Tentar imaginar minha vida sem o Alexis era quase impossível e isso era bem preocupante. Melhor dizendo, era muito preocupante.
Eu sabia que em Ofir eu teria Alexis para sempre, mas e na Terra? Eu teria que voltar para Terra um dia. Como deixar minha mãe para trás. Provavelmente ela deve ter me encontrado desmaiada em minha cama ou talvez pensado que eu desapareci. O que mais ela poderia pensar? Quais são as condições dela agora? Tudo que eu mais quero na vida e ficar ao lado de Alexis, mas não é justo que minha mãe sofra por egoísmo meu.
– Beatriz? – Alexis me acordou dos meus pensamentos – Onde você foi? Seu olhar estava tão distante, parecia que estava a milhas e milhas daqui.
– E eu realmente estava! – fiquei séria – Estou preocupada com minha mãe. Cm o que estão pensando que aconteceu comigo. Da última vez acreditaram que eu havia ficado em coma, mas é agora?
– Eu já disse para você não se preocupar. – ele me abraçou – Mas acho que entendo você. A última coisa que você quer e que sua mãe sofra certo?
Não disse nada, apenas assenti com a cabeça.
– Tudo o que eu menos desejo e ver minha mãe sofrendo. Minha mãe e você, claro. Por isso eu entendo sua preocupação, mas do que adianta? Você não vai poder voltar agora. Pensar nisso só irá te fazer mal.
– Acho que sei. – disse de cabeça baixa.
– Vamos fazer o seguinte? – ele sorriu – Vamos pensar apenas em nós dois por enquanto. Depois a gente pensa no resto.
– Uma hora dessas o pessoal já deve estar em Calidora. – disse lembrando que havíamos fugido – Do jeito que aquele submarino é rápido, não duvido que tenha dado tempo deles resgatarem as garotas e já estar de volta na Capital.
– Será? – Alexis sorriu.
– Eu realmente acredito nisso. – também sorri – Se bobear eles já estão de volta a Calidora só para nós dar uma bronca daquelas.
– Você acha mesmo? – Alexis estava quase gargalhando – Seria ótimo não?
– Por quê?
– Assim nos poupava tempo. – ele voltou a me abraçar – Eu queria mesmo era ter um pouco de paz e sossego para aproveitar com você. Nós dois sozinhos. Agora, se eles tiverem feito isso por nós... Não ligo de levar bronca.
Fiquei observando Alexis olhar o mar. Desde que nos reencontramos, eu tenho sentido o Alexis mudado. Ele parece mais seguro e menos arrogante. Talvez o tempo em que passou como um ser do bosque o tenha feito amadurecer um pouco mais. Porém não era apenas isso que havia mudado, existia algo mais.
– Sabe Alexis. – eu disse – Agora eu vejo o quanto eu senti falta de você, mesmo estando desmemoriada. Você sempre esteve em meu coração. Não sei como eu consegui passar todo esse tempo sem você.
– Bom ouvir isso. – ele me presenteou com seu belo sorriso – Assim não me sinto tão solitário. Também senti muito a sua falta. Não sabe como eu estou feliz em ter você ao meu lado agora.
– Acho que sei sim! – me agarrei em seu braço – E a mesma felicidade que eu estou sentindo agora.
– Eu te amo tanto. – Alexis me abraçou e me beijou.
– Quero ficar bem aqui, ao seu lado, por toda vida. – encostei minha cabeça em seu peito.
No dia seguinte já estávamos em Calidora. Já fim de tarde quando chegamos ao porto local. Haviam guardas para todo lado e eu fiquei muito preocupada. Melhor dizendo, apavorada. Tínhamos nos deixado levar pelas emoções e com essa história de “deixar para depois”, acabamos esquecendo de planejar como desceríamos do navio sem ser percebidos.
– Fique tranquila! – Alexis parecia ler meus pensamentos.
– Como assim “tranquila”? – sussurrei.
– Eles não vão nos ver. – ele segurou firme minha mão – Pelo menos não agora. Ainda não está na hora.
– Como assim “não está na hora”? – sussurrei assustada.
– Eu te explico depois! – ele beijou minha testa.
Sem soltar minha mão durante um único segundo, descemos do navio.
Meu coração estava prestes a parar de tanta aflição. Aparentemente ninguém estava notando a nossa presença e isso – apesar de bom – me incomodava. Parecia que nem estávamos sendo vistos.
– Por acaso estamos invisíveis? – perguntei quase sem emitir som.
– Não. – Alexis respondeu tranquilo.
– Então por que ninguém parece nos notar? – perguntei cochichando.
– Ficar invisível no meio dessa multidão e complicado. – Alexis sorriu – Além de correr risco de trombar com alguém e ser pego, os guardas de Calidora perceberiam um feitiço tão simples como esse.
– Sim, mas ainda não respondeu minha pergunta. – falei um pouco mais alto.
– De certa forma, eles estão nos vendo. – ele sorriu – Mas não é as nossas imagens que eles estão vendo.
– Não entendi nada! – bufei.
– Preste mais atenção em você mesma. – ele continuou sorrindo.
Olhei para mim e não vi nada demais. Até que comecei a notar algo tremeluzindo em todo meu corpo. Pisquei e olhei novamente. Era uma segunda pele. Uma segunda e peluda pele de leão.
– Nós somos Leons? – perguntei.
– Não. – Alexis fez piada – Mas eles acham que somos.
– Mas que ótimo! – fiquei feliz e tentei bater palmas. Alexis segurou firme minha mão.
– Esqueci de dizer um detalhe. – ele me olhou sério – Não solte a minha mão. Essa magia e bem forte e eu sozinho não dou conta. Desculpe, mas estou sugando um pouco de sua energia para fazer a magia. Você não está sentindo tanta diferença por que eu estou usando a magia em você também.
Depois que ele falou, comecei a notar que estava levemente cansada. Meus olhos pareciam não querer ficar abertos, mas eu ainda me aguentava de pé. Não estava exausta e nem com sono, apenas levemente cansada. Mas era por um motivo muito importante.
– Você pretende entrar assim no castelo? – perguntei.
– Não! – ele respondeu sério – Nem eu e nem você agüentaríamos gastar tanta energia assim. Nós iremos de cara limpa.
– Você quer dizer, sem nenhum disfarce ou feitiço? – perguntei assustada.
– Sim! – ele respondeu sem reação.
– Mas nós seremos presos na mesma hora! – falei um pouco alto.
– Shhh! – Alexis colocou o dedo indicador na frente da boca – Eles podem não estar prestando atenção na nossa conversa, mas se falar alto demais eles podem nos ouvir. Nós iremos de cara limpa. Sem disfarces, sem feitiço. Apenas nós. Eu quero ser pego! E de preferência ser entregue a Bianor.
– Você enlouqueceu? – gritei.
– Tudo bem, eu não irei responder mais nenhuma pergunta sua. – Alexis fez sinal de que tinha trancado a boca.
– Desculpe. – falei mais baixo – Mas isso é loucura.
– Quando chegar o momento, eu te explico! – Alexis me fitou repreensivo.
Eu realmente iria querer uma explicação. Uma boa explicação. O que exatamente ele estava querendo se arriscando tanto assim? Tudo isso por causa das meninas? Acho que não. Mas então o qual outro motivo Alexis estava fazendo todo aquele plano arriscado?
Quando saímos das vistas dos soldados, Alexis soltou minha mão e de imediato eu senti um forte cansaço e um baque muito grande. Foi algo parecido com o que se senti quando estamos carregando algo muito pesado junto com outra pessoa e essa pessoa acaba, por algum motivo, jogando todo o peso para você por alguns instantes.
Alexis também parecia ter sentido o mesmo, mas em proporções bem maiores. Ele estava ofegante e parecia estar suando, mas logo voltou ao normal. Ou pelo menos aparentou ter voltado ao normal.
– Acho que Neandro e Cia não deram as caras por aqui. – Alexis vigiava as ruas.
– Talvez estejam em outro lugar. – disse seguindo-o – Ou talvez realmente não vieram.
– De qualquer forma nós teremos que ir para o castelo. – Alexis continuava vigiando a rua.
– Agora que estamos longe da grande multidão, será que você poderia me explicar o que pretende fazer? – perguntei autoritária.
– Não agora. Depois. – ele olhou rapidamente em meu rosto e depois voltou a vigiar.
– Mas talvez fosse mais útil eu saber de tudo agora! – continuei autoritária.
– Quer esperar um pouco?! – ele me segurou pelo braço e me puxou para trás de uma grande árvore.
– O que foi? – cochichei.
– Leons. – ele apontou com os olhos.
Dei uma leve espichada com o pescoço e vi três Leons caminhando pela rua. Era engraçado como que em Calidora e Neide seres como aqueles caminhassem livremente. Eu não acharia nem um pouco normal. Apesar de que, em Ofir, nada é realmente normal. Já era para eu ter me acostumado.
Chegamos ao castelo sem ser vistos. Eu continuava sem uma explicação e ainda não tinha achado um sentido nas atitudes de Alexis. Não sei se eu estava exagerando, mas o fato e que eu estava muito aflita. Talvez fosse o fato de eu estar com muito medo de perder novamente o Alexis.
– Pronto, chegamos. – disse tentando me esconder atrás dos grandes portões – O que vamos fazer agora?
– Vamos entrar! – ele disse como se fosse algo super obvio e simples.
– Assim? – olhei-me de cima a baixo.
– Eu disse que entraríamos sem disfarces e sem magia. – ele sorriu.
– Mas isso é loucura! – tentei segurar-lo – Nós seremos presos!
– Mas ainda não entendeu que é essa a intenção? – ele me fitou sorridente.
– Isso é muito maluco. Muito arriscado! Não sei se...
– Beatriz, você não confia em mim? – ele fez um olhar de “anjinho”. Quem conseguiria resistir aquele olhar?
– Confio. – sorri, apesar de estar um pouco aflita – Não muito, mas confio.
– Eu juro que tenho um bom plano. – ele me beijou – Não tenha medo!
– Se você está falando... Vamos lá! – disse me rendendo.
– Mas antes... – Alexis se abaixou, pegou um punhado de areia e colocou dentro de um saco de pano – E com isso que iremos fugir.
Olhei para Alexis sem entender, mas deixei passar.
Alexis pediu para entrarmos como se tivéssemos tentando invadir o local, mas de uma forma bem fácil e com todas as chances de ser pego. A intenção ali era entrar no castelo como prisioneiro e não como invasor.
Voamos por cima dos grandes portões e tentamos entrar pendurados nas correntes que seguravam o portão principal. Poderia ser uma forma de entrar no castelo, mas de jeito nenhum teria como não ser percebido.
Não demorou muito para os guardas nos achassem e começassem a atirar flechas em nossa direção. Fingimos cair. Os guardas correram e nos pegaram no mesmo instante. Estava me sentindo ridícula sendo presa por uma invasão tão mal elaborada.
Os guardas nos levaram imediatamente para a sala principal, onde deveria ser o salão real, onde o rei ficava para reuniões e para receber visitas relacionadas a assuntos do reino. Nem me espantei quando vi quem estava sentado no trono do rei.
Calidora havia sido o primeiro reino a se juntar a rebelião e um dos primeiros a dar apoio a Bianor. Era muito mais que esperado que Bianor estivesse no controle, mesmo que não tenha sido apresentado oficialmente como novo rei de Calidora.
– Mas o que temos aqui? – Bianor sorria maliciosamente – Príncipe Alexis. A que devo a honra de sua tão ilustre visita?
– Não seja cínico. Por mais que cinismos e hipocrisias sejam exatamente a sua cara, não fica bem quando é tão deslavado. Chega a ser ridículo.
– Obrigado pelo conselhos – Bianor nos fitou e seus olhos mudaram de cor. De verdes, passaram a dourados – mas eu irei recusar. Gosto do meu estilo.
– Acredito. – Alexis estava calmo.
– Quando disseram que era você eu quase não acreditei. E quando disseram a forma como foram capturados... Que ridículo! Tentando entrar pelas correntes do portão.
– Foi um descuido nosso. – Alexis continuava calmo.
– Agora eu que peço para não ser cínico. – Bianor começou a gritar e seus olhos se tornaram vermelhos – Acham que sou imbecil? Pelo que me tomam? Eu sou o maior mago que existe, não pensem que eu vou cair nessa história. O que vocês querem?
– Você não é o todo poderoso? – Alexis agora falava com deboche – Descubra você mesmo! Leia nossas mentes! Saiba se realmente armamos tudo isso! Ah, esqueci, você não pode. Mesmo tendo todo esse poder, você não pode conseguir um dom.
– Dom? – perguntei mais para mim mesma. – Tem certas magias que apenas uma pessoa, ou um pequeno grupo de pessoas geralmente da mesma família, podem ter. E mesmo que você conseguisse ler nossas mentes, não pode se vangloriar de ser o mais poderoso dos magos. Dâmaris foi quem te deu esse poder e ele pode tirar com a mesma facilidade.
– Mas para isso alguém tem que pedir. – Bianor ficou serio. Seus olhos continuavam vermelhos, porém mais claros passivos. – E os cristais foram destruídos por mim. Eu já tenho o que queria, não precisaria daquilo.
Bianor se aproximou de mim e levantou meu rosto segurando-me pelo queixo, mas sem encostar em mim, apenas usando magia. Ele era bem exibido.
– Agora eu estou reconhecendo você garota. – ele sorriu – Você é a Mallory.
– Deixe-a em paz! – Alexis me puxou para perto dele.
– Deixar-la em paz? – os olhos de Bianor ficaram roxos e ganharam um brilho de insanidade – Essa garota está predestinada a me destruir. Eu devia matar-la neste exato momento. Mas eu irei poupar-la. Na verdade eu serei piedoso com vocês. Deixarem que morram juntos. Um do lado do outro. Estou sentindo que vocês estão selados para toda a vida. Muito bem, acho que irei abreviar essa vida.
– Incrível não? – Alexis voltava com seu tom debochado – Tanto poder dentro de si e já há tanto tempo e ainda não aprendeu a usar e administrar-lo por completo. Aposto como desmaia muitas vezes. Ser o mago mais poderoso do mundo pode ser um fardo muito pesado para um corpo tão frágil quanto o seu.
– Cale-se! – Bianor bateu no rosto de Alexis usando magia ele parecia transtornado. Seus olhos mudavam de cor várias vezes – Leve-os daqui! Amanhã eu mando cuidar de vocês. E eu não terei um pingo de piedade. Quero que cortem as cabeças dos dois. Colocarem na parede do meu quarto como troféus de mais uma batalha vencida.
– Batalha que você irá perder mesmo que nos mate. Esse guerra já é perdida para você de qualquer forma. O que você irá fazer com um reino arruinado e destruído?
– E quem disse que eu quero destruir o reino? – Bianor soltou uma gargalhada – Acha que eu sou o que? Um vilãozinho de conto de fadas? Meus planos para Ofir são bem maiores que apenas destruir.
– Eu imaginei. – Alexis ficou sério – Posso te fazer uma pergunta?
– Aproveite enquanto pode! – Bianor falou nervoso.
– Onde está minha mãe? – Alexis perguntou – Sei que ela não morreu.
– Espertinho você não? – Bianor sorriu – Nos vemos amanhã.
– E a minha resposta? – Alexis perguntou antes de Bianor sair.
– Eu disse que poderia perguntar, não prometi uma resposta. – Bianor ficou parado na frente da porta – Mas se fosse você eu tomava cuidado onde você pisa.
Fomos levados mais uma vez para os calabouços. Na verdade eu fui levada novamente para os calabouços. Era um pouco estranho estar ali de novo. A primeira vez que entrei em contato com Alexis foi ali e aqui estava eu novamente e com ele ao meu lado. Não sei nem se podia achar graça disso.
– Será que agora você pode me explicar o que está acontecendo? – perguntei quando as luzes foram apagadas.
– Fique tranquila, o plano esta seguindo como o planejado! – ouvi apenas a voz de Alexis.
– Mas será que é tão difícil me dizer o que está planejando? – perguntei, mas fui ignorada.
Vi o vulto de Alexis pegando alguma coisa. Meus olhos ainda estavam um pouco confusos na escuridão, mas aos poucos foi se acostumando com manto negro que aquilo se tornava quando apagavam as luzes.
– Muito bem. – fiquei irritada – Deixe-me sem saber dos planos. Mas depois, se eu fizer algo que nos prejudique por não saber exatamente o que estamos fazendo, não reclame. Não reclame, ouviu?
– Ouvi e entendi. – consegui ver a silueta de Alexis na escuridão – Mas nada do que você faça irá atrapalhar os planos. Já estamos na parte final dele.
– Parte final? – perguntei nervosa – Estamos presos!
– Mas vamos fugir! – Alexis pareceu sorrir.
– Como?
– Lembra do punhado de areia? – ele realmente devia estar sorrindo. Isso só podia ser uma piada.
– Você está falando sério? – perguntei.
– Fogo, por favor. – ele abria o saco de pano.
Fiz uma pequena chama de fogo com a mão e consegui ver melhor o rosto de Alexis e o saquinho de pano cheio de areia. Era impossível imaginar que aquilo nos ajudaria a fugir.
– Beatriz, apenas veja!
Alexis tirou um pouco de areia do soco e estendeu a mão, colocando-a na frente da chama de fogo. Alexis soprou levemente os grãos de areia, que atravessaram a chama de fogo. Inicialmente eu não vi nada, até olhar mais atentamente para trás.
– O que é isso? – me espante.
– Uma replica exata minha! – ele sorriu – Claro, é inanimada. Mas até eles repararem nisso já estaremos longe.
Alexis pegou outro punhado de areia e novamente soprou na frente da chama de fogo, mas desta vez foi uma replica minha que apareceu.
– Mas como...
– Depois eu explico! – Alexis me interrompeu.
– Isso já está ficando chato! – disse emburrada.
– Sem dramas, vamos sair logo daqui!
Alexis estiou bem a palma da mão e colocou na frente do portão que começou a gemer e entortar até abrir passagem para que pudéssemos sair. Alexis me mandou sair e depois saiu fazendo as grades do portão voltarem ao normal.
– Você realmente terá muitas coisas para me explicar! – sussurrei.
– Sim, mas...
– Deixa-me adivinhar? – o interrompi – Agora não, depois?
Alexis sorriu e apagou a chama que ainda estava na minha mão. Saímos dos calabouços.