tales disse debochado.
– Acho melhor lutarmos. – Nicardo sugeriu – Eles não irão parar de nós seguir.
– Beatriz, você sabe o que fazer?! – a voz novamente em minha cabeça.
Novamente senti que sabia. Entrei na frente de Cosmo, Thalassa, Thales e Nicardo e juntei as mãos. Novamente era como se eu sempre soubesse como se fazia. Pensei em água. Muita água. Depois em pensei em fogo e uma energia estranha começou a sair do meu peito e algo começou a brilhar. Era o pingente de chave. Desde quando eu estava com ele?
Tales, Thalassa, Cosmo e Nicardo pareceram entender o que eu estava prestes a fazer e deram alguns passos para trás. No mesmo instante uma luz começou a surgir de minhas mãos. Era uma energia muito forte. Eu não estava conseguindo segurar. Era como se estivesse com 1 tonelada em minhas mãos. Quando não consegui mais aguentar, joguei a bola de luz no chão e tive uma grande surpresa.
A bola de luz rolou até perto dos Leons. Aparentemente nada aconteceu. Os Leons olharam para a bola, esperando que algo acontecesse. Quando viram que nada estava acontecendo, voltaram às atenções para nós. Foi quando a bola começou a flutuar. Ela ficou bem encima dos Leons e começou a rachar. De dentro da bola, uma grande onde de água e fogo começou a cair.
– Acho melhor sairmos logo! – Tales já estava correndo.
A onda de água e fogo começou a inunda tudo. Nicardo me segurou e pulamos para sacadas de varandas das casas, tentando fugir das ondas que tomaram as ruas. Estava surpresa com o que tinha feito e comecei a me perguntar o que era aquilo.
– O que iremos fazer agora? – Cosmo se perguntou.
– Estamos cercados por água e fogo! – Tales olhava para mim.
– Esperem! – gritei enquanto o fogo começava a queimar as casas.
Concentrei-me e tentei pensar na bola de luz. Imaginei-a se enchendo com toda aquela água e fogo. Eu sabia que podia, só não sabia como havia aprendido aquilo. Mas estava funcionando. Toda a água e fogo que havia se alastrado pelas ruas começaram a formar uma grande parede, que ia crescendo e crescendo até alcançar a bola de luz, que estava no topo de tudo. Como em um passe de mágica, toda a água e fogo voltaram rapidamente para dentro da bola, que voltou para as minhas mãos e desapareceu.
– Uau! – Tales soletrou as letras – Isso foi muito legal!
No mesmo instante em que a bola sumiu, um imenso cansaço bateu em meu corpo e não me pude aguentar de pé. Desmaiei ali mesmo, na sacada de uma varanda qualquer.
Eu estava novamente no lugar completamente branco do meu sonho. Novamente a única coisa que passava em minha cabeça era o quão bonita aquela canção era. Mas desta vez era uma canção diferente. A principio não havia notado, mas no decorrer da música comecei a sentir a melodia diferente.
– O que eu fiz hoje? – me perguntei.
O que foi aquilo? Será que eu sempre fiz algo do tipo? Eu realmente já havia aprendido aquilo? Ou será que foi um momento de sorte?
Minha cabeça estava começou a doer e resolvi parar de pensar nisso. A canção do meu sonho voltou a ser tocada. Lentamente meu corpo foi descendo e parou em algo solido que parecia ser o chão. Caminhei em direção a música e acabei encontrando uma manca preta, não muito longe. Aproximei um pouco mais e a mancha começou a tomar forma de um piano. Um jovem de cabelos castanhos que estava tocando. Sempre que ouvia aquela música a sensação que tinha era de que nada mais importava. Eu só queria estar ali, com aquela canção.
Tentei chegar perto do pianista, mas parecia que quanto mais tentava me aproximar mais longe eu ficava dele. Eu tentei varias vezes, até que ele finalmente se virou e pude ver o rosto dele. Era o rosto mais belo que já havia visto. Ele se aproximou de mim, mas a música começou a cantar.
– Estou esperando que me salve! – o rapaz falava – Apenas você pode trazer de volta a pessoa que eu era.
– Mas como? – perguntei.
– Você precisa se lembrar! – ele sorria.
– Lembrar, lembrar, lembrar! – fiquei nervosa. – Tudo o que eu mais tento fazer é me lembrar!
– Não precisa se preocupar. – ele parecia calmo – Quando chegar a hora, você se lembrará!
– Mas onde eu irei encontrar você? – perguntei.
– Você já sabe. – ele segurou minhas mãos e me coração disparou mais forte.
– Quem é você? – perguntei.
– Você vai ter que me dizer! – ele me abraçou. – A única coisa que sei e que te amo demais para te esquecer!
Neste momento seus braços me seguraram mais fortes. Minhas pernas tremeram e meu coração estava perto de parar quando aconteceu. Eu não sei o que ocorreu em mim, mas senti que minha vida precisava daquele beijo. Naquele instante era como se o mundo fosse um completo nada e só restasse nós dois.
– Eu não sei quem você é. – estava chorando – Não entendo o que está se passando comigo. Eu... Até agora achava que tinha certeza do meu amor por Nicardo, mas de alguma forma era você que eu estava procurando sempre que o via.
– Beatriz? – ele sussurrava em meu ouvido – Não demore muito em me salvar, tudo bem?
– Tudo bem! – respondi abraçada nele.
Aos poucos a sensação foi desaparecendo e me vi dançando com o nada. Ainda não sabia como explicar o que havia acontecido ali, mas precisava – mais que nunca – recobrar tudo o que havia vivido da primeira vez que estive em Ofir.
– Beatriz? – uma voz me acordava. Era Nicardo.
– Eu vou! – respondi ainda no sonho – Eu vou e salvar. Só me diga onde te encontrar.
– Salvar quem? – Tales perguntou – Acha que ela está delirando?
– Acho que não. – era a voz de Thalassa – Acredito que quando acordar Beatriz terá muitas coisas para contar.
– Eu te salvo! – continuava repetindo.
– O que será que está acontecendo? – era a voz de Cosmo. Estava um pouco longe.
– Beatriz? – Nicardo novamente tentava me acordar – Beatriz? Acorde!
– Não, eu preciso salvar! – não conseguia sair do meu sonho.
– Será que ela ficou... Sei lá, traumatizada com o dia de hoje? – a voz de Tales se tornou um pouco mais distante.
– Acredito que não. – Nicardo também se afastou – Desde ontem que ela vem me falando de um sonho muito importante. Acho que ela pode estar falando do Alexis.
– Alexis? – Cosmo perguntou.
– O que você acha que foi? – Thalassa se aproximou de mim.
– Não sei. Talvez ele esteja preso em algum lugar. – Nicardo começou a explicar – Ele deve ter sentido a nossa presença e tentou se comunicar com a Beatriz através dos sonhos.
– Será que ele está no sonho dela agora? – Thalassa perguntou.
– Beatriz? – Nicardo novamente me chamava – Onde você está?
– No nada. – respondi.
– Você está acompanhada? – Nicardo perguntou.
– Não. – respondi – Ele já foi embora.
– Ele quem? – a voz de Nicardo ficou tremula.
– Não sei. – respondi – O garoto que me ama.
– Droga! – Nicardo pareceu chutar algo – E como é esse garoto?
– Cabelos castanhos e grandes, com olhos verdes. – respondi – Ele é lindo e me beijou.
– Beatriz acorde agora! – Nicardo gritou.
– O que? – acordei assustada – Onde estamos?
– Voltamos para o submarino. – Thalassa sorria – Você nos salvou, mas usou uma energia mágica muito além da que você consegue produzir. Isso acabou esgotando completamente as suas energias e você desmaiou.
– Você teve sorte! – Nicardo não estava com uma cara muito boa – Poderia ter morrido.
– Eu... – tentei me levantar, mas ainda estava cansada – Não sei como fiz aquilo. Uma voz surgiu na minha cabeça e de repente eu sabia o que fazer.
– Mas vamos evitar isso enquanto você não recuperar completamente a sua memória. – Nicardo advertiu.
– Desculpe. – disse pondo a mão na cabeça.
– Agora me conte uma coisa. – Nicardo estava serio – O que você estava fazendo em seu sonho?