– Parece que não estamos sozinhos! – o guarda medroso apontou para os homens de capa preta.
Eles estavam parados poucos metros a nossa frente. Seus olhos – duas orbitais verdes – haviam parado de rodar para vários lado e se focou apenas em nós. Eles pareciam estar nos analisando. Ruídos estranhos, como o de uma respiração presa, cheia de fanhos e de serra elétrica eram emitidos pelos homens de capa preta.
– O que será que eles querem? – o guarda intimista perguntou.
– Acho que não é boa coisa. – Alexis sussurrou cauteloso.
– Será que pretendem nos atacar? – o guarda medroso perguntou.
– Não vamos fazer nada ainda. – Alexis continuou sussurrando – Vamos esperar e ver o que eles pretendem fazer. Às vezes não é nada do que a gente está pensando.
Os homens de capa preta continuaram nos olhando e começaram a seguir lentamente em nossa direção. Continuamos parados, esperando ver até onde eles chegavam.
O guarda medroso estava com as pernas bambas e o guarda intimista parecia estar sussurrando algo para ele. Estava tão nervosa com os homens de capa preta que nem tentei ouvir o que um estava falando para o outro. Um grande erro.
– Esperar coisa nenhuma! – o guarda intimista gritou – Morram!
O guarda intimista puxou sua espada e correu em direção aos homens de capa preta. Tentamos impedir, mas não conseguimos. Ele cravou a espada no peito de um dos homens de capa preta, mas nada aconteceu. A espada atravessou completamente o corpo do homem de capa preta e aos poucos foi puxando o guarda intimista para dentro do corpo dele. O guarda gritou desesperadamente. Tentamos puxar-lo, mas ele parecia preso ao corpo do homem de capa preta.
– Olhe Alexis! – gritei horrorizada quando reparei melhor no braço do guarda.
– Mais que droga! – Alexis gritou e continuou puxando com mais força o guarda.
O braço do guarda estava sendo estilhaçado. A pele estava sendo arrancada, como se o homem de capa preta a estivesse sugando e o braço do guarda ia entortando em carne viva. O guarda medroso tentava fugir, mas a porta por onde entramos havia desaparecido.
– Em vez de tentar fugir, venha e ajude o seu companheiro! – Alexis gritou.
O braço direito do guarda intimista já havia sido levado. O homem de capa preta pareceu começar a puxar-lo com mais força, enquanto os outros ficavam completamente paralisados, com as orbitais brilhando.
O guarda estava completamente desesperado e acabou – em uma tentativa inútil de acertar o homem de capa preta – puxando a capa, que veio abaixo.
Debaixo da capa se escondia uma sombra. Era um homem sombra. Ele era uma nuvem em forma de gente. O local onde o guarda havia enfiado a espada estava com um buraco manchado de sangue. Os olhos dele pareciam estar revirados e brilhavam, como os dos outros homens sombra. O susto foi tão grande que acabamos soltando, por alguns instantes, o guarda que foi sugado com tudo para dentro do homem sombra.
– E agora? – o guarda medroso – Nós vamos morrer?
– Deve haver um jeito de derrotar-los, sem precisar encostar neles.
– Alexis? – tentei me manter afastada dos homens sombra – Eu sei onde sua mãe está!
– Sabe mesmo? – ele perguntou vigiando os homens sombra.
– O espelho! – apontei para o espelho que estava no final da sala.
Neste momento um grito de horror ecoou pela sala. Eram os homens sombras. Agora estavam todos sem capa. A imagem era apavorante.
– E agora? – o guarda medroso falou – Acho que eles querem brigar.
– Então vamos brigar! – Alexis falou – Beatriz, vá e resgate minha mãe. Ficaremos aqui distraído esse homens sombra!
– Tudo bem. Tome cuidado! – apertei sua mão.
– Lembre-se, não encoste neles. Vamos tentar desviar seus golpes. – Alexis instruía o guarda medroso, mas não sei se adiantaria muito.
Os homens sombra partiram para cima de Alexis, que esquivou do golpe. O guarda medroso conseguiu fazer o mesmo. Alexis se esquivou de outro homem sombra e saltou para o teto. O homem sombra se grudou na parede e foi atrás de Alexis. O guarda medroso continuava se esquivando atrapalhado no chão. E tinha quase certeza que não eram os dotes de luta dele que o estavam ajudando.
Cheguei no espelho desesperada. Olhei e olhei e a única coisa que via era o meu reflexo. Tinha certeza que a Rainha Alina estava ali, mas como eu iria encontrar-la.
Bati varias vezes no espelho, mas nada aconteceu. Pelo reflexo do espelho pude ver parte da luta. Alexis estava indo muito bem e conseguia se esquivar rapidamente dos homens sombras. Agora o guarda medroso já estava muito cansado e desesperado demais para continuar aquela luta. Em alguns momentos achei que ele teria o mesmo destino do outro guarda.
Alexis continuava muito bem, se esquivando e atirado coisas que ia encontrando pelo caminho em uma esperança inútil de derrotar os homens sombra. O guarda medroso parecia querer usar sua espada, mas o medo de ser engolido estava visivelmente falando mais alto.
Alexis quase sempre fazer os homens sombra de tolos. Ele estava indo muito bem, mas toda aquela luta estava sendo apenas para ele se cansar e isso me preocupava demais.
Tentei novamente bate no espelho e procurei por algo que pudesse fazer a Rainha Alina parecer. Qualquer coisa. Mas nada apareceu. Nada e nem ninguém.
Por alguns segundos quase tive um ataque do coração quando um dos homens sombra chegou bem perto de Alexis. Por poucos centímetros Alexis não acaba ganhando o mesmo trágico e infeliz final que o guarda intimista teve. Foi um momento horrível e desesperador.
– Rainha Alina, por favor, apareça. – pedi em frente ao espelho. Mas nada aconteceu.
Eu precisava agir rápido. Alexis e o guarda estavam distraindo os homens sombra para que eu pudesse resgatar a Rainha Alina, mas eu estava fracassando.
De repente o vidro do espelho começou a se transformar em um portal e assim que encostei, fui sugada para dentro dele.
Eu estava no mesmo local absolutamente branco que havia encontrado a Rainha Alina da primeira vez, antes de enfrentar Bianor no deserto de Orestes. A Rainha Alina estava presa, com as mãos amarradas encima da cabeça. Seus olhos estavam completamente brancos e suas pupilas estavam dilatadas. Seus cabelos estavam soltos e tinham uma aparência horrível, praticamente sem vida.
– Rainha Alina! – corri para encontrar-la.
– Não Beatriz! – Alina gritou.
Antes que eu pudesse parar, levei um grande choque. Uma barreira invisível. Tentei me recuperar do susto e do choque elétrico e voltei a falar com a Rainha Alina.
– Rainha Alina? – minha voz estava falhando – O que está acontecendo?
– Beatriz! – Alina tentava olhar em meus olhos – Eu sabia que você iria me achar. Eu tinha certeza absoluta disso.
– Mas o que está acontecendo? Como eu posso te tirar daí? – perguntei atropelando as palavras.
– Você é uma garota de coragem! – Alina continuou falando – Uma garota de muita coragem. É uma garota muito esperta também e tem um grande poder em suas mãos.
– Rainha Alina?
– Beatriz, você precisa lembrar-se disso. – Alina tentou erguer a cabeça – Bianor é muito forte. Ele é extremamente forte. Mas não sabe usar toda essa força. Você precisa aprender a usar essa força. Precisa superar-lo para poder vencer-lo.
– Sim, sim. – tentei não parecer arrogante – Mas agora precisamos te tirar daqui!
– Eu estou bem. – Alina tentava me convencer – O seu pedido me salvou da outra vez e se estou aqui hoje é por sua causa. Você me salvou, nobre garota.
– Eu fico agradecida, mas sério, preciso te tirar daí! – tentei apressar-la.
– Beatriz, eu estou bem! – ela sorriu – Eu vou ficar bem. Eu te trousse até aqui apenas para lhe dizer que você precisa sair o mais rápido possível. Bianor está rumando em direção a Capital, eu estou sentindo isso. Sua grande batalha está prestes a começar.
– Mas eu não posso sair daqui sozinha! – resisti ao impulso de dar alguns passos a frente.
– Vocês não precisam de mim. – ela continuava com um ar alegre no rosto – Minha missão com você já foi cumprida. Eu deveria te trazer para Ofir. E eu trousse. Agora o restante é com você Beatriz! Você já está mais forte do que esperava, mas ainda não é o suficiente para liberar o seu poder máximo. Você precisa achar a sua inspiração. O seu motivo para lutar.
– Mas eu já achei! – disse alto – Eu quero salvar Ofir. Eu quero ajudar a fazer de Ofir um lugar pacifico novamente.
– Mas será que as suas ambições éticas correspondem aos anseios do seu coração? – ela continuava com um sorriso no rosto.
– Do que está falando? – perguntei confusa.
– Qual sua motivação chegar, você saberá o que eu estou dizendo. – Alina fechou os olhos.
– Rainha Alina? – fiquei desesperada – Rainha Alina?
– Eu ainda estou aqui! – ela respondeu tranquila.
– Achei que tivesse acontecido o pior! – suspirei aliviada.
– Eu não te disse que ficaria bem? – ela continuava de olhos fechados – Meus olhos doem quando tento impedir o labirinto de usar minha magia.
– O labirinto? – perguntei.
– Bianor criou o labirinto para jogar seus prisioneiros. – ela começou a explicar – Existem muitas armadilhas e todas são mortais. O fato de ter conseguido chegar até aqui só prova o quanto você é capaz de derrotar Bianor.
– Mas nem foi assim tão difícil! – não estava usando de falsa modéstia.
– Você sabia por quais caminhos seguir. – Alina estava ficando mais fraca – Acha que todas as pessoas conseguem fazer isso com tanta exatidão? E mesmo sem saber o seu instinto te trousse até mim. Isso sem dúvida não é para qualquer pessoa.
– Falando assim parece até que sou uma pessoa extraordinária! – fiquei constrangida.
– E quem disse que não é? – Alina tentou abrir os olhos – Você deve acreditar mais em você mesma Beatriz. Você salvará Ofir.
– Às vezes eu não acredito. – disse séria – Se eu não posso nem te salvar, como irei salvar Ofir?
– Não tenha medo! – Alina sorria – Você conseguirá. Você está predestinada a isso. Você irá salvar Ofir.
– Mas por que eu? – perguntei.
– Não existem motivos para o que é predestinado. As coisas simplesmente são como devem ser. E você foi escolhida para isso. Não é por acaso que você está se tornando mais forte a cada momento. Você nasceu para salvar Ofir.
– Mas Rainha Alina?
– Você precisa voltar! – Alina abriu definitivamente os olhos.
– Sozinha? – perguntei.
– Alexis está em perigo! – ela levantou a cabeça – Está precisando da sua ajuda. A outra pessoa que estava com ele já se foi. Ele está sozinho.
– Não! – fiquei desesperada – Não pode acontecer nada com o Alexis.
– Então volte agora! – Alina ordenava.
– E eu terei que te deixar? – perguntei.
– Eu irei ficar bem! – ela sorriu.
– Por onde eu volto? – perguntei e o reflexo do espelho apareceu.
– Antes de ir eu quero te dizer uma coisa. – Alina voltou a fechar os olhos – As chamas vencem as sombras.
– Acho que entendi o que quis dizer, mas minha magia não funciona. – falei.
– Ninguém pode aprisionar sua magia. – Alina falava baixo – Ela está sempre dentro de você.
Novamente fui sugada para fora do espelho. A situação estava realmente muito feia. Alexis estava muito cansado e os homens sombra estavam o cercando. Ele tentou voar, mas um homem sombra o barrou.
– Ei! – gritei chamando atenção dos homens sombras.
Eles viraram e seguiram em minha direção, esquecendo Alexis. Por alguns instantes eu fiquei desesperada, mas lembrei das palavras da Alina.
– A magia está dentro de mim! – sussurrei.
– Beatriz, ficou louca? – Alexis gritou cansado.
– Não se preocupe, eu sei o que estou fazendo! – falei tentando acender uma chama.
– Você vai se matar! – Alexis tentava chegar até mim, mas estava muito cansado.
– Pode deixar que eu sei o que estou fazendo!
Não tinha certeza se iria funcionar, mas tentei. Fechei os olhos e me concentrei. Respirei fundo e tentei ficar calma. Sentia a presença dos homens sombra se aproximando. Eles estavam mais rápidos do que da última vez em que os havia visto e isso atrapalhou um pouco minha concentração.
– Beatriz, saia daí! – senti Alexis chegando perto de mim. Senti uma ferida. Sua perna estava machucada. O que será que havia acontecido?
Tentei não dar atenção a isso – o que era impossível – e voltei a me concentrar em liberar minha magia. Estava sentido que algo estava segurando minha magia. Sentia que ela estava desesperada para sair, mas algo a segurava. Continuei lutando e lutando. Os homens sombra já havia me cercado. Por um instante achei que tudo estava perdido, quando uma grande explosão saiu do meu peito.
Abri os olhos e uma grande bola de fogo estava em minha mão. Os homens sombras corriam e gritavam feito loucos. A bola de fogo foi aumentando e aumentado até não aguentar mais. Joguei a bola de fogo na parede. Os homens sombras gritaram e começaram a sumir enquanto o local pegava fogo.
– Beatriz? Como? – Alexis estava perplexo.
– O que aconteceu com sua perna? – perguntei assim que vi o ferimento.
– Um deles encostou a mão em mim. – Alexis tentava não olhar para o ferimento – Parece que um simples toque pode fazer um estrago.
Parte da perna de Alexis estava em carne viva, como se tivesse sido queimada. Não era um ferimento grande, mas eu sabia que aquela ferida exposta não era nada boa – mesmo pequena.
– Nós precisamos sair daqui! – falei alto – Este lugar está em chamas!
– Você não encontrou minha mãe? – Alexis perguntou aflito.
– Encontrei, mas não consegui trazer-la! – respondi constrangida.
– Como assim? – ele perguntou. – A força que a aprisiona é muito grande, mas ela está... relativamente bem.
– Como assim relativamente bem? – Alexis ficou zangando.
– Alexis, ela não quis vir! – fui honesta.
– Como não? – Alexis gritou – O que aconteceu?
– Alexis, eu tentei. – comecei a falar – Mas ela disse que você estava em perigo...
– Me deixasse em perigo! – Alexis se zangou – Você deveria ter ajudado minha mãe.
– Mas eu tentei...
Neste momento parte do teto começou a desabar. O fogo estava se espalhando muito rápido e logo não iríamos conseguir sair dali.
– Alexis, ela quis assim! – tentei convencer-lo – Vamos sair enquanto há tempo.
– Não sem minha mãe! – ele gritou.
Alexis foi em direção ao espelho que estava começando a trincar. Ele bateu desesperadamente contra o espelho, gritando pela mãe. Tentei afastar-lo dali, o fogo estava muito forte naquela parte, mas ele me ignorou.
O teto continuava desabando aos poucos e uma parte dele caiu bem ao nosso lado. Alexis não pensou duas vezes e pegou uma parte do teto e atirou no espelho. No momento nada aconteceu, mas depois uma luz forte saiu do espelho e subiu até o teto.
– O que é isso? – perguntei.
A luz foi se apagando e revelando uma forma humana. Minha surpresa não foi muito grande quando vi quem estava caindo no teto para os braços de Alexis.
– Mãe! – Alexis gritou – Você não disse que ela estava bem?
– Eu disse que ela estava relativamente bem, mas isso não vem ao caso. Precisamos sair daqui agora! – respondi observando as chamas se espalhando.
– Mas em que direção? – Alexis estava mais desesperado ainda – A porta sumiu!
Olhei em todos os lugares. Tudo o que via eram chamas, partes do teto desmoronando e muita fumaça.
Continuei procurando até ter encontrar a saída. A porta que havia desaparecido estava lá novamente. Fiquei temerosa, achando que poderia ser uma armadilha, mas era a melhor opção naquele momento.
– Veja, a porta voltou! – Alexis quase não me ouviu.
– Vamos passar por trás daqueles destroços a esquerda. Ali as chamas estão mais fracas. – Alexis sugeriu.
– Mas ainda é perigoso. – comentei.
– É a nossa saída mais segura!
Caminhamos com a Rainha Alina pendurada em nossos ombros. Ela estava desacordada, mas ainda estava viva. Esquivamos-nos das chamas e conseguimos chegar até a porta com segurança. Mas o que vimos atrás da porta não foi nada agradável.