Seria cruel demais eu prolongar essa difícil decisão? Seria essa realmente uma difícil decisão? Por que essa confusão em minha mente? Eu gostaria de entender o que se passa comigo nessas horas. A indecisão e tão grande, tão forte que não sei até que ponto vai a minha coragem nesta situação.
Se outra pessoa estivesse me contando esse caso ou mesmo se estivesse assistindo essa situação em um filme ou livro eu diria “Essa garota é uma completa retardada!” e ainda completaria com “Se estivesse no lugar dela eu já teria dado um pé nele!” Mas não é assim tão simples na prática. Melhor dizendo, o que é simples na prática?
Eu sei o que quero e sei o que devo fazer, mas imaginar que alguém terá o coração partido por minha culpa é muito ruim. É realmente muito, muito ruim. Por que as decisões mais importantes são sempre as mais difíceis?
– Você está bem? – Tales perguntou.
Eu estava deitada debaixo da grande árvore da casa de Neandro naquele momento. Era fim de tarde e o céu estava ganhando aquele tom alaranjado de quando o sol está se pondo. Um vento fresco fazia algumas folhas caírem e o dia emanava paz e tranquilidade. Era um dia perfeito e para Tales fazer esse tipo de pergunta era porque eu devia estar péssima.
– Eu estou! – menti – Por que eu não estaria?
– Sei lá... Você parece meio... Morta! – eu realmente devia estar horrenda.
– Acho que é impressão sua! – dei um sorriso e me levantei – Você às vezes tem cada uma.
– Sei... – ele me fitou com um sorriso debochado no canto da boca.
– Está desconfiando de mim? – tentei parecer descontraída.
– Imagina! – ele parecia tentar não parecer debochado.
Fiz língua para ele e voltei para dentro de casa. Ouvi algumas risadas antes de entrar e esperava que ele me deixasse em paz. A última pessoa com quem eu gostaria de conversar sobre esse assunto é o Tales. Ele leva tudo na brincadeira. Ele só é serio quando tem que ser o comandante-capital-general-e-mais-qualquer-outro-título.
A noite não demorou muito a chegar. Do meu quarto eu via as três grandes luas mais uma vez. Existia algo mágico nelas que me acalmava. Estava esfriando, mas eu não estava me apegando a esse fato. A única coisa que pedia era coragem para o eu estava prestes a fazer e que tudo acabasse da melhor forma possível para mim e para o Nicardo. Principalmente para o Nicardo.
Thalassa continuava dormindo comigo e os meninos continuavam na sala. Linfa e Neandro pareciam não se importar com a casa cheia, pelo contrario, eles pareciam estar mais que satisfeitos. Tales, Cosmo e Nicardo e que pareciam ao estar muito felizes em ter que revezar o sofá, mas no fim todos se entendiam de alguma forma.
– Nossa Beatriz, você está péssima! – Thalassa se assustou quando entrou no quarto.
– Está tão visível assim? – perguntei triste.
– Está quase escrito em sua testa. – ela balançava os cabelos com as mãos.
– Então é pior do que eu pensava. – constatei.
– E sobre você o Nicardo e o Alexis? – ela perguntou.
– Vai me dizer que isso também está escrito na minha testa? – perguntei tapando minha testa com a mão.
– Sim. – ela sorriu.
– Acho que me testa é maior do que eu imaginava. – tentei encarar com humor – Vou começar a usar lenços!
– Você quer falar sobre isso? – ela perguntou.
– Sobre eu usar lenços? – rebati.
– Não sua boba! – ela sorriu – Sobre você, o Nicardo e o Alexis.
– Tem certeza que quer me ouvir? – torci o nariz.
– Se quiser falar...
– Thalassa eu estou totalmente perdida! – sai da janela – Eu sinto como se estivesse cometendo um crime. Eu sei exatamente o que fazer, mas não consigo. É como se algo me prendesse e de repente e eu me visse atada e impotente. Isso é terrível.
– Terrível e estranho! – Thalassa me fitou séria – Você está apaixonada, ou melhor, sempre foi apaixonada pelo Alexis. Eu sei que o Nicardo é um anjo, mas ele também é grande o suficiente para aguentar o término de um namoro. Você não devia estar assim, a menos que...
– A menos que o que? – desconfiei do que ela iria falar.
– A menos que seus sentimentos pelo Nicardo sejam maiores do que o que você julga ser.
– Confesso que fiquei mexida com o Nicardo, mas era por que ele me lembrava o Alexis! – respondi – Sempre que u olhava para ele, era o Alexis que eu estava buscando inconscientemente. Eu amo o Alexis.
– Então por que hesita tanto? – Thalassa perguntou novamente séria.
– Eu já disse, eu não sei exatamente! – respirei fundo – É como se algo dentro de mim dissesse que eu irei me arrepender de terminar com ele.
– Então você tem sentimentos maiores pelo Nicardo? – Thalassa perguntou.
– Não! – me entristeci com o que ia dizer – Acho que é algo bem pior e bem mais nefasto do que eu possa aguentar assumir. Acho que eu tenho pena do Nicardo. Talvez seja isso que me faz hesitar tanto.
– Pena? – desta vez ela sorriu. – Beatriz ele não vai tentar se suicidar e nem vai entrar em depressão profunda por causa disso. Aposto como ele se sentirá bem melhor em ver você feliz com o Alexis do que infeliz ao lado dele.
– O Cosmo também me disse isso! – pensei alto.
– Você anda se aconselhando com o Cosmo? – Thalassa perguntou levantado uma sobrancelha.
– Também não sei como isso aconteceu, mas ele tem dado bons conselhos! – respondi.
– Disso eu não tenho dúvida. – ela me fitou de modo estranho – Mas vocês conversaram apenas sobre isso certo?
– Sim! – respondi sem entender – Mas por que a pergunta?... Espera um segundo!
– O que? – Thalassa perguntou assustada.
– Você está gostando dele! – falei alto.
– Silêncio! – ela tapou minha boca – Quer que a casa inteira escute?
Fitei-a provavelmente com os olhos brilhando. Ela ainda estava com a mão na minha boca e olhando para a porta como se esperasse que alguém a abrisse e dissesse algo sobre a minha declaração. Quando viu que aparentemente ninguém havia ouvido, Thalassa tirou a mão da minha boca.
– Então é isso! – disse baixinho – Você gosta do Cosmo!
– Tudo bem. Não vou negar! – Thalassa respirou fundo – Eu estou apaixonada pelo Cosmo!
– Mas como foi isso? – perguntei.
– Pouco depois de nos conhecermos. – ela sorriu – Eu estava o observando trabalhar em uma de suas invenções e de repente senti que poderia fazer aquilo pelo resto da vida.
– Que lindo! – quase bati palmas. – Eu senti um aperto no coração e uma vontade louca de dizer a ele tudo o que estava sentindo e beijar-lo como se precisasse disso para respirar.
– E por que não fez? – perguntei.
– O Cosmo não me vê dessa forma! – ele suspirou – Para ele eu sou apenas uma amiga. Uma irmã postiça e nada mais. Ele nunca me viu como mulher.
– E você tem tanta certeza assim por que mesmo? – brinquei.
– Ele já teria dito alguma coisa se tivesse alguma intenção. – ele fitou a cama.
– O Cosmo? – desta vez eu que achei graça – Olha, eu o conheço há pouco tempo e não sei tanto dele quanto você deve saber, mas o Cosmo não parece do tipo que fala esse tipo de coisa.
– Como assim? – Thalassa perguntou interessada.
– Ele é um eterno tímido! – respondi – Ele poderia ficar anos tentado juntar coragem para dizer que mesmo assim ele não conseguiria.
– Você acha? – ela perguntou ainda mais interessada.
– É claro! – fui segura na resposta – Eu conheço muitos garotos como o Cosmo. Você precisará tomar essa atitude.
– Mas e se ele não for assim tão... tímido? – ela juntou um pouco mais o rosto dela com o meu – Se ele realmente só me vê como uma amiga?
– Você terá que arriscar! – fui sincera – Mas se quiser se sentir mais segura, repare nas atitudes dele. Um olhar, um ato, um sorriso. Quando uma pessoa está interessada, tudo é feito de forma diferente. Talvez ele pense o mesmo de você ou está dando várias dicas, com certa sutileza, e você nem repara.
– Será? – ela perguntou mais para si mesma.
– Pode apostar! – sorri – Faça o que eu disse, comece a reparar mais nele e depois tome sua decisão. Sua felicidade só depende de você! Nossa está ficando frio aqui dentro!
– Sábias palavras! – Thalassa sorriu – Faço minhas as suas palavras quanto ao seu caso.
– Que palavras? – perguntei – “Nossa está ficando frio aqui dentro?”
– Não! – ela sorriu – Sua felicidade só depende de você!
Rimos juntas e eu fui fechar a janela. Não era por acaso que o quarto estava esfriando. Deitei em minha cama e fiquei esperando o sono chegar. Apesar do meu principal “problema” não me deixar em paz, o sono não demorou muito em me pegar e quando menos percebi já era de manhã.
O dia começou chuvoso e isso era um péssimo sinal. Fui tomar café com os outros. Eu havia sido a última a acordar.
– Bom dia! – disse ainda sonolenta.
– Bom dia! – todos responderam quase ao mesmo tempo.
– Sente-se Beatriz! – Linfa estava sorridente – Acabei de assar um pão! Está quentinho!
– Obrigada Linfa, mas eu vou beber apenas um suco! – bocejei.
– Tem certeza? – Linfa colocou o pão na mesa.
– O cheiro está maravilhoso, mas tenho certeza! – sorri – Hoje eu não estou com muita fome.
– Se prefere assim... – Linfa sempre sorridente.
– Então Thalassa, pensou sobre o que conversamos ontem? – perguntei pegando um copo.
– O que vocês duas conversaram? – Tales perguntou debochado.
– Coisas de menina! – respondi com certo tom de grosseria e implicância.
– Já sim! – Thalassa respondeu um pouco constrangida – Vou fazer o que disse. Mas é você? Pensou no que eu te falei?
– Me deixa adivinha. – Tales sorriu – Coisas de menina!
– Exato! – respondemos as duas ao mesmo tempo.
– Ótimo! – Tales bufou – Não estava querendo saber mesmo.
– Sei... – sorri – Mas ainda não. Estou quase. Acho que de hoje não passa.
– De hoje não passa o que? – Nicardo entrou na cozinha.
– Coisas de meninas! – Tales debochou.
Cosmo me olhou intrigado. Bebi o suco e segui para varanda – lugar onde estava ficando acostumada a pensar. Cosmo me seguiu.
– Você estava falando do Nicardo certo? – ele perguntou.
– Sim. – respondi sem expressões.
– Mas o que ainda você precisa pensar? – ele perguntou.
– Honestamente, eu já não sei mais. – suspirei – Não sei s u realmente não quero fazer isso ou se eu coloquei na cabeça que não podia. Eu já não compreendo esse minha relutância.
– Mas você disse que de hoje não passa. – Cosmo se sentou ao meu lado – Isso quer dizer que você está quase decidida.
– Eu acho que já estou decidida! – disse fitando o chão – Apesar de não entender o que me faz ficar presa ao Nicardo, acho que vocês estão com a razão. Nicardo vai sofrer muito mais se eu continuar com isso. E ainda corro o risco de perder o Alexis. Ou seja, não adianta nada ficar adiando algo que deveria ter sido feito no mesmo momento. Não há motivos para isso.
– Que bom que está chegando a uma conclusão! – ele sorriu – Era sobre isso que estava conversando com Thalassa?
– Sim! – notei certo interesse que nunca havia percebido – Pensa que só você é meu conselheiro? Eu preciso de uma segunda opinião. Confesso que ás vezes até uma terceira.
– E vocês conversaram só sobre isso? – ele perguntou.
– Só! – provoquei – Ela deveria falar sobre alguma outra coisa?
– Não. – ele ficou constrangido – Só perguntei por perguntar.
– Vamos falar sério! – fui direta. Esqueci que com o Cosmo essa era a pior estratégia – Você está gostando da Thalassa?
Neste momento seu rosto ficou vermelho sangue. Seus olhos se esbugalharam e ficaram ainda maiores atrás das lentes do óculos. Ele começou a suar e suas mãos ficaram tremulas.
– E-e-ela reparou e-e-em algo? – ele perguntou – Digo... E-e-ela achou alguma coisa e-e-estranha e-e-em mim? Olha, se-se-se ela di-di-di-disse alguma coisa foi um ma-mal...
– Calma! – sorri – Ela não achou nada estranho e nem comentou nada sobre você.
– E-e-e-então por que a pergunta? – ele estava nervosíssimo.
– A sua reação já responde. – continuei sorrindo.
– Eu estou... Eu vou... Eu.... – ele suspirou – Isso é um a-a-absurdo! Ela é só uma a-a-amiga!
– Tem certeza? – perguntei.
– Tenho! – ele tentava não gaguejar.
– Tudo bem, acredito. – menti – Mas não conversamos só sobre isso. Nós também conversamos sobre homens tímidos. Sabia que ela está apaixonada por um carinha.
– Q-q-que carinha? – ele se levantou
– Um carinha. – sorri maliciosamente – Ela disse que está gostando dele. Mas acho que se algum outro carinha se declarar para ela... Esquece, você não gosta dela mesmo.
– Espere! – ele mordeu a isca – Agora eu quero saber!
– Por quê? – perguntei.
– Vai me contar ou não? – ele estava realmente nervoso e aflito.
– Bem, eu acho que se alguém se declarar para ela, Thalassa esquece rapidinho esse carinha e fica com aquele que já se declarou. Mas acho que esse carinha, se ele aparecer, tem que agir depressa. Eu não sei até quando o outro carinha vai ficar indeciso para pedir para namorar com ela.
– Espero que o carinha faça alguma coisa! – ele disfarçou.
– Eu também espero! – disse fitando-o sugestivamente.
Nicardo saiu e eu imediatamente e levantei. Cosmo viu o que eu estava prestes a fazer e entrou para casa de Linfa. Ficamos apenas eu e Nicardo. Respirei fundo e quebrei o silêncio súbito que nasceu no momento:
– Eu preciso conversar com você!
Fomos até a grande árvore e nos sentamos. A chuva – que havia dado uma trégua – voltou como se soubesse que estava prestes a acontecer. Respirei profundamente antes de continuar a conversa.
– Eu acho que já sei o que você quer falar comigo. – Nicardo me olhava triste.
– Como? – perguntei.
– “De hoje não passa” – ele deu um sorriso pequeno – Não foi isso que disse quase agora?
– Nicardo, eu não queria...
– Eu sei que você não queria. – ele ficou sério – Eu sei que você evitou e sei até que o Alexis te deu um intimado, alias, isso é típico dele.
– Mas como? – estava espantada.
– Esqueceu que eu posso sentir o que os outros ao meu redor sente? – seus olhos estavam cheios de tristeza.
– E por que não disse nada? – perguntei.
– Essa é uma coisa que apenas você poderia fazer. – ele tentou sorrir – Eu não podia fazer nada.
– Nicardo...
– Vamos tentar acabar isso em paz? – ele sorriu de verdade – Sem palavras, sem magoas.
– Nicardo...
– Beatriz, eu te amo demais. – ele estava quase chorando – Eu te amo tanto que não suportaria viver com você infeliz. Seria um ato de extremo egoísmo da minha parte. No fundo eu já sabia que não poderia te ter para sempre.
– Nicardo...
– Não. – ele colocou o dedo indicador na frente da minha boca – Não precisa dizer nada. Eu não queria ter uma chance com você. Não queria te ter por algum tempo e depois te perder. Eu sabia que se fizesse isso eu não iria suportar a abstinência de te ter quando você se fosse. Mas a minha vontade de ter você por algum tempo, mesmo que pequeno, acabou falando mais rápido e eu esqueci que o que estava tentando fazer era me proteger deste sentimento que estou sentindo agora.
– Nicardo...
– Eu só quero dizer que eu não irei impedir você de nada. Eu não tenho esse direito. Eu...
– Nicardo! – desta vez eu que pedi o silêncio dele – Eu não queria fazer isso por que sabia que o resultado seria esse. Eu não suporto a idéia de te magoar e não suporto a idéia de saber que você está sofrendo por minha causa.
– Mas não é por sua causa! – ele segurou minha mão – Eu sabia o que me esperava. Eu que não fui forte o suficiente para resistir a você. Eu procurei por isso.
– Não Nicardo!
– Sim! – ele fitou o chão – A culpa é minha. Mas eu prometi uma separação sem palavras e acabei dizendo mais do que devia. Desculpe.
– Nicardo...
– Eu só espero que não fique com raiva de mim.
– Ficar com raiva? – eu estava chorando – Nunca ficaria com raiva de você. Apenas de mim.
– Acho que já falamos demais! – Nicardo estendeu a mão direita – Amigos?
– Amigos! – apertei a mão dele.
Abraçamos-nos e, como se realmente soubesse, a chuva parou novamente.