Por alguns instantes eu quase me perdi no meio de tantos corredores, mas consegui localizar o quarto de Nínive sem muitos estragos.
Abri a porta bruscamente. Nínive estava no quarto sozinha – para minha sorte, o que é uma surpresa. Ela olhou ao redor e fez uma cara não muito agradável.
– Quem entrou? – ela perguntou autoritária – Eu estou sentindo que há duas presenças aqui. Exijo que se mostrem!
– Calma! – fiquei visível.
– Você? – Nínive estava espantada – O que faz aqui?
– Viemos resgatar as noivas. – respondi.
Alexis resolveu ficar visível. A cara surpresa de Nínive ao encontrar-lo foi ainda maior do que a surpresa de me encontrar ali. Ela parecia estar vendo um fantasma ou qualquer outra coisa do tipo.
– Mas o que ele está fazendo aqui? – ela perguntou.
– Ajudando. – respondi.
– Vocês... Vocês são loucos ou o que? – ela falou um pouco alto – Estão querendo ser presos?
– Tecnicamente nós já fomos presos! – Alexis sorriu um pouco debochado.
– Como? – Nínive não entendia nada.
– Esquece! – fiz um sinal de desdém – Precisamos da sua ajuda para levar as noivas daqui.
– Sim, eu imagino. – ela respondeu – Mas ainda acho que vocês se arriscam demais. Bianor pode entrar aqui a qualquer momento e por qualquer lugar.
– Qualquer lugar? – perguntei.
– É uma coisa que ele gosta de fazer. – ela dizia como se estivesse explicando para as amigas uma daquelas manias chatas que o marido faz com frequência – Ele gosta de se materializar nos locais e às vezes aparece de surpresa, enfim... É uma coisa bem chata.
– Mas você vai nos ajudar? – Alexis perguntou um pouco alto demais.
– Sim, eu vou! – ela respondeu fazendo sinal com a mão para que baixasse a voz.
– Traga todas! – disse.
– Eu irei trancar a porta, para evitar que outras pessoas entrem. – Nínive fez um gesto e a chave saiu da porta e foi para a mão dela – Se alguém bater, não respondam. Finjam que o quarto está vazio ou que eu estou dormindo, sei lá... Mas não respondam!
Nínive saiu ouvimos a porta ser traçada. Estávamos “presos” outra vez e Alexis não pareceu gostar muito da situação.
– O que foi? – perguntei sussurrando.
– Tem certeza que podemos confiar nela? – ele também sussurrou.
– Claro! – sorri – Ela é irmã do Nicardo.
– Grande consolo. – Alexis revirou os olhos.
– Alexis... Ela é legal! – falei sem sussurrar.
– Tão legal que está do lado de Bianor! – Alexis continuou sussurrando.
– Mas ela... Sei lá. Talvez ela foi enfeitiçada!? – sugeri.
– E porque ele não fez isso com as outras? – Alexis rebateu.
– Ah... Bem... Ah... Alexis eu confio nela. – fiquei sem argumento – Você acha que eu sou tola? Fácil de se enganar?
– Não. – ele respondeu.
– Então pare de implicância! – dei um tapa em seu ombro.
A desconfiança de Alexis fez com que os minutos parecessem horas intermináveis. Cada segundo de demora de Nínive parecia uma eternidade. Sentia-me como se eu estivesse sendo a enganada e que Nínive estava apenas nos segurando para avisar a Bianor e nos entregar.
Alexis ficou invisível e segui para a janela. Não sei se ele ficou muito tempo na janela, mas quando ele ficou visível outra vez o seu rosto estava sério, porém aliviado.
– O que aconteceu? – perguntei.
– Eu acabei de ver Bianor saindo do castelo.
– E isso é bom né? – estava confusa.
– Isso é mais do que ótimo. – Alexis sorriu – O único problema que eu poderia ter era ele. Mas agora acho que a parte final do meu plano vai ser concluída com perfeição.
De repente minha visão começou a ficar escura. Não estava me sentindo tonta, nem fraca, mas comecei a sentir como se meu corpo tivesse deixado de existir. Tudo ficou escuro e quando voltei a enxergar, já não estava mais no quarto de Nínive.
Era uma sala grande. Uma sala bem grande. Eu estava parada em frente a uma grande porta e parecia que a porta crescia cada vez mais. A porta tinha um fecho de luz a iluminando e o restante da sala estava toda escura. Eu não fazia idéia do que estava acontecendo, mas sabia que aquilo não era real.
A porta se abriu lentamente e um enorme pé surgiu. Não era a porta que havia crescido, eu havia diminuído. Desviei do pé para não ser esmagada. Uma grande capa preta repousava sobre os ombro de seja lá quem tivesse entrado. Não consegui ver a pessoa de frente. Talvez, na altura em que estava, nem adiantasse.
O homem sentou em um trono, que ganhou um feche de luz igual ao da porta. Andei um pouco para trás na tentativa de conseguir ver quem estava sentado no trono e tive uma terrível surpresa. Era Bianor.
– Beatriz? – Alexis deu um leve tapa no meu rosto.
– Alexis! – estava assustada – Eu vi.
– Viu o que? – ele perguntou.
– Nada irá adiantar. Nada.
– Do que você está falando garota? – Alexis me segurou pelo ombro.
– Bianor. – respirei fundo – Bianor.
– O que tem Bianor?
– Ele vai... Não, não! – estava assustada demais com a idéia.
– Beatriz, pare com isso! – Alexis gritou – Está me assustando!
– Eu vi Alexis! – disse quase delirando.
– Beatriz – Alexis tentou falar com mais calma – O que você viu?
Neste exato momento a porta se abriu. Quase deu um grito, mas Alexis tapou minha boca. Eu estava com tanto medo e tanto ódio do que eu tinha constatado com o que vi que nada mais parecia estar valendo à pena.
– O que vocês estão fazendo? – Nínive falava baixo – Pude ouvir vocês gritando corredores daqui.
– A Beatriz... – Alexis começou.
– Amiga! – Camila entrou no quarto gritando mais alto do que todos nós – Eu achei que não sairia dessa. Mas eu sabia que você não iria desistir de mim assim tão fácil.
– Amigas são par isso! – sorri sem muita animação – Mas o que aconteceu da outra vez?
– Eu não sei dizer. – Camila coçou a cabeça – Eu estava bem atrás de vocês. De repente... Eu não estava mais.
– O que? – Alexis perguntou.
– Quem é seu novo amigo gatinho? – Camila perguntou.
– Alexis! – corri para abraçar-lo – Mas ele já é meu.
– E o Nicardo? – Camila perguntou.
– Nós terminamos.
Um clima meio estranho ficou pairando no quarto. Nínive parecia não gostar muito do que estava ouvindo e eu provavelmente estava com aquela cara de quem se arrependeu amargamente de não ter medido as palavras antes de proferi-las.
Alexis também pareceu não gostar muito de como tudo aconteceu. Não sei se foi a forma como Nínive olhou ou se foi a cara de espanto da Camila. Talvez as duas coisas ou talvez nenhuma. Palavras não devem ser ditas sem se pensar nas consequências.
– Mas então... Nós dois terminamos. Estamos bem. – tentei corrigir.
– Será que podemos resolver o problema delas logo? – Alexis falou com um pouco de urgência.
– Ah claro! – aproveite a deixa – Você vai fazer do mesmo jeito que da outra vez?
– Sim! – Nínive respondeu – E o jeito mais seguro. Só eu tenho acesso aquela passagem.
– Que passagem? – Alexis perguntou.
– É uma passagem que eu mesma criei. Para emergências. – Nínive respondeu.
– Você criou uma passagem? Dentro do castelo? – Alexis estava confuso.
– Não no castelo. – Nínive sorriu – É uma passagem mágica.
– Mágica? – Alexis quase gritou – Você está querendo dizer que criou uma dimensão?
– Sim. – ela pareceu não entender a surpresa – Você pode ir para qualquer lugar que desejar por essa passagem.
– Mas você tem certeza de que foi você quem criou? – Alexis estava muito desconfiado.
– Por que desconfia tanto? – Nínive realmente parecia não entender.
– Não vem com brincadeira, você não criou isso nunca! – Alexis gritou.
– Alexis!? – também gritei – O que é isso?
– Você realmente acredita nessa história? – Alexis ficou nervoso.
– E por qual motivo não acreditaria? – rebati.
– Nem você que tem metade de todo o poder mágico da minha mãe sabe criar passagem simples, quanto mais passagem tão complexas como essa.
– Mas eu criei sim! – Nínive também ficou nervosa.
– Não me convence! – Alexis continuava irredutível – Você pode até achar que criou, mas você não criou.
– É claro que criei! – Nínive gritou.
– Isso deve ser alguma armadilha. – Alexis cruzou os braços.
– Pare! – eu quem gritei – Já passei por essa passagem antes e posso garantir que ela é segura! Meninas, vocês podem passar.
Neste momento apenas que notei uma garota alta, com um corpo exuberante e longos cabelos loiros e olhos azuis como o mar. Seu rosto tinha um formato bruto, porém atraente. Parecia uma sereia de tão bonita e misteriosa. Era a Layla.
– Desculpe. – disse olhando para ela – Não somos sempre assim. É que o Alexis hoje não está muito bem.
– Nem você! – Alexis interrompeu – Até agora a pouco estava gritando feito louca.
– Ignore. – eu disse – Eu sou a Beatriz. Você deve ser a Layla?
– Sim, sou eu. – ela disse um pouco constrangida – Você me conhece?
– O Nicardo já falou de você para mim. – tentei ser simpática.
– Ele falou? – ela ficou surpresa.
– Falou! – continuei tentando ser simpática.
– Se não estiverem com medo de serem guilhotinados em uma armadilha friamente planejada por mim para matar vocês, eu já posso abria a passagem. – Nínive falou em um tom sínico.
– Sim, estamos todos! – fitei Alexis.
– Eu não vou. – Alexis continuou de braços cruzados.
– Alexis! – o fitei mais cruelmente.
– Não é por causa da passagem. – ele ficou sério – Eu ainda não terminei o que vim fazer.
– O que ainda falta? – perguntei.
– Um pequeno, porém importantíssimo detalhe. – Alexis respondeu – Mas pode ir com elas.
Cheguei mais perto do Alexis e o fiz se abaixar um pouco. Alexis me olhou confuso e eu fui direto em sua orelha e tirei um brinco.
– O que está fazendo? – Alexis gritou.
– Tome! – entreguei a Levinda – Quando vocês chegarem a uma porta, peçam para saírem no castelo da Capital. Acredito que você e a Layla sabem como é o castelo certo?
As duas assentiram.
– Vocês tem que visualizar o castelo para dar certo. – dei dois passos para trás – Mandaria vocês para casa de Neandro, mas acredito que vocês nunca tenham visto a casa. Quando chegarem ao castelo, mostrem esse brinco e eles saberão que vocês foram mandadas por nós.
– Você não vem? – Levinda perguntou.
– E eu posso deixar esse aqui sozinho? – brinquei olhando para Alexis.
– Não precisa disso! – ele estava sério.
– Podem ir tranquilas! – ignorei Alexis – Assim que terminarmos aqui iremos nos encontrar na Capital!
– Tudo bem. – Levinda sorriu.
Nínive abriu a passagem e as três – apesar de temerosas – entraram na passagem mágica.
– Você poderia muito bem ter ido! – Alexis reclamou assim que o portal fechou.
– Até agora você não contou o que você planejou. Eu vejo as coisas acontecerem, acho que entendo, mas preciso ter a certeza de seus planos. Vai que esse último passo é algo perigoso demais para se fazer sozinho?
– Beatriz... – ele sorriu – Eu me cuido muito bem sozinho.
– Ah sei! – debochei – Cuida tão bem que virou um ser do bosque. Mas você é muito mal agradecido. Eu te salvo e você ainda fica com ignorância comigo.
– Desculpe interromper a briga de casal, mas acho melhor vocês saírem daqui logo. – Nínive foi em direção a porta – Já fiz o que tinha que fazer. Agora vocês dois que se virem. Desculpe Beatriz, você é legal.
– Tudo bem! – sorri – Obrigada por ter cuidado da Camila.
– Sem problemas. – ela também sorriu – Mas eu estou falando sério. É melhor saírem.
Eu e Alexis ficamos invisíveis. Eu não o enxergava, mas sentia onde ele estava. Consegui seguir sua presença, mesmo sem ver a imagem. Não sei explicar se isso acontecia com todo mundo que usava magia ou se era apenas uma ligação minha com Alexis, mas eu sentia que ele também sentia a minha presença.
Seguimos por vários corredores e eu estava completamente perdida. Se ao menos soubesse o que Alexis tanto procurava poderia tentar ajudar-lo, mas ele parecia gostar de fazer suspense.
Na verdade eu já havia entendido um pouco o plano dele, mas não tinha certeza se tudo o que eu havia presumido era exatamente o que ele havia pensado. Se tratando do Alexis qualquer coisa é valida.
Continuamos caminhado por vários corredores e quase nos perdemos varias vezes – ou eu quase me perdi varias vezes – até chegarmos novamente ao inicio: A sala do trono.
Alexis parou nas grandes portas da sala do trono e fico ali por alguns segundos. Não sabia ainda o que queria fazer, mas acho que finalmente ele encontrou o que tanto procurava.
Alexis abriu a porta ignorando todos os guardas ali presente. Ele ficou visível e entrou dentro da sala. Fiquei visível e entrei também enquanto os guardas seguiam atrás dele.
– Alexis você está doido? – gritei.
– Parem onde estão! – um dos guardas gritou.
– Beatriz, é aqui! – Alexis parecia ignorar os guardas.
Corri para perto de Alexis, mas um guarda me segurou antes que eu pudesse alcançar-lo.
– Solte-me! – gritei – Alexis o que você quer fazer?
– É aqui mesmo! – Alexis ignorava todo mundo.
– Fiquei ai rapaz! – outro guarda foi em direção a Alexis, que consegui escapar.
Alexis seguiu para o meio da sala, desviando de vários guardas. Ele se abaixou e colocou a mão no chão, bem no centro da sala. Um grande círculo dourado rodeou a sala e foi diminuindo até formar um pequeno círculo em volta da mão de Alexis. O fenômeno se repetiu mais duas vezes.
– O que você está fazendo? – um dos guardas gritou assustado. Ninguém conseguia se mover.
De repente a mão de Alexis começou a atravessar o chão. Quanto mais sua mão era sugada, mas o chão começava a se tornar instável. Varias pequenas ondas começaram a surgir, como quando você taca uma pedra em uma lagoa. Melhor dizendo, o chão estava se transformando em uma lagoa. Estava tudo ficando tão movediço que parecíamos estar em cima de uma grande poça de água. Não demorou muito e começamos a afundar e afundar até todos serem tragados pelo chão. Depois disso não enxerguei mais nada.