– Vocês já se conhecem? – Thalassa perguntou fitando a mim e ao Nicardo.
– Sim. – Nicardo olhava para Camila – Da Terra.
– Espere! – Tales parou na nossa frente – Ela veio do mesmo mundo que a Beatriz?
– Então eu estava certa? – Camila parecia grata e desesperada – Não estamos na Terra!
– Mas como? – perguntei.
– Eu não sei – Camila se levantou – Estava andando com o Toni. Ai o Toni! Como ele está? Deve estar achando que eu o abandonei. Aquele bocó inseguro. Mas eu amo muito ele, que isso fique bem claro!
– Mas o que aconteceu? – Nicardo já conhecia a figura.
– Ah sim, eu estava contando como cheguei aqui! – aos poucos ela voltava ao “normal” – Eu estava andando, indo para a escola como faço sempre, junto com o Toni. O Toni é o meu namorado. E ele estava me falando algumas coisas que eu não estava prestando atenção. Eram coisas muito chatas. Eu parei para ajeitar o meu sapato, quando um buraco negro se abriu debaixo dos meus pés.
– Um buraco negro? – Tales se assustou.
– Sim! – Camila arregalou os olhos – Um buracão bem grande. Não, médio. Um buracão médio. E ele me sugou. E eu fui caindo e caindo e gritando e gritando e quando dei por mim eu estava em uma sala. Uma grande sala. Desta vez era grande de verdade. E um homem muito feio e sinistro disse com uma voz malvada e grossa “Essa!” e olhou para mim “Essa será a minha quarta esposa”!
– Então era você! – Nicardo socou a mão – Levinda havia comentado de uma quarta esposa bem nova.
– Sim, sim! – Camila balançava a cabeça – Eu lembro uma garota com esse nome. Ela estava me ajudando a fugir, junto com outra... Lila? Não. Leca? Como é que era o nome dela mesmo?
– Layla? – perguntei surpresa por ter lembrado o nome.
– Isso! – Camila abriu um largo sorriso – Era esse mesmo o nome dela! Layla! Mas depois nós nos perdemos. E eu fiquei desesperada perambulando por esse castelo. Quase fui pega. Vocês também estão fugindo deste castelo?
– Na verdade acabamos de entrar! – respondi com um sorriso constrangido.
– Ótimo! – ela sorriu e depois balançou a cabeça com se tivesse acabado de acordar – Vocês estão entrando? Ficaram loucos?
– Não sei. Talvez. – tentei não parecer nervosa – Vamos resgatar a irmã de Nicardo.
– E desde quando o Nicardo tem irmã? – Camila perguntou surpresa – Por falar nele... O que aconteceu com a sua pele Nicardo?
– É uma longa historia! – respondi.
– Você talvez deva conhecer-la. – Nicardo se aproximou – O nome dela é Nínive. Ela será a primeira esposa.
– Ela que é a sua irmã? – Camila gritou.
– Acho melhor irmos para um lugar mais seguro! – Tales fitava Camila, repreensivo. Só então notei que estávamos no meio de um corredor e que estávamos com muita sorte de ainda não termos sido descobertos.
Seguimos por alguns corredores até chegar a uma sala vazia. Fechamos a porta e Nicardo imediatamente voltou ao assunto que Tales havia interrompido antes de sairmos do meio do corredor.
– Você a conhece? – Nicardo perguntou ansioso.
– Quem? – Camila provavelmente já havia esquecido o que estávamos conversando.
– A Nínive, minha irmã. – Nicardo estava ficando impaciente – Você a conhece?
– Ah! – Camila sorria vermelha – Eu conheço sim. A noiva que não quis fugir.
– Como assim “não quis fugir”? – Nicardo ficou assustado.
– Ela havia dito “Podem ir, eu ajudo, mas me deixem ser a única esposa do Bianor” – Camila tentava imitar a voz de Nínive. Como nunca havia ouvido, não posso dizer se ela foi bem na imitação – Depois ela ainda disse assim “Eu amo o Bianor, vocês não. Eu fui escolhida primeiro.”
– Tem certeza que ela disse isso? – Nicardo perguntou cético.
– Absoluta! – Camila fazia bico – Eu estava perto.
– Impossível! – Nicardo continuava sem querer acreditar – Não. Isso não é verdade. Eu contei a ela que era Bianor, contei o que ele havia feito com a nossa mãe quando descobriu o que ele estava armando. – Nicardo respirou fundo – A Nínive nunca diria que ama uma pessoa como Bianor.
– Mas foi o que ela disse! E ela parecia realmente apaixonada. Se ele fez algo de ruim para vocês, ela não está dano a mínima! – Camila nunca teve um senso de quando deve parar de falar.
– Leve-me até ela! – Nicardo agora estava ordenando – Eu preciso ouvir isso da boca dela!
– Por que, da minha não serve? – Camila fez biquinho de novo.
– Camila, isso é sério! – Nicardo fitou Camila repreensivo.
– Sem graça! – Camila bufou. – Tudo bem, se você quer assim.
– Obrigado. – Nicardo disse híspido.
– Mas já vou logo avisando que será inútil! – ela ficou seria – Nossa, eu nem perguntei.
– O que? – eu perguntei confusa.
– Esses são mesmo seus amigos? – Camila chegou mais perto de mim – Podemos confiar neles?
– Sem dúvida! – respondi.
– Mas e se formos pegos? – Camila deu dois passos para trás e colocou a mão na cintura.
– Você já viu um Leon? – perguntei.
– Aqueles monstros gordinhos e horrendos? – Camila fazia cara de nojo – Infelizmente sim. Foram eles que me tiraram da sala do tal homem que quer ser meu marido. Eu ainda sou uma criança!
– Camila, você vai fazer 19 anos. – lembrei – Não pode mais ser considerada uma “criança”.
– Que seja. – ela bufou e algo nesse gesto fez minha cabeça doer – De qualquer forma eu não penso em casar antes dos 30.
– Por que estamos conversando sobre isso? – Nicardo ficou nervoso – Nós vamos ou não resgatar minha irmã?
– Calma! – Camila falou alto – Muita calma. Vocês ainda não me deram garantia sobre a minha segurança.
– Era sobre isso a pergunta dos Leons! – lembrei do real motivo de ter começado o assunto – O Nicardo e essa minha amiga aqui, a Thalassa...
– Olá Thalassa! – Camila cumprimentou a Thalassa.
– Continuando – disse em um tom de voz mais alto – Nicardo e Thalassa derrotaram dois Leons. E o Tales.
– Oi Tales! – ela não aprendia.
– O Tales também é muito forte e pode enfrentar os Leons, casos eles apareçam. – presumi.
– Mas é bem provável que apareça guardas! – Camila sorriu – O pouco que vivi com meu futuro atual ex-noivo já deu para observar que ele só envia Leons para os casos pesados.
– Ótimo! – Nicardo pareceu aliviado – Guardas todos nós damos conta. Agora vamos?
– Para onde? – Camila perguntava inocentemente.
– Resgatar minha irmã! – Nicardo estava perdendo a paciência.
– Ah claro! – ela sorriu – Vamos?
Camila nos levou para outro corredor e empurrou uma parede. Ela havia dito que foi a própria Nínive quem mostrou algumas das passagens secretas do castelo. Ela havia aprendido as passagens sozinha, mas disse que nunca tentou fugir. Nicardo continuava cético quanto ao assunto da irmã dele estar apaixonada por Bianor.
O corredor que levava uma passagem a outra era estreito e tinha cheiro de mofo. Havia tochas acesas e a passagem parecia um pouco úmida. Era como se já houvesse passado uma grande quantidade de água por ali e os corredores ainda sofressem com isso. Não pude evitar me sentir mais forte. Qualquer contado com a água ou fogo trazia isso para mim. Os dois juntos era quase como se uma energia nascesse em mim e fortalecesse meu corpo. Se fosse antes eu estranharia, mas desde que cheguei – ao melhor, voltei – a esse mundo que não acho mais nada estranho.
– Muito bem, por onde eu deveria ir mesmo? – Camila coçava o cabelo.
– Não vai me dizer que você se perdeu? – Nicardo ficou nervoso.
– Não! – ela falou alto – Eu só não tenho certeza absoluta. Esses corredores às vezes me confundem!
– Ah não Camila. – Nicardo encostou a palma da mão na testa – Estamos perdidos!
– Espera e me dá um tempo! – Camila olhava pelos possíveis caminhos.
Estávamos parados entre três possíveis corredores. O da direita parecia ir subindo – provavelmente indo para o andar de cima. O do meio seguia reto, mas tinha a impressão que não levaria a lugar algum. O da esquerda descia e parecia mais escuro que os outros corredores.
– Eu voto pelo da direita! – eu disse.
– Então vamos! – Nicardo seguiu pelo corredor da direita.
– Espere, não vai ouvir os outros? – perguntei.
– Eu já te ouvi e isso basta. – Nicardo parou na entrada do corredor – Ou esqueceu que você é quase uma adivinha?
Seguimos todos pelo corredor da direita. Não discuti com Nicardo sobre o fato de eu possivelmente ser uma adivinha ou qualquer coisa parecida. Se ele disse “esqueceu que você é” significa que eu sou. Será que eu realmente tive uma amnésia parcial? A cada momento que passa eu me sinto mais e mais distante de mim mesma. Como se o que eu sou não fosse eu de verdade.
Chegamos a uma saída. Um bloco de madeira que estava escondido por uma armadura. Saímos em um corredor longo, porém com poucas portas – se eram os quartos, eram quartos realmente grandes.
– É aqui! – Camila gritou.
– Sim, será aqui que seremos executados se você ficar gritando! – Nicardo estava nervoso de verdade.
– Agora fica mais fácil achar o quarto! – Camila cochichou – Vamos.
Passamos por algumas portas e chegamos a uma grande porta com detalhes dourados e pequenos diamantes com pequenas inscrições que eu não conseguia ler.
– Aqui diz “O quarto da primeira” – Nicardo já foi abrindo a maçaneta.
– Espere! – eu disse baixinho – E se Bianor estiver com ela?
– Não. – Camila fez um gesto de desdém com a mão – Ele não é um noivo muito atencioso. No máximo ela estará com alguns serviçais.
– O que também seria ruim. – Tales falou tão baixo que quase não ouvi.
– Quer saber, acho melhor eu entrar sozinho. – Nicardo encerrou o assunto.
Nicardo entrou, enquanto nos escondíamos – ou tentávamos. Não poderíamos ficar no corredor por muito tempo. Entramos em um dos quartos que Camila disse estar vazio. Por muita sorte eles realmente estavam.
– Mas eu quero saber o que eles vão falar! – Camila cochichou assim que Nicardo entrou.
– Beatriz, estenda as mãos. – Thalassa pediu.
– Assim? – perguntei – Mas por...
– Diga Ariequo! – não estava entendendo onde Thalassa queria chegar.
– Ariequo! – repeti.
De repente pareceu que pequenas ondas de ar entravam por minhas mãos e palavras apareciam em minha mente e minha boca começou a repetir-las, sem que eu quisesse.
– O que você fez? – estava conseguindo me controlar.
– Magia da fofoca! – ela riu – Agora repita o que você escutar por favor.
– Você não deveria estar aqui! – uma voz de mulher saia no lugar da minha.
– Eu posso te ajudar a fugir! – agora era a voz de Nicardo. Isso era muito estranho.
– Mas será que não entendeu, eu não quero fugir! – a voz que deveria ser de Nínive.
– Eu não acredito que você... Depois que tudo o que aquele monstro fez para nós, com a nossa mãe. – Nicardo estava arrasado.
– Não foi ele! – Nínive alterou a voz – Bianor não é esse monstro que vocês falam.
– Então por que ele está destruindo tudo? – Nicardo estava nervoso – Você viu o que ele fez com Leander. Não acredito que você aceitou o que ele fez com a terra onde nós nascemos. Só falta me dizer que não foi culpa dele.
– E não foi! – Nínive começava a ficar nervosa.
– Como você pode ser tão tola? – estava começando a sentir a raiva de Nicardo – Deixou se levar por um homem como aquele.
– Mas ele me ama. Ele vai me fazer rainha, assim que o mundo de Ofir for reconstruído. – Nínive parecia não estar falando por si
– Com certeza ele te ama. Ele te ama muito! – Nicardo falava em um tom debochado.
– Eu cansei de você estar sempre querendo dizer o que eu devo fazer! – ela gritou – Eu não sou mais aquela menininha que você e a mamãe controlavam.
– E você acha bonito o que você está fazendo? – Nicardo estava ficando muito nervoso.
– Melhor do que ser um fugitivo! – ela gritou mais alto.
– Melhor ser um fugitivo que defende o que está certo, do que ser uma vendida que só quer saber de status. – Nicardo também gritava.
– Eu não me vendi! – os gritos de Nínive já podiam ser ouvidos do quarto ao lado.
– Então o que é isso que você está fazendo? – Nicardo perguntou novamente debochado.
– Ouviu isso? – uma terceira voz apareceu. – Parece vir do quarto da primeira.
– O que é isso? – Camila se assustou – Agora que a coisa estava pegando fogo.
– Acho que estão subindo. – Tales falou aflito.
– Quem? – Camila perguntou.
– Os guardas! – Tales respondeu correndo para a porta.
Thalassa chegou perto de mim e fez um gesto estranho com a mão, como se abrisse um zíper. Depois disso voltei ao meu normal – o que me fez ficar muito aliviada.
– Vamos! – Thalassa me puxou – Temos que avisar o Nicardo.
Corremos até o quarto de Nínive. Nem batemos na porta. Abrimos e fomos entrando desesperadamente. Não havia temo para formalidades.
– Quem são vocês? – Nínive falava autoritária.
– São meus amigos! – Nicardo ainda estava zangado.
– E estaremos mortos se não sairmos daqui agora! – Tales disse aflito.
– Estão vindo para cá? – Nicardo já sabia do que estávamos falando. – Mas como conseguiram escapar?
– Na verdade eles estão para chegar a qualquer momento! – Tales cochichou – Magia da fofoca.
– Vocês estavam ouvindo a nossa conversa? – Nínive estava furiosa.
– Espere! – Nicardo se acalmou – Quem executou a magia?
– Foi a Beatriz! – Thalassa respondeu.
Nicardo me olhou confuso e ao mesmo tempo admirado. Não estava entendendo o motivo de ele estar me olhando daquela maneira, mas estava preocupada demais com os guardas que estavam chegando ao quarto.
– Será que podemos tentar fugir agora? – Tales tirou as palavras da minha boca.
– Acho melhor passarem por aqui! – Nínive, que estava sentada na cama, levantou-se e abriu a porta de um armário.
– Ela está achando que temos cara de amante? – Tales deixou escapar.
Nínive olhou com fúria para Tales e fez um gesto com a mão. O fundo do armário se abriu, revelando uma passagem secreta.
– Quem te ensinou magia deste nível? – Nicardo estava surpreso.
– Eu tenho aprendido muitas coisas desde que fiquei noiva de Bianor. – Nínive respondeu híspida – Vocês podem seguir reto, não há outros caminhos nessa passagem. Quando chegarem a uma porta, desejem o lugar onde querem sair e depois abram.
– Como assim “desejem”? – perguntei.
– Isso é uma passagem mágica, não reparou? – Nínive levantou uma das sobrancelhas – Se por acaso eu tiver que lutar contra você, saiba que eu não serei tão boazinha assim. E não me leve a mal, não é nada pessoal. Estou apenas defendendo o que acho certo.
– Se é essa a sua escolha – Nicardo estava serio – só lamento!
A ameaça – se é que aquilo foi uma ameaça – não me assustou tanto quanto a cara de ódio que Nicardo fez quando disse a última frase da conversa com a irmã. Ele realmente parecia estar odiando-a e se odiando também. Entramos dentro do armário.
O corredor era todo feito de pedras brancas e pareciam pedras de praia. O chão era de terra, mas se olhasse rápido poderíamos notar que ele parecia mudar de forma. Era como se cada vez que nos distraiamos ele se transformava em outra coisa, e quando voltávamos a prestar atenção nele, ele voltava a ser o chão de terra de sempre.
O corredor era longo e parecia não ter fim. Não sei dizer quanto tempo nós andamos por aquele corredor, mas sabia que havia passado mais tempo do que devêramos passar. Só então lembrei.
– Cosmo e Levinda! – gritei do nada.
– O que foi Beatriz? – Nicardo perguntou.
– Não sei. De repente eu me lembrei deles. – disse pondo a mão no peito – Agora estou sentindo algo ruim. Como um pressentimento.
– Não estou gostando desta história! – Tales reclamou. – Cadê aquele troço comunicador que o Cosmo te deu Thalassa?
– Ele entregou para o Nicardo, não para mim! – Thalassa também parecia preocupada.
– Espere, ele está aqui! – Nicardo disse se apalpando.
Nicardo puxou um pequeno saco que estava amarrado na cintura. Só então reparei naquilo. Nicardo pegou o comunicador e ficou observando.
– Como será que funciona?
– Talvez neste botão. – Tales pegou o comunicador da mão d Nicardo.
– Poderia pelo menos ter pedido para ver! – Nicardo se chateou.
– Desculpe! – Tales não parecia arrependido.
Ele apertou o botão, mas aparentemente nada aconteceu. Ele ficou esperando e esperando e nada acontecia. Ele nem sequer chiava.
– Talvez você deva falar alguma coisa? – sugeriu Thalassa.
– Alô, alô? – Tales tentou – Tem alguém ai?
O silêncio continuou e isso já estava começando a nos preocupar. Será que algo de ruim havia acontecido com Cosmo e Levinda?
– Você deve ter quebrado o aparelho! – Thalassa ficou nervosa.
– Eu não fiz nada! – Tales também se estressou – Eu só apertei esse botão.
– Que provavelmente não era para ser apertado! – Thalassa brigava com Tales.
– Acho que precisamos correr. – Nicardo interrompeu a briga – Esse pressentimento da Beatriz me deixou preocupado.
– Então vamos logo! – Tales falou – Não quero perder mais ninguém.
– Espere! – fiquei apavorada – Cadê a Camila?