– Vamos fazer o seguinte? – Nicardo sugeriu um plano – Eu e a Beatriz voltamos e procuramos a Camila e você e o Tales vão atrás do Cosmo e da Levinda. Espero estar errado, mas acho que eles estão em apuros!
– Você tem certeza? – Thalassa perguntou.
– Voltarmos todos juntos seria muito arriscado. – Nicardo parecia não gostar da idéia – Podemos ser todos pegos. Se alguma coisa acontecer com Cosmo e Levinda enquanto estivermos procurando Camila? Acho que nenhum de nós iria se perdoar. E melhor nos dividirmos.
– Mas e se tudo tiver bem com Cosmo e Levinda? – Tales pergunto.
– Espero que seja essa a situação! – Nicardo estava preocupado – Se estiver tudo bem com os dois, nós espere no submarino. A menos que algo de maior urgência aconteça.
– Como assim? – Tales ficou confuso.
– Se precisarem fugir! – Nicardo parecia não estar gostando de dizer isso – Caso precisem fugir, não hesitem e nem nós espere!
– Tem certeza mesmo? – Thalassa perguntou.
– Sim. – Nicardo respondeu serio.
– Então boa sorte! – Thalassa sorriu.
– Obrigado. – Nicardo tentou sorrir – Boa sorte para vocês também.
Seguimos de volta pelo corredor. Não sei se era impressão minha, mas ele parecia mais longo desta vez. Como se tivessem o esticado uns oito metros enquanto estávamos conversando. Aparentemente o corredor também mudou. As pedras não pareciam mais tão brancas e o chão agora era de cimento. Isso estava me deixando assustado.
– Tem certeza que estamos seguindo pelo corredor certo? – perguntei.
– É o único corredor. – Nicardo tentou sorrir novamente – Eu realmente espero que seja o certo. Mas qual o motivo da pergunta?
– Não sei. – fui sincera – Parece que não é o mesmo corredor que passamos.
– Talvez o fato de ser mágico esteja influenciando em sua aparência? – Nicardo sugeriu.
– De qualquer forma...
– Vamos tentar não pensar nisso. – Nicardo tentou tranquilizar-me.
Continuamos andando por outro longo tempo. A impressão de ser outro corredor, muito maior e mais sujo do que o primeiro, continuou em minha cabeça. Talvez o que Nicardo havia dito pudesse ser verdade. Talvez fosse realmente isso. Mas estava pensando que não era apenas isso. Esse corredor estava prestes a nos meter em uma grande encrenca.
– Aqui é o fim? – Nicardo se perguntou quando viu um pedaço grande de madeira no meio do corredor.
– Acho que sim. – respondi.
– Mas onde que abre? – Nicardo perguntou levantando uma das sobrancelhas.
– Talvez precise empurrar? – sugeri.
Entrei na frente de Nicardo e deu um empurram leve no grande pedaço de madeira. Ele caiu no chão, mas nada aconteceu.
– Ótimo! – virei os olhos – Acho que havia uma porta no meio do caminho.
– Espere! – Nicardo passou na minha frente – Olhe!
No lugar do pedaço de madeira que se parecia com uma porta, uma pequena bola começou a se abrir. Ela foi crescendo e virou um buraco negro.
– Será um portal? – perguntei.
– Você quer se arriscar? – ele olhou para mim um pouco temeroso.
– Será que é perigoso? – também estava com um pouco de medo.
Neste momento Nicardo se encheu de coragem e colocou a cabeça para dentro do portal. Quase fechei os olhos temendo que metade do corpo dele tivesse sido levado ou que ele voltasse metade jacaré ou metade macaco ou qualquer outro bicho. Mas não foi isso que aconteceu.
– É um portal para o castelo! – Nicardo gritou com a cabeça ainda dentro do portal.
– O que Camila está? – perguntei.
– Sim! – Nicardo tirou a cabeça do portal. Aparentemente estava tudo normal com ele – É o castelo de Calidora!
– Se não tem perigo... acho que é ai mesmo que queremos ir! – tentei sorrir.
– Então vamos? – Nicardo segurou minha mão.
– Vamos! – respondi.
Saímos no corredor do castelo. Assim que o portal se fechou tratei de conferir se estava inteira. Não parecia ter nada faltando. Mais minha felicidade de estar inteira foi destruída assim que viramos.
– Intrusos!
Fomos cercados por vários guardas. A menos que outro portal se abrisse embaixo dos nossos pés, não havia para onde fugir. Esperei por algum sinal de Nicardo, mas ele parecia tão sem ação quanto eu. Desta vez não tinha escapatória.
Algemaram-nos e ainda amarraram nossos braços, de modo que ficava um pouco complicado de se locomover. Principalmente para Nicardo que estava andando de costas.
– Para onde estão nos levando? – gritei – Falem alguma coisa!
Sabia que era inútil, mas achei que poderia ter alguma idéia no meio do desespero. Não falam que é sobre pressão que saem as grandes obras?
Levaram-nos para as masmorras do castelo. Elas não tinham nada de especial. Era como toda boa masmorra deve ser: suja, úmida e fedida. As paredes eram feitas de um tijolo marrom claro estranho e as grades eram barras pretas de algo bem resistente, mas que nem de longe lembrava o ferro. Ou metal. Ou chumbo. Ou qualquer outra coisa que as grades costumam serem feitas.
As celas estavam todas lotadas. Havia tudo o que é tipo de gente lá. Desde humanos normais até seres com aparências duvidosas. Não sabia por onde começar a tentar contar quantos presos havia em cada cela. Eram muitos e a maioria não pareciam ruins – exceto pelos de aparência duvidosa, afinal, se eles são duvidosos...
– O que faremos agora? – perguntei.
– Não sei. – já esperava essa resposta.
Para nossa sorte, fomos jogados em uma cela quase vazia. Havia um senhor de meia idade e uma jovem com orelhas, rabo e garras de gata. Provavelmente seria a próxima cela a ser lotada.
Assim que os guardas saíram, as pessoas na cela resolveram fazer contato e se aproximaram de nós dois. A principio não falaram nada, apenas ficaram olhando estranhamente. Depois de examinarem, eles resolveram se comunicar.
– Estão aqui por quê? – o senhor de meia idade tinha uma voz calma e pacifica.
– Bem, não sabemos exatamente. – respondi constrangida.
– Então sejam bem vindos ao clube! – a jovem parecia um pouco amargurada.
– Como assim “bem vindos ao clube”? – Nicardo perguntou.
– Podemos dizer que todos nós aqui não sabemos ao certo o motivo de estarmos presos. – o senhor mantinha a voz calma – Todos nós, em algum momento, fizemos algo que não agradou aos caprichos do novo rei e acabamos presos, sem direito de tirarmos satisfação.
– Serio? – me assustei.
– Esse Bianor é um porco! – a jovem quase cuspiu – Não, isso é uma ofensa aos porcos. Bianor é pior que as piores coisas que existe. Não tem como comprar qualquer coisa sem que ofenda a honra destes lixos e porcarias que existem.
– Mas vocês foram presos sem mais nem menos? – estava intrigada.
– Podemos dizer que sim! – o senhor estava triste.
– Bianor nos pegou da pior forma que poderia. – a moça novamente falava com nojo – Estávamos todos quietos, vivendo nossas vidas e fazendo o bem. Então apareceram os guardas dele e disse que o que estávamos fazendo era um crime e que deveríamos pagar por isso.
– E o que vocês estavam fazendo? – perguntei.
– Apenas ajudando as pessoas que estavam sofrendo com as batalhas que estavam acontecendo. – o senhor respondeu.
– Este foi o motivo? – perguntei indignada.
– Acreditamos que sim. – o senhor mantinha o tom calmo.
– Bianor tem sido muito impiedoso. – uma terceira pessoa saia de um canto escuro da cela – E nenhum de nós podemos fazer nada.
A terceira pessoa era um jovem de cabelos loiros e olhos verdes. Ele vestia uma armadura dourada, mas que parecia muito velha e usava um brinco de prata na orelha esquerda.
Diferente dos outro, esse jovem não parecia tão desgastado e sujo. Tinha portes que lembravam um príncipe, mas tinha um ar de aventureiro. Seu olhar era forte e parecia ter visto varias coisas, das melhores até as piores. Suas expressões eram sérias e tristes, mas parecia querer disfarçar em uma falsa força.
Passos fizeram as conversas cessarem.
Dois guardas chegaram até nossa cela. Não conseguíamos ver mais que os olhos e esses olhos não pareciam ter emoções nenhuma. Era estranho olhar para alguém com aquele olhar. Era como se estivessem em um tipo de transe ou então fossem máquinas.
– Vocês dois! – um dos guardas disse.
– Eu e ele? – perguntei.
– Não! – o guarda respondeu grosseiro – O velho e a gata.
– Para onde vocês serão levados? – perguntei assustada.
– Sem perguntas! – o guarda gritou – E vocês dois, calados!
Assim que os guardas saíram, as conversas voltaram quase que no mesmo ponto onde parou. Fiquei preocupada com o destino dos dois. Não sabia quem eram, mas não suportaria saber que poderiam ser castigados por ajudarem os outros.
– O que vai acontecer com os dois? – perguntei.
– Ninguém sabe. – o jovem loiro respondeu – Podem ser condenados a coisas simples e relativamente boas como se tornar escravo de Bianor ou ser transformado em uma criatura errante. Mas pode ser que sejam mortos ou transformados em comida de dragão, o que não seria muito bom.
– Comida de dragão? – quase não consegui repetir.
– De qualquer forma, depois de capturado, é melhor não sair daqui. – ele deu um sorriso cínico. – Agora, se me dão licença, eu irei dormir.
– Mas dormir aonde? – perguntei. O jovem apenas olhou para o chão.
– No chão? – me assustei – Nós também?
– A menos que tenha aprendido a dormir de pé...
A arrogância deste jovem me lembrava alguém, mas não me lembro quem. Esse jeito cheio de autoridade e com piadas sem graça era muito parecido com alguém. Será que era a pessoa que eu estava proibida de lembrar? O tal Alexis?
– O que faremos agora Nicardo? – estava desesperada.
– Ainda estou pensando. Tenha calma! – ele respondeu.
– Calma, calma, calma. – comecei a andar de um lado para o outro – Tudo o que eu ouço são pessoas me pedindo para ter calma.
– Será mesmo? – ele perguntou.
– Alô? – uma voz surgiu do nada – Alguém está me ouvindo?
– O que é isso? – Nicardo perguntou.
– Nicardo? Você está bem? – a voz perguntava.
– Parece que está saindo da sua bolsa! – eu disse chegando mais perto do saco de pano que ele tinha amarrado na cintura.
– O comunicador! – Nicardo lembrou-se na mesma hora.
– Olá? Está me ouvindo? – a voz parecia da Thalassa.
– O que eu faço? – Nicardo perguntou.
– Sei lá. – fui sincera – Responda!
– Olá? – ele respondeu com uma pergunta.
– Nicardo? – era a voz de Thalassa – Está me ouvindo?
– Estou! – Nicardo respondeu.
– Não encontramos nenhum sinal de Cosmo ou Levinda. – sua voz parecia preocupada. – E vocês?
– Também não tivemos nenhum sinal de Camila, mas fomos presos! – Nicardo respondeu.
– O que? – Thalassa se assusto – Mas como?
– Bem, digamos que voltamos em uma hora errada e dois guardas estavam bem na nossa frente quando saímos da passagem. – Nicardo tentava ser sarcástico. Não estava conseguindo.
– Tudo bem, nós vamos resgatar vocês! – Thalassa estava mais preocupada.
– Não! – Nicardo quase gritou – É muito arriscado. Vocês precisam encontrar Cosmo e Levinda.
– Tem certeza? – Thalassa perguntou.
– Absoluta! – Nicardo tentava parecer seguro.
– Tales conhece um lugar seguro aqui em Calidora. – Thalassa também tentou parecer segura – Vamos até lá ver se conseguimos algumas informações.
– Tomem cuidado! – Nicardo sorriu.
– Tomaremos! – Thalassa pareceu não estar tão certa disso.
– Agora é melhor você desligar, acho que ouvi alguém! – me intrometi na conversa.
Não estava errada.
Dois guardas entraram com tochas e foram apagando todas as lamparinas acesas. Não demorou muito até apagarem as da frente da nossa cela. A escuridão só não foi total por causa das tochas que os dois guardas carregavam, mas assim que se foram tudo ficou um breu.
A escuridão não me assustava tanto a um bom tempo. Foi algo estranho sentir medo novamente do escuro. Mas acredito que ninguém me culparia, principalmente se estivesse em meu lugar. Aquele mundo estranho, com seres estranhos e aonde desde que cheguei vivo com uma corda amarrada a garganta, apenas esperando alguém chutar o banco. Estranho seria não estar com medo de tudo.
Deitei nas pernas de Nicardo. Apesar da aparência dele estar um pouco mais rude, sua pele continua macia e quente como sempre. Sentia-me até mal de dormir na perna dele enquanto ele dormia no chão duro.
O sonho que tive foi um tanto... confuso. Talvez “confuso” não seja a melhor palavra, mas é a melhor que encontrei.
Estava em um bosque. A sensação de já ter andado por aquele lugar me deixou um pouco enjoada. Minha cabeça parecia estar rodando e rodando e eu não sabia o motivo. Quanto mais eu andava, mas eu ficava tonta até que algo me fez parar.
– Olá? – uma voz vinda do nada.
– Oi? – tentava achar a voz.
– Aqui em cima! – a voz tentava se sinalizar – Na árvore.
Busquei em todas as árvores, até que achei um rapaz sentado no alto de uma das árvores à direita. Ele vestia uma calça marrom e usava uma camisa branca coberta por um tipo de manto verde, fazendo lembrar uma túnica. Não conseguia ver o seu rosto, mas senti algo muito forte quando o vi. Algo que jamais havia sentido antes.
– Não acredita a saudades que estou de você! – ele parecia estar rindo.
– Nós nos conhecemos? – perguntei.
– Muito! – novamente ele pareceu rir – Talvez muito mais do que possa lembrar.
– Então mostre o seu rosto! – sugeri.
– Não adiantaria. – um tom de tristeza tomou sua voz – Eu estou muito diferente de quando nos conhecemos.
– Mas faça a experiência! – tentei convencer-lo.
– Melhor não! – ele ainda estava triste.
– Ótimo. – bufei – Mas Poe me dizer o nome?
– Não! – ele respondeu rápido.
– Mas por quê? – meu pescoço começava a doer.
– Não me lembro do meu nome. – ele voltou a ficar triste – Engraçado. Lembro muito pouco de mim, mas lembro de tudo o que vivi com você. Apesar de não lembrar minhas motivações para eu fazer tudo o que me lembro que fiz com você.
– Acho que estamos passando por problemas parecidos. – sorri.
– Onde você está? – ele perguntou.
– Bem, acho que isso é um bosque? – respondi.
– Não! – ele gargalhou – Aqui é onde eu estou. Quero saber onde você está!
– Não estou entendendo. – fui sincera.
– Você está em uma dimensão paralela. – ele se deitou um tronco acima do que estava – Está é a dimensão dos sonhos. Desde que senti sua presença chegando a Ofir que venho tentando entrar nos seus sonhos.
– Sonhos? – estranhei.
– Cada pessoa tem uma dimensão paralela única. – ele explicou – Por isso nossos sonhos nunca são os mesmos que o dos outros. Mas quando uma pessoa tem uma ligação muito forte com outra, essas dimensões podem se cruzar. Isso acontece muito com gêmeos. No meu caso, você é a única ligação forte que tenho com o meu passado. Por isso consegui “invadir” seus sonhos. Agora se concentre e veja onde o seu corpo está.
Tentei fazer o que ele pediu. A principio pareceu inútil, mas depois algo começou a acontecer. Era como se eu conseguisse ver através do chão. Abaixo de mim estava eu mesma, deitava nas pernas de Nicardo.
– Pareço estar em uma masmorra. – comecei a lembrar – Sim! Eu estou em uma masmorra. Eu fui presa. Eu e o Nicardo fomos...
– Nicardo? – ele quase caiu da árvore. – Você diz Nicardo de Leander?
– Parece que sim. – sorri – Você deve conhecer-lo. Ele é uma pessoa adorável.
– Não sei não. – a voz dele tomou um tom familiar – Sinto que não posso cofiar nesse Nicardo. Não gosto dele.
– Mas você pelo menos se lembra dele? – perguntei.
– Até você dizer o nome não. – ele estava um pouco zangado – Mas agora já começo a ligar o nome à pessoa.
– Mas qual o motivo desta implicância com ele? – me aborreci. – Honestamente, não sei por que tentei conversar com você. Não adiantou de nada. Continuo sem lembrar quem sou e ainda estou com tempo livre para odiar esse Nicardo.
– Você é estranho! – soltei.
– Por quê? – ele gritou.
– Algo em você mexe muito comigo. Isso é muito estranho! – respondi.
– Quer saber, eu... Vem vindo alguém!
Aos poucos o minha consciência voltava para o meu corpo. Não sabia se ela realmente havia saído de lá, mas era essa a sensação que tinha. Comecei a ouvir respirações, conversas e roncos. Estava de volta. De repente um barulho veio de nossa cela. Fiquei quieta. Alguns passos se aproximavam de mim e então senti um sacolejo.
– Acordem! – a voz quase sussurrava.
A escuridão não me deixava ver nada, mas assim que meus olhos se acostumaram com o escuro comecei a identificar formas.
– Nínive? – Nicardo também sussurrava.
– Sim, sou eu! – apenas a voz dela estava na cela.
– Você está invisível? – Nicardo perguntou.
– Sim, estou invisível. – ela respondeu sussurrando.
– O que está fazendo aqui? – Nicardo perguntou.
– Ajudando vocês a fugirem! – o rosto dela apareceu – Agora quer parar de fazer perguntas?