Tales não quis participar da missão. Ele iria continuar cuidado dos homens que se feriram e não quis que nenhum de deles fosse à missão. Preferiu espalhar-los pelo porto e nos arredores do castelo.
Cosmo também ficou. Ele seria mais útil no castelo. Agora que a frota de submarinos estava pronta, ele e sua equipe estavam começando a desenvolver um armamento novo, para aqueles que não sabem usar magia. Quando a coisa pegasse fogo mesmo teríamos que ter todo o tipo de reforço possível. Isso era péssimo.
Todos nós ficamos a semana criando as estratégias de ataque. Tales e Cosmo, apesar de não participarem da ação, ajudaram a bolar o plano.
– Você não acha que seria um pouco arriscado? – Tales questionou uma sugestão de Alexis.
– Ganharíamos tempo. – Alexis se defendeu.
– Mas os riscos de serem pego aumentam consideravelmente. – Tales continuava contra.
– Então o que você sugere? – Alexis perguntou.
– Que tal a parte norte? – Linfa deu a idéia – Ela é uma parte pouco vigiada e não é tão distante do castelo. Poderíamos entrar sem sermos vistos.
– E nos espalharmos entre o povo para não chamar muita atenção. – Thalassa completou.
– É uma opção válida! – Cosmo sorriu satisfeito.
– Andaríamos um pouco, mas chegaríamos em segurança com certeza. – Neandro, claro, comprou a idéia de Linfa.
– Então está fechado. – Tales organizou as idéias – Sairemos daqui a três dias, com dois submarinos seguindo em frente e mais dois esperando ao redor. Entraremos pela parte norte.
– Alexis, Nicardo e Beatriz irão seguir para o caminho do castelo – Neandro começou a dividir grupos – Linfa, Thalassa, Amadeus e eu iremos dar cobertura.
– Por mim tudo bem. – Thalassa fez sinal positivo com o dedo.
– Os grupos não serão problema. – Alexis sorriu.
– Ótimo. – Neandro continuou – Quando eu der o sinal os demais soldados irão invadir aos poucos e se misturar com o povo.
– Quando o grupo de Alexis entrar no castelo, vocês podem dar o sinal para atacar. – Tales continuou a estratégia – Teremos que tomar muito cuidado nesta hora. Eles estarão em maior número e atacaram com toda a força.
– Alexis, Nicardo e Beatriz – Neandro voltou a falar – Vocês irão aproveitar esse momento para libertar todos os prisioneiros possíveis das masmorras do castelo.
– Você realmente irá deixar Linfa lutar? – perguntei.
– Pode confiar Beatriz. – Linfa sorriu – Eu mando bem.
Não estava muito certa de que Linfa poderia ser uma boa lutadora. Depois que inventaram essa idéia, Neandro só fala de Linfa como se ela fosse uma verdadeira amazona, coisa que não combinava em nada com Linfa e seus belos cabelos loiros. Apenas seus olhos azuis eram fortes. Seria ali que encontraríamos essa Linfa guerreira?
No final do dia já estava tudo completamente decidido. Nós entraríamos primeiro e depois os soldados do primeiro submarino seguiriam atrás. Iríamos nos misturar e esperar o momento certo para começar o ataque. Daríamos o sinal para o outro submarino e os outros soldados entrariam em ação. No meio da confusão, Alexis, Nicardo e eu entraríamos no castelo e libertaríamos os prisioneiros. Caso algo falhasse, deveríamos recuar o mais rápido possível. Não me pareceu um bom plano, mas o resto do grupo aprovou. Mais uma vez fui voto vencido.
– Você não gostou do plano? – Alexis perguntou enquanto me abraçava.
– Honestamente? – o fiz me abraçar mais forte – Estou achando tudo arriscado demais.
– Ninguém disse que não seria arriscado. – Alexis tentou dizer isso de uma forma delicada, mas acabou saindo um pouco grosseiro.
– Eu sei. – suspirei triste – Mas eu queria que tudo isso acabasse de uma forma que não colocasse ninguém em risco.
– Você sabe que isso não é possível. – Alexis deu um beijo na minha cabeça – Infelizmente isso é uma guerra e em guerras sempre haverá riscos.
– Talvez se eu não me sentisse responsável – aproximei minha cabeça para mais perto da de Alexis – acho que aceitaria melhor tudo isso.
– Beatriz! – Alexis desfez o abraço – Não fique carregando essa cruz tão grande. Cada um tem seu destino e você não é responsável pelo mundo.
– E eu consigo? – sorri – Tento dizer isso a mim mesma sempre. Mas acho que não sou muito boa em me convencer de seja lá o que for.
– Mas aconteça o que acontecer você não estará sozinha. – Alexis deitou em meu colo – Você tem ao Neandro, a Thalassa, o Tales. Por mais que eu não goste você tem o Nicardo e principalmente você tem a mim. E eu posso garantir que, se depender de mim, você nunca ficará sozinha.
– Você quando quer consegue ser muito bom com as palavras. – passei a mão em seu cabelo.
– Eu sempre sou bom com as palavras! – Alexis se gabou.
– Mas não pode elogiar mesmo! – o empurrei do meu colo, mas logo o puxei de volta e o beijei.
– Eu gosto tanto quando estamos assim. Bem. – Alexis sorriu.
– Eu também. – deitei ao lado dele.
– Pena que esse momento não pode durar para sempre. – meu lado pessimista aparecendo.
– O céu está tão bonito hoje. – Alexis continuou deitado.
– Realmente. – comecei a reparar – Esse céu, essas luas. Sempre que aparecem eu sinto como se fosse um aviso de que as coisas poderão melhorar.
– Então se apegue a isso. – ele se virou para ficar rosto a rosto comigo – As coisas vão melhorar. Você vai ver. Tudo vai voltar a ser como antes.
– Não. – sentei-me – Como antes eu tenho certeza que não será. Muita coisa aconteceu. Muito foi destruído. Muito foi perdido para sempre. E ainda tem a ferida no coração dos que sofrem com o que está acontecendo. Essa marca eles carregaram por toda vida.
– A vida não é feita apenas de alegrias. – Alexis segurou minha mão – Precisamos da tristeza. O sofrimento e a dor são necessários para que possamos crescer. Não existe obstáculos que não possamos superar.
– Será? – perguntei.
– Pode ter certeza! – Alexis tentava me animar com sorriso. Estava conseguindo.
– Espero que tenha razão. – deu um sorriso forçado – Acho que senti algo pingando.
– Está começando a chover! – Alexis olhou para o alto – Vamos entrar!
A chuva caiu mais depressa do que esperávamos, mas conseguimos entrar na casa de Neandro secos. Ou mais secos do que achamos que chegaríamos. Não tinha ninguém na sala, mas ouvimos barulho na cozinha. Provavelmente Linfa.
– Oi? – perguntei. Nenhuma resposta. – Oi? – tentei de novo.
– Quem está na cozinha? – Alexis perguntou. Ninguém respondeu.
Alexis fez sinal com a cabeça para entramos na cozinha e verificarmos o que era. Apesar de já termos anunciado para quem quer que estivesse na cozinha que ele não estava sozinho, decidimos ir devagar.
– Mas o que é isso? – gritei.
Alexis ficou tão pasmo quanto eu. Era uma cobra enorme. Muito grande mesmo. Provavelmente uns 5 metros de largura e 2 de altura. Tinha o corpo todo escamado em prata, com tons mais escuros na cabeça. Seus olhos eram imensos e – assim como o lobo que de hora em outra aparece para mim – tinha duas chamas no lugar.
Ela fez um barulho estranho quando nos viu e abriu a boca. Achei que iria nos engolir vivos, mas ela fez o contrario. Recuou e fugiu atravessando a janela como um fantasma e aos poucos foi sumindo.
– Você viu o que eu vi? – perguntei.
– Não sei. – Alexis estava gaguejando – Mas se o que você viu foi uma cobra gigantesca, acho que a resposta é sim.
– Ótimo! – tentei me acalmar – Louca pelo menos eu sei que não sou.
– O que era aquilo? – Alexis continuava parado no mesmo lugar.
– Não tenho certeza, mas acho que sei. – respirei fundo.
– Acha que é obra de Bianor? – Alexis começava a se movimentar novamente.
– Não. – fiz um sinal negativo com o dedo – Lembra do lobo que eu te contem algum tempo?
– Aquele que aparecia muito em seus sonhos e que você viu pela primeira vez nas montanhas? – Alexis começava a voltar ao normal.
– Esse mesmo! – me sentei – Os olhos dessa cobra. Eles eram os mesmos olhos daquele lobo. Você sabe alguma coisa!
– Beatriz, o que eu sei é só lenda. – Alexis achou graça.
– Aquilo pareceu lenda para você? – perguntei.
– Reza a lenda que Ofir foi criado por três grandes irmãos guardiões. – Alexis começou a explicar – Ansur, o mais novo, ficou encarregado de gerar a terra e as águas, assim como tudo que cresce delas. Astra, a do meio, criou tudo o que fica no céu, incluindo o dia e a noite. E por fim vinha Anselm, o mais velho, que se encarregou de dar vida ao mundo de Ofir.
– Conte mais. – o interrompi sem querer.
– Esse guardiões tinham forma de animais. – Alexis prosseguiu – Ansur, a ave. Anselm, o lobo e Astra, a cobra.
– Então você quer dizer que...
– Se tudo isso for verdade, acabamos de encontrar com um dos guardiões mágicos. – Alexis completou meu pensamento.
– Mas o que guardiões sagrados poderiam estar querendo aqui? – perguntei.
– Eles criaram esse mundo. – Alexis começou a acreditar na lenda – Eles podem estar tentando fazer algo por esse mundo.
– Mas isso ainda não explica o fato de encontrarmos um deles na cozinha. – estava intrigada.
– Acho que, se for para sabermos, vamos ter que esperar e ver. – Alexis deu de ombros.
– O que está acontecendo? – Neandro entrou.
– Nós vimos uma cobra gi...
– Uma cobra girando. Quero dizer, rondando a janela. – Alexis me interrompeu.
– Onde ela está? – Neandro perguntou.
– Já a espantamos. – Alexis e eu trocamos olhares.
– Que estranho. – Neandro olhou pela janela – Tantos anos vivendo aqui e nunca vi uma cobra por essas redondezas.
– Mas com essas confusões que a guerra tem gerado pode ter trazido algumas para cá. – Alexis tentava disfarçar.
– Pode ser. – Neandro acreditou – Provavelmente queria se esconder da chuva. Melhor fecharmos a janela.
– Achei que estavam nos seus quartos. – Neandro pegou um copo d’água – Todos já foram se deitar.
– Ficamos um pouco lá fora, apreciando a noite. – Alexis sorriu.
– Estava uma bela noite mesmo. – Neandro voltou a olhar pela janela – Boa noite.
– Boa noite! – Alexis e eu falamos juntos.
– Por que não contou ao Neandro? – perguntei assim que ele saiu.
– Ainda não temos certeza de nada. – Alexis sussurrou – Acho melhor não ficarmos colocando mais preocupações na cabeça deles. Vamos guarda isso só para nós. Pelo menos até termos certeza do que se trata.
– Tudo bem. – falei baixo – Mas só até termos certeza.
– Agora vamos dormir. – Alexis desconversou – Está tarde mesmo.
– Boa noite! – dei um beijo rápido em Alexis.
– Boa noite! – Alexis deu outro beijo.
E claro que não consegui dormir direito. A possibilidade de ter visto um dos seres guardiões não me saia da cabeça. Mas isso não era o mais confuso. O mais confuso era o motivo que levou ao Anselm e a Astra aparecerem por aqui. Provavelmente Ansur já deve ter aparecido, voando por esse céu e eu nunca reparei. O que eles estariam tramando? Provavelmente algo bom. Ou será que não? Por um instante me passou um terrível pensamento de que eles poderiam estar planejando destruir o que criaram. Sim, Ofir estava corrompida bem antes da minha chegada. Seria o meu destino dar o golpe de misericórdia? Destruir Ofir era a verdadeira missão que me foi designada? Não queria pensar nisso.
Aos poucos fui ficando cansada e minhas pálpebras foram ficando cada vez mais pesadas, até que me vi em total escuridão. O sono sempre chega para quem está cansado.