Meu braço começou a arder novamente. Precisava achar rápido aquelas ervas. Meu braço parecia muito bem para quem via superficialmente. Ela até tinha começado a cicatrizar. Mas por dentro, a dor beirava ao insuportável às vezes. Mas eu não posso demonstrar. Principalmente pela beatriz. Ela já está tão preocupada com tantas coisas, não posso dar mais preocupações para essa menina enjoada que eu tanto amo.
Ficava imaginando os homens de Tales. Alguns estavam feridos com gravidade. O que estava acontecendo com aqueles homens? E qual seria esse maldito segredo que o Tales tanto esconder? Isso está parecendo àquelas histórias que Beatriz sempre me conta. Como é o nome mesmo? Novelas!
Corri para o submarino. Eu precisava avisar o que Astra havia me contado, mas sem deixar que eles percebam que foi uma das grandes divindades guardiãs de Ofir que me deixou atualizado sobre as ultimas noticias.
Nunca entendi o motivo, mas apenas poucas pessoas poderiam ver os guardiões. E eu sou uma delas. Não entendo também o motivo de não podermos revelar que vemos as divindades, mas isso pouco me importa. Na verdade tudo o que eu mais queria era para de ser perturbado por essa cobra gigante.
– Alexis – Neandro me viu entrando – Onde estava?
– Tomando o um ar. – disfarcei. Mas de certa forma não era mentira.
– Desde ontem à noite? – Nicardo desconfiou – Não te vi entrar.
– Vai ficar me vigiando agora cabeça de pedregulho? – zombei – Eu fiquei observando as estrelas e acabei pegando no sono.
– Você realmente parece ter dormido ao relento. – Neandro sorriu – Melhor, você parece nem ter dormido.
– Mas dormi. – mudei minhas expressões. Fiquei sério – E tive um sonho, não, revelação.
– Que você é um príncipe muito implicante? – Nicardo também aproveitava a ausência de Beatriz para zombar de mim.
– Não. – respondi – Se o que eu tivesse para falar não fosse tão sério eu te daria uma resposta.
– Então diga logo. – Neandro ficou preocupado.
– A Beatriz está sendo mantida prisioneira. – disse.
– Os guardas a pegaram? – Neandro arregalou os olhos – E Linfa? Thalassa?
– Elas estão bem. – tranquilizei – Elas foram mandadas de volta para a Capital.
– Por quem? – Neandro perguntou.
– Bianor. – continuava muito sério – Ela caiu em uma armadilha e agora está presa em uma dimensão paralela.
– Eu realmente gostaria de saber como Bianor aprendeu a fazer isso mesmo antes de se tornar o mago mais poderoso de Ofir. – Neandro socou a própria mão.
– Isso eu não sei responder – continuei explicando – mas acho que é o de menos neste momento.
– Mas como vamos resgatar-la? – Neandro perguntou.
– Não podemos. – disse de cabeça baixa – Apenas Beatriz pode encontrar o caminho para sair de sua prisão. Pelo que pude entender o espelho que foi usado para transportar-la se encontra em outra dimensão paralela.
– Bianor pensou em tudo. – Neandro baixou a cabeça, mas logo a levantou novamente como se tivesse se lembrado de algo – Aquela passagem...
– Muito provavelmente era a armadilha que o meu sonho falava. – conclui o pensamento de Neandro.
– Isso é péssimo. – Neandro socou a mão novamente – Era para se desconfiar.
– Mas espere só um segundo. – Nicardo interrompeu – Como você tem certeza de que isso não foi apenas um sonho?
– Eu tenho certeza! – fui direto.
– Acho que podemos confiar. – Neandro veio em minha defesa – Não é a primeira vez que Alexis tem esses tipos de revelação. E em todas ele estava correto.
– Então a situação é realmente séria! – Nicardo ficou preocupado.
– Eu já disse que sim. – tentei não parecer arrogante em respeito à situação.
– Então precisamos fazer alguma coisa. – Nicardo parecia desesperado.
– Mas apenas Beatriz pode se libertar. – disse.
– E você vai se deixar parar por isso? – Nicardo me afrontou – Alexis, eu não estou te reconhecendo.
Era terrível ter que admitir, mas Nicardo tinha razão. O que eu estava fazendo? Beatriz precisa de mim. Dane-se o que Astra disse, eu vou atrás de Beatriz seja onde for. Ela nunca me abandonou, mesmo quando não se lembrava de mim. Eu não irei abandonar-la agora. Nem agora e nem nunca.
– O que todos nós estamos esperando? – perguntei.
– E isso que eu queria ouvir! – Nicardo sorriu.
– O que vocês pretendem fazer? – Neandro perguntou.
– Acha uma forma de encontrar aquela passagem novamente. – respondi.
– Mas isso é impossível. – Neandro quase gritou – Apenas Bianor tem acesso a ela.
– E isso vai nos impedir de tentar? – perguntei.
– Tentar o que? – Amadeus já veio meter o nariz na história.
– Não é da sua conta. – quase gritei.
– Alexis! – Neandro disse em tom de repreensão – Achei que você tivesse mudado um pouco. Amadurecido.
– Desculpe – sorri – certas coisas nunca mudam.
– Claro. – Nicardo revirou os olhos – Falou o rei da prepotência.
– Não venha com essa de... Esquece. – disse suspirando – Temos coisas mais importantes para fazer agora.
– Mas será que alguém pode me explicar o que está acontecendo? – Amadeus perguntou.
Explicaram toda a história para Amadeus e seguimos em busca da passagem. Seguimos em direção a cidade, mas algo acabou me chamando atenção.
Era uma flor de cor avermelhada e com as pétalas em formato de triângulo. Não tinha cheiro, apenas beleza. Era a flor que tanto procurava. Por um instante acabei deixando a minha atenção se prender na flor e esse foi meu erro.
– Pessoal, vejam isso! – segui um pequeno rastro – Pessoal? Espere. Onde eu estou?
Estava no meio de uma floresta de pedras. Eram pedras para todos os lados. Nunca havia reparado aquele local e nem sabia dizer se surgiu antes ou depois de Bianor tomar o poder.
Tentei achar meu caminho de volta, mas acabei encontrando mais rastros e resolvi seguir-los. Os rastros ficavam mais visíveis no decorrer do caminho e pareciam ter sido escondidos de forma infeliz.
– Para onde isso leva? – estava curioso – Beatriz me perdoe, mas sinto que isso pode ser importante.
Continuei seguindo os rastros até parar na entrada de uma caverna. Era uma caverna muito grande e não parecia receber visitas há um bom tempo – se é que podemos reparar quando uma caverna recebe ou não visitas com frequência.
A Caverna era na verdade um tipo de precipício. Por pouco não cai rumo ao desconhecido. Mas algo me chamava para baixo. Era uma certeza de que seria necessário ir até o fundo da caverna. Como se isso fosse nos ajudar de alguma forma.
Notei que havia uma escada esculpida nas pedras. Uma longa escada. Longa e perigosa. Perigosa demais para se descer sozinho. Mas o que é altura para alguém que pode voar?
Quanto mais descia, mas escuro ficava. Isso era óbvio. Mas eu conseguia ver pequenos focos de luz. Quando cheguei ao fundo notei que os pequenos focos de luz eram lanternas penduradas. Eram apenas duas, mas podia ver que mais a frente tinha outras.
Continuei seguindo os rastros que podia achar – que no caso eram as lanternas. Elas ficavam cada vez maiores e em maior número. E tive uma grande surpresa quando cheguei ao fim do caminho. A caverna escondia uma vila. Uma vila consideravelmente grande.
As casas eram feitas de pedras e madeira. Havia caminhos de terra cercados por pequenas pedras. As pessoas vestiam roupas largas e finas, como nas ilustrações que via nos livros da época em que Ofir era dominada por indígenas. Não demorou muito para descobrir o motivo das roupas. Apesar de ser uma caverna, lá era quente. Inexplicavelmente quente.
Minha presença logo foi notada e todos da vila se prepararam para atacar. Já senti as dores no braço devido aos esforços que fiz, desobedecendo as ordens médicas. Agora a dor voltava apenas de ver aquele povo inteiro se voltando contra mim.
– Calma! – me manifestei levantando a mão – Eu vim em paz. Não quero machucar vocês.
Um homem alto e parrudo saiu do meio da multidão e veio em minha direção. Ele olhava para meu rosto com expressões que colocariam até aquela cobra da Astra para correr pros braços da mãe. Ele me observou de cima a baixo.
– O que você quer? – o homem parrudo perguntou olhando nos meus olhos. Diretamente nos meus olhos.
– Inicialmente nada. – disse a verdade – Cheguei aqui por acaso.
– Por acaso? – o homem perguntou.
– Sim. – tentei parecer o mais passivo possível – Eu sou Alexis Melequíades Arrife Briseu do Corpeu Clístenes de Ofir, príncipe e herdeiro do trono de Ofir. Isso é, se ainda existir algum trono para ser herdado.
– De Ofir? – o homem pareceu acreditar e fez um sinal para que baixassem as armas – Você realmente tem uma boa memória.
– O que? – fiquei preocupado.
– Seu nome. – o homem sorriu – Não é qualquer um que consegui decorar um nome tão grande e complicado.
– É isso? – sorri aliviado – Repito-o desde sempre.
– Muito bem, eu sou Daros. – ele sorriu – Apenas Daros.
– Oi Daros. – disse constrangido.
– Vamos, junte-se a nós. – Daros me pegou pelo ombro – Você parece muito cansado.
– Tudo bem. – respondi sem entender nada.
Daros me levou até uma grande e luxuosa – na medida do possível – casa de pedra. Era uma casa bem organizada, com todos os moveis feitos de pedras e madeiras. Era até jeitosa. Não seria exatamente o lugar que escolheria para viver uma vida inteira, mas sem dúvida era um lugar aconchegante.
– Sabe, apesar de não ser oficial, eu posso me considerar o rei disso aqui. – Daros trazia duas xícaras – Eu fundei essa vila. Somos todos fugitivos da tirania de Bianor.
– Espere! Vocês não moravam desde sempre aqui? – perguntei.
– Somos todos fugitivos, como acabei de dizer. – Daros ergueu a xícara – A grande maioria morava em Calidora e Menelau, mas temos pessoas de Leander, Sotero, Neide e até da Capital. Posso dizer que essa vila funciona como um refugio para todos aqueles que querem se esconder da guerra que está acontecendo do lado de fora.
– Acho que entendo. – levantei uma sobrancelha.
– Todos aqui, se tivessem continuado lá em cima, teriam se tornado prisioneiro de Bianor de alguma forma.
– Mas Bianor nunca descobriu? – achei estranho.
– Eu fiz um campo mágico protegendo a passagem desta caverna, mas minha magia não é assim tão forte. – Daros soprou o chá gelado – Prova disso é que você passou. Preciso reforçar esse campo. Mas de qualquer forma, não acredito que Bianor não tenha notado. Ele deve estar planejando algo. Por isso estou treinando os meus homens para qualquer trágica eventualidade.
– Deixe-me entender apenas uma coisa. – eu disse – Você sabe usar magia, está treinando um exercito, veio de Calidora... O que você era exatamente?
– Eu era o conselheiro real do antigo rei de Calidora. – vi tristeza nos olhos de Daros – Eu servi ao rei por quase metade da minha vida, até descobrir que ele estava se juntando a Bianor na rebelião que aconteceu a quase três anos na Capital.
– Eu me lembro muito bem desse dia. – as imagens das pessoas correndo desesperadas pela praça passaram claramente na minha frente.
– E você? – Daros perguntou – O que estava fazendo?
– É uma longa história. – alertei.
– Acredito que temos tempo. – ele sorriu.
Daros era grande mesmo sentado. Sua pele avermelhada me fez lembrar os leandineses. Sua cabeça careca parecia uma esfera de metal. Mesmo com as feições mais relaxadas ele continuava sendo amedrontador, mas de uma forma que dava para se acostumar depois de conhecer-lo melhor. Mas algo em seus olhos trazia paz. Eu via a bondade nele.
Contei sobre a história de Beatriz, sobre as batalhas que tivemos que travar, sobre os planos que tramamos desde o inicio para impedir que Bianor iniciasse a guerra e sobre a nossa tentativa de sabotar o exercito de Bianor. Contei também sobre o veneno e sobre a erva que havia colhido.
– Deixe-me ver. – ele estendeu a mão. Mão essa que era três vezes maior que a minha.
– Claro. – retirei a erva da minha bolsa.
– Mas é isso? – ele sorriu – Disse que tem um exército inteiro precisando disso?
– Sim. – respondi.
– Pois acredito que tenho ervas para mais de mil soldados. – Daros sorriu.
– Não diga que...
Daros me levou até uma parte aos fundos da vila. Era uma parte isolada e que, inexplicavelmente, crescia uma das mais diversas vegetações que já vi em minha vida. Era uma mistura de flores que nunca havia visto antes. Realmente incrível. Mas mais incrível foi ver o batalhão de ervas vermelhas que tanto precisávamos.
– Mas isso é inacreditável! – estava realmente impressionado.
– Acha que irá ajudar? – Daros perguntou.
– Sem dúvidas! – estava aliviado – Apenas uma delas já é o suficiente para duas pessoas. Aqui dá para curar todos os soldados e ainda sobra.
– Se quiser, pode levar. – Daros sorriu.
– Sério? – estava estranhamente feliz – Está fazendo isso por mim por quê? Tem tanta certeza de que estou falando a verdade sobre quem sou?
– Tenho. – ele balançou a cabeça – Vejo isso em seus olhos e em seu coração. Você pode até agir feito um príncipe arrogante, mas existe um coração muito puro e honesto dentro deste peito.
– Tudo bem. Isso foi estranho. – fiz careta – Mas obrigado pelos elogios. Não tenho recebido muito ultimamente. O pessoal lá em cima... – foi então que lembrei – O pessoal lá em cima!
– Deixou alguém esperando? – Daros perguntou.
– Sim, deixei! – respondi.
– Vamos, eu te ajudo. – Daros deu um tapa em minhas costas. As pessoas gostam de fazer isso comigo.
Daros fez um grande saco aparecer e, como se regesse uma orquestra, fez varias ervas saírem flutuando direto para o saco.
– Você é bom! – disse.
– Obrigado. – Daros sorriu – Agora passe isso aqui no seu braço.
– O que é isso? – Daros me entregou uma garrafa vermelha.
– É o antídoto do veneno. – Daros ficou sério – Notei que você estava usando um remédio para estacionar o veneno, mas ele não vai durar para sempre.
– Quando você fez isso? – perguntei muito surpreso.
– Agora. – ele sorriu.
– Tenho que admitir – também sorri – Você é realmente muito bom!
– Obrigado outra vez. – Daros fez um gesto de agradecimento com a cabeça.
Voltei à superfície e não demorou muito para encontrar o caminho de volta para os submarinos. Era estranho, mas desta vez pareceu mais fácil que quando estava vindo. Talvez fosse apenas impressão minha.
Encontrei Neandro, Nicardo e Amadeus assim que sai dos “domínios da caverna”. Eles pareciam um tanto preocupados. Muito preocupados.
– Onde você estava esse tempo todo? – Neandro perguntou.
– Achei umas coisinhas. – abri o saco. Resolvi não revelar ainda a vila na caverna.
– Já usei em mim. – deixei escapar. Mas ninguém pareceu notar que eu não tinha a mínima noção de como se fazia o antídoto.
– Aqui tem para todos e um pouco mais. – Neandro estava feliz.
– Acho que devemos voltar. Amadeus sugeriu.
– Eu vou ficar. – Nicardo falou. Maldito disse antes de mim.
– O que? – Neandro se espantou.
– Eu não posso deixar a Beatriz. – Nicardo se fez de herói.
– Eu também vou ficar. – disse fuzilando Nicardo com os olhos – Eu iria dizer isso bem antes dele, mas ele se apressou. Eu também não posso abandonar a Beatriz.
– Vocês estão certos disso? – Amadeus perguntou.
– Eu pelo menos estou certíssimo. – respondi.
– Eu também. – Nicardo devolveu os olhares.
– Então eu também irei ficar. – não sabia o que Amadeus tinha com a história.
– Vocês estão realmente certos? – Neandro perguntou.
– Já disse que sim. – respondi.
– Vocês realmente querem me deixar preocupado. – Neandro bufou.
– Você não vai ficar? – Amadeus perguntou.
– Eu preciso voltar. – Neandro respondeu – Se Linfa estiver mesmo na Capital, eu preciso ver se está tudo bem.
– Entendo. – Nicardo disse.
– Acho que só posso desejar boa sorte. – Neandro entrou no submarino.
Assim que ele entrou que notei. Era a primeira vez que ele me deixava sozinho. Não que eu nunca tivesse ficado sozinho antes, mas eu sempre fugia. Essa era a primeira vez em que ele me passava à responsabilidade de cuidar de mim mesmo. Isso me assustou um pouco. Mas não era pior do que ter que ficar com dois seres quase insuportáveis.