– Veja! – ele se aproximou.
Peguei o pedaço de papel e desenrolei. Era uma pintura minha. Uma pintura perfeita. Se não fosse pelo cabelo preso em coque e o vestido de rainha, poderia dizer que alguém muito talentoso estava me observando e resolveu me pintar.
– Mas é incrível! – admirei – É realmente incrível!
– E tem mais. – Max estava todo animado – Veja o que está escrito em baixo.
Olhei a frase que estava escrita no final da pintura. Uma frase estranha e perturbadora demais para ser verdade.
– “Vida longa a Rainha Beatriz I, a imbatível.” – estava chocada – Onde vocês conseguiram isso?
– Roubamos há uns 100 anos atrás. – Ali respondeu – Na época em que o avó do Rei Céleo governava.
– E vocês têm quantos anos mesmo? – perguntei assustada.
– Eu tenho 190 – Ali respondeu – e o Max tem 178.
– Tudo bem, isso não é exatamente o tempo de vida de um lobo. Pelo menos não da forma como aprendi. – tentei digerir aquilo, mas estava tentando entender mesmo o motivo da minha surpresa. Já era para ter me acostumado – O que mais vocês sabem sobre essa pintura?
– Bem, sabemos que ela foi uma visão de alguém muito importante na época. – Ali começou a puxar pela memória – Não lembro o nome do pintor, mas lembro que essa pintura já era antiga quando a roubamos.
– Quantos anos? – estava assustada.
– Uns 200 anos... 210 no máximo. – Ali respondeu.
– E vocês sabem o motivo desse pintor ter feito esse retrato? – estava aflita.
– Como disse, foi uma visão. – Ali começou a andar pela sala – Não me recordo muito bem, mas parece que ele acordou uma noite e começou a pintar um retrato de uma rainha, mas não conseguia ver o rosto. Somente depois que a pintura estava prestes a ser finalizada que ele conseguiu ver o rosto da rainha e junto com o rosto veio essa mensagem.
– E o que mais aconteceu? – perguntei.
– Não sei. – Ali me decepcionou – Eu não me lembro de muita coisa. Só sei que essa pintura era muito valiosa na época.
– Tem certeza que você não se lembra de mais nada? – insisti.
– Acredite, seu eu soubesse de mais alguma coisa eu lembraria. – Ali sorriu.
– Você tem certeza mesmo? – continuei insistindo.
– Que coisa mais chata – Ali falou alto – já disse que não me lembro de mais nada.
– Mas você precisava lembrar! – fiz cara de choro.
– Não, eu não precisava! – Ali fechou a cara – E quer saber, se eu soubesse não te contaria.
– Sabia! – gritei.
– O que? – Ali se assustou.
– Você sabe de mais alguma coisa e não quer me contar! – continuei falando alto.
– Mas será que eu encontrei alguém mais irritante que o Max! – Ali virou os olhos.
– Ali! – Max gritou – Eu não sou irritante.
– Você é sim Max. – Ali falou de forma debochadamente carinhosa – Você é uma anta!
– Mas você vai me contar o que sabe? – eu já não estava mais me reconhecendo. Havia ficado obcecada por aquela pintura.
– Ótimo. – Ali respirou fundo – Que parte do “isso é tudo que me lembro” você não entendeu? Eu explico de novo.
– Você disse que se soubesse de algo não me contava! – comecei a falar feito uma tonta – Sempre que ágüem diz “se soubesse de tal coisa não te contaria” é por que sabe!
– E como você chegou a essa conclusão? – Ali achou graça.
– Bem, sempre falamos isso para reforçar a idéia de que não sabemos mais nada – expliquei minha teoria – E como todo bom mentiroso, usar um artifício deste para parecer que realmente não sabe de nada pode ser uma boa jogada.
– Olha aqui... – Ali se interrompeu deixando o dedo indicador esticado no ar – Faz sentido.
– Não disse! – sorri vitoriosa.
– Mas eu realmente não sei de mais nada! – Ali parecia estar se controlando – Agora me devolva essa pintura!
– Mas nem por cima do meu cadáver! – sai do meu tom de voz.
– O que? – Ali gritou.
– Ela não vai devolver a pintura! – Max entrou na conversa.
– Eu entendi! – Ali resmungou.
– Então está perguntado por quê? – Max bufou.
– Cale a boca Max! – Ali gritou – E como assim não vai devolver a pintura?
– Isso aqui agora é meu! – falei alto – Tenho que investigar-la melhor.
– Eu não escondi isso durante 100 anos para perder assim tão fácil! – Ali tentou tomar a pintura da minha mão, mas eu o empurrei.
– Agora que já resolvemos o problema...
– Resolvemos nada! – Ali me interrompeu – Devolve essa pintura!
– Já disse que não! – falei alto – E como estava dizendo...
– É Ali, ela estava falando e você interrompeu. – Max brigou com o irmão.
– Obrigada Max, mas eu gostaria que ninguém me interrompesse. – sorri para ele – Eu quero que vocês me mostrem como sair daqui.
– Claro é por...
– Calado! – Ali interrompeu o irmão tapando sua boca – Agora nós podemos entrar em um acordo. A pintura pela saída.
– Tudo bem! – bufei – Eu acho a saída sozinha.
– Tem certeza que quer se aventurar por esses corredores subterrâneos? – Ali perguntou sarcástico.
– Eu já corri por um labirinto em chamas. – lembrei – Acho a saída de olhos fechados!
– Então vá em frente! – Ali debochou – Está esperando o que?
– Realmente! – fiquei brava – Não sei o que eu ainda estou fazendo aqui. Seu desaforado.
A sala em que estávamos tinha três grandes corredores do lado direito e um corredor do lado esquerdo. Resolvi seguir pelo mais obvio para mim, o da esquerda.
– Aquele desaforado! – resmunguei – Espero que ele e o Alexis nunca se conheçam. Ele seria uma péssima influência para ele. Já imaginou o Alexis duas vezes pior? E por qual raio de motivo eu estou falando sozinha?
– Talvez você seja doida mesmo! – Ali apareceu na minha frente.
– Ai! – gritei – Como você apareceu aqui?
– Por aquele corredor! – ele apontou para um corredor mais a frente.
– Mas o que? – gritei.
– Esse corredor da no segundo corredor, ou corredor do meio se preferir, da outra sala. – Ali sorriu.
– Ótimo! – bufei.
– Quer tentar o acordo agora?
– Não! – gritei.
– Você sabia que eu poderia tomar a pintura de você? – Ali continuou sorrindo.
– E levar outra surra igual a que eu te dei agora a pouco? – perguntei.
– Esquece. – ele ficou constrangido. Ponto pra Beatriz! – De qualquer forma eu continuo duvidando que você consiga achar a saída.
– É o que veremos! – mandei um olhar furioso para Ali.
De repente um barulho tomou conta do lugar. Era como se um gigante estivesse caminhando no andar acima do nosso. Lembrei da época em que a Camila morou em apartamento, porém o barulho dos passos era muito maior e muito mais assustador.
– O que é isso? – perguntei – As pessoas costumam dar passos tão fortes assim?
– Na verdade não, mas acho que sei o que pode ser. – Ali olhou temeroso para o teto.
– Então diga logo criatura! – estava preocupada.
– Ultimamente esses barulhos se tornaram frequentes. – Ali continuava com o tom temeroso – Provavelmente algum monstro deve estar agindo.
– Ah, um monstro. – demorei em perceber a gravidade – Você disse um monstro?!
– Sim! – Ali agora respondeu como se fosse a coisa mais natural do mundo.
– Agora eu realmente preciso sair daqui! – fiquei desesperada – Rápido, onde é a saída?
– Não irei te dizer! – Ali sorriu maliciosamente.
– Ótimo! – resmunguei – Vou continuar procurando por mim mesma.
Entrei em outro corredor e segui o mais depressa que pude. Andei corredor por corredor, mas parecia que todos acabavam dando no mesmo lugar – ou dando em lugar nenhum. No final eu estava novamente na sala, com Ali e Max a minha espera.
– Por favor, a saída, ou eu terei que usar a força! – disse séria.
– Use da força então. – Ali respondeu debochado.
– Eu estou falando sério! – o peguei pelo pescoço – Onde é a saída?
– Nossa que garota violenta! – Ali debochou da minha cara mesmo com a voz abafada e quase sem respirar.
– Eu não estou brincando! – fiquei furiosa.
– E o que vai fazer? – Ali continuou debochando – Vai me matar? Vá em frente e me mate!
As palavras dele me tocaram. Ele sabia que eu não seria capaz de matar um outro ser. Matar monstros e diferente de matar seres mau caráter. Para esses eu preferia entregar ao rei e deixar que ele cuide do restante.
Soltei o pescoço de Ali, que caiu no chão. Com muito sacrifício tirei a pintura da minha cintura e entreguei a Ali.
– Agora me mostre a saída! – tentei não gritar.
– Muito bem! – ele sorriu pegando a pintura – Poderia ter sido muito mais fácil se você tivesse feito isso antes.
– Já entendi! – falei alto – Agora me mostre a saída.
– Claro. – ele sorriu.
Ali segui até ao centro da sala e me apontou para uma parede. A princípio não entendi o que ele queria e cheguei a achar que ele estava brincando com minha cara, mas depois reparei em pequeninos feixes de luz saindo de uma linha arredondada.
– Aquela que é a saída? – quis ter certeza.
– Exatamente! – Ali sorriu.
– Fala sério! – disse alto – Eu estive com ela o tempo todo debaixo do meu nariz e não percebi?
– O que eu posso fazer? – Ali continuava com seu sorriso debochado e irritante na boca – Inteligência é uma dádiva dada para poucos.
– Engraçadinho! – fiz careta para ele – Mas saiba que eu volto para buscar minha pintura!
– Vai sonhando! – Ali abriu a passagem – Siga essas lanternas e você chegará até uma escada. Há uma “tampa” que serve de porta para o mundo superior.
– Mundo superior? – achei graça.
– Esquece. – Ali bufou.
– Até mais Beatriz! – Max se despediu sorridente. Provavelmente nem se lembrava mais que eu havia sido prisioneira dele.
– Até Max! – respondi sorridente.
Ali fechou a porta e o túnel ficou um pouco mais escuro. O túnel era igual aos corredores que passei, porém com lanternas maiores. As lanternas ficavam penduradas não muito alto, na altura do meu ombro, e seguiam em fileira.
O chão e a parede – obviamente – era feitas de pedras e barro. Era um túnel subterrâneo muito bem construído, o que me fez pensar que deveria ter sido feito pelos avós ou bisavós deles – eles sozinhos não teriam essa capacidade.
O caminho estava sendo longo, mas desta vez não achei que pudesse estar sendo tapeada por Ali. Diferente dos túneis da casa dele, esse parecia estar levando a algum lugar. E realmente levou.
Depois de muito tempo eu finalmente cheguei a escada que ele estava falando. Era uma escada larga, feita de madeira e muito alta.
– Para que escadas se você pode voar? – disse em voz alta.
Voei até o topo do túnel e encontrei a tal porta que Ali havia dito. Era um pedaço redondo de madeira, muito pesado. Tive que usar quase toda a força que tinha para empurrar a porta e novamente fiquei pensando em como aqueles dois conseguiam fazer isso sozinhos.
A passagem dava exatamente no mesmo lugar onde eu estava quando fui sequestrada: o meio do caminho para casa de Neandro. Estava prestes a seguir de volta a cidade quando encontrei com Neandro, Nicardo, Amadeus e Thalassa.
– Beatriz! – Nicardo falou nervoso – Onde você estava?
– O que aconteceu? – perguntei apavorada.
– Um escorpião gigante atacou a cidade. – Neandro explicou – Por sorte nós chegamos antes dele causar grandes danos e conseguimos destruir-los.
– Sem sua ajuda! – Nicardo estava estranhamente agressivo.
– Desculpe, mas eu não tive culpa. – me defendi – Eu estava esse tempo todo no subsolo.
– E o que você fazia no subsolo? – Thalassa perguntou confusa.
– Eu fui sequestrada por dois seres errantes. – comecei a contar o que aconteceu – Eram dois lobos. Eles me levaram e acharam que poderiam... Ah, esquece. Eu fui levada por esses dois até o subsolo e acabei ficando presa. Eu consegui que eles me libertassem agora.
– Lobos? – Neandro achou graça – Os seres errantes que tomaram forma de lobos não costumam ser muito inteligentes.
– Eu pude perceber. – disse constrangida.
– E como você deixou-se capturar dessa forma? – Nicardo perguntou quase gritando.
– Calma Nicardo. – fiquei um pouco amedrontada – Você está tão estranho.
– É mesmo Nicardo. – Neandro concordou – O que está havendo?
– Desculpe. – Nicardo ficou constrangido – Acho que é essa guerra que está me tirando do meu normal.
– Tudo bem. – disse mais calma – Só não precisava ser tão agressivo comigo. Está perdoado.
– Mas essa eu também queria saber. – Neandro sorriu.
– O que? – fingi que não sabia.
– Como você foi capturada por dois seres considerados “burros”? – Neandro riu.
– Vocês estão se divertindo não é? – fiz careta para eles – Eu sei, admito, foi realmente um descuido. Eles são muito burros.
– Mas você vai contar? – Neandro insistiu.
– Que curioso! – fiz cara feia e depois soltei um sorriso forçado – Eu não me lembro. Juro.
– Claro. – Neandro debochou – Não precisa ficar tão vermelha. Seu nariz não vai crescer. Eu acho.
– Mas eu estou falando sério! – falei alto.
– Tudo bem Beatriz. – Thalassa veio para o meu lado – Eu acredito em você.
– Obrigada. – sorri – Mas teve uma coisa muito estranha que encontrei com os dois.
– O que? – Neandro perguntou.
– Prefiro falar com todos juntos. – fiquei séria.
– Tudo bem, mas primeiro temos que achar o Alexis! – Neandro também ficou sério – Ele foi levado com você?
– Minha nossa! – lembrei – O Alexis!