– Eu achei que você teria um pouco mais de juízo! – ele gritou.
– Eu não entendo o motivo de você não conseguir acreditar nessa história. – Neandro parecia tentar achar traços familiares em Amadeus.
– Você quer que eu liste? – Alexis debochou – Mas vou logo avisando que a lista é grande.
– Alexis! – falei alto – Será que, por apenas um minuto, você não poderia ficar calado?
– Vocês estão brigando de novo? – Neandro sorriu.
– Estamos! – Alexis ficou emburrado.
– Como é bom ver isso – Neandro achou graça.
– Bom? – Alexis e eu gritamos juntos.
– Claro. – Neandro sorriu debochado – É o único vestígio dos bons tempos de paz e tranquilidade de Ofir. Fora que eu sei que isso é passageiro. Aposto como um está louco para correr pros braços do outro.
Fechei a cara para Neandro e Alexis fez o mesmo. Não gostei do comentário e sabia exatamente o motivo. Era a mais pura verdade. Eu não via a hora de Alexis me pedir desculpa para eu poder voltar para os braços dele. Por que mesmo às vezes sou tão orgulhosa? E eu tinha que me apaixonar por um rapaz tão orgulhoso quanto eu.
Amadeus e Neandro continuaram conversando e nos ignoraram. Eu não os culpo. Alexis e eu ainda estávamos discutindo. Uma discussão chata e sem fundamentos que só estávamos sustentado ainda por ser uma forma de chamar atenção do um do outro. Apesar de me enxergar agora como uma mulher, ainda tinha sentimentos de uma adolescente insegura e orgulhosa. Mas às vezes esse orgulho e quebrado por um sentimento maior.
Chegamos ao castelo e fomos correndo contar as novidades ao Rei Céleo. As más novidades.
– E então? – Rei Céleo perguntou – O que houve?
– As noticias não são nada boas papai. – Alexis já foi preparando o terreno.
– Parece que surgiu um novo monstro. – comecei a contar – Quando chegamos à cidade ele já havia sumido, mas conversamos com um moça que viu tudo o que aconteceu.
– Ela contou que o monstro tinha duas cabeças humanas presas em um corpo de dragão. – Amadeus contou – E acreditamos que Bianor possa estar fazendo experiências usando humanos como cobaia. Provavelmente algum tipo de castigo ou coisa parecida.
– Mas Bianor está indo longe demais! – Rei Céleo se apavorou.
– A moça também mencionou sobre os olhos da criatura. – Amadeus lembrou – Ela dizia que os olhos gritavam.
– Olhos que gritam? – Rei Céleo se perguntou – O que isso quer dizer?
– Nós também não sabemos. – Neandro respondeu.
– E a moça ainda contou que esse monstro voltaria. – contei o fato mais importante – Logo em seguida a moça saiu correndo, completamente fora de si, e se jogou ao mar desaparecendo sem deixar rastros.
– Que coisa horrível! – Rei Céleo lamentou.
– Bianor está tentando de todas as formas nos enfraquecer. – Neandro controlava a raiva – Ele já fez nossos homens se cansarei e ficarem imobilizados e agora destruiu todas as lojas da cidade.
– Vocês não haviam me contado esse fato. – Rei Céleo se assustou – Precisamos fazer alguma coisa e rápido.
– Papai – Neandro o segurou – Neste momento não há muita coisa a se fazer além de se preparar e ficar atento. Deixei Nicardo de vigia na cidade e Thalassa em minha casa. Tales está no porto e nós iremos ficar pelo castelo.
– Eu me sinto tão impotente em não poder ajudar. – Rei Céleo estava realmente perturbado com isso.
– O senhor não foi treinado para as batalhas. – Neandro consolou o pai – Na sua época Ofir estava em perfeita harmonia, não havia motivos de preparar um rei para batalhas desse porte. Vovô era muito sábio, mas não tinha noção de que o senhor viveria uma guerra.
– Eu os preparei melhor por precaução. – Rei Céleo sentou-se em seu trono – Mas eu deveria lutar. Sim, é isso que irei fazer! Vou me juntar a vocês.
– Não papai! – Neandro o parou – O senhor precisa ficar aqui. Não deixarei que o senhor se arrisque desta forma.
– Mas filho...
– Não papai! – Alexis entrou na conversa – O Neandro tem razão. O senhor precisa ficar aqui.
– E a mamãe? – Neandro perguntou – O senhor precisa ficar aqui. Acredite; o senhor já está ajudando.
– Por falar na Rainha Alina, como ela está? – perguntei.
– Ela continua um pouco fraca, mas já está bem melhor. – Rei Céleo respondeu – Às vezes ela fala algumas coisas, mas logo volta a dormir.
Eu me sentia péssima toda vez que me lembrava da Rainha Alina. Ela me ajudou tantas vezes, em tantas situações e agora eu nem conseguia visitar-la direito. Essa guerra estava tomando o tempo de todos nós.
Subi até o quarto onde ela estava. Ela dormia profundamente. Era triste ver-la naquela situação. Queria tanto fazer alguma coisa para ajudar-la.
– Rainha Alina, não demore muito para acordar! – sussurrei no ouvido dela.
Sai do quarto e quase tropecei em um dos soldados que estava vigiando o quarto. Com a rainha inconsciente, qualquer proteção era pouca.
Fui até o quarto de Alexis. Era um quarto digno de um príncipe. Provavelmente a casa onde morava devia ser menor que o quarto dele. Sua cama dava para quatro pessoas dormirem sem problemas. Cinco se deixasse um pouquinho mais apertado. Acho que me perderia durante a noite se dormisse em um quarto tão grande assim.
As paredes eram todas brancas com vários detalhes em ouro. Eram longos e grossos fios de ouro que se fantasiavam de pilastras na parede e fazia quase uma cascata quando chegava ao teto.
O teto havia, além do exageradamente grande e dourado lustre, uma pintura imensa de um céu com vários anjos e querubins e todas as outras espécies que existem. Era uma pintura belíssima e deveria ter demorados meses – talvez até anos – para ser terminada.
Havia também um grande espelho com mais anjos esculpidos em ouro fazendo a moldura e mais abaixo havia uma lareira branca e com mais detalhes dourados.
Candelabros eram coisas que não faltavam no quarto. Estavam espalhados por todos os cantos – mas para iluminar um quarto daquele tamanho, acho que tinha o suficiente.
O guarda roupa era embutido na parede, com suas portas revestidas em ouro e uma grande cortina de cor vinho tapando a entrada.
No chão havia um tapete tão belo quanto grande. Havia uma cadeira solitária em um canto do quarto e algumas outras coisas que não reconheci.
Parei de reparar no quarto quando me dei conta de que jamais conseguiria listar tudo o que havia ali sem que me perdesse. Era um quarto realmente belo, mas um pouco exagerado.
– Beatriz? – Alexis se assustou – O que está fazendo aqui?
– Eu? – fiquei sem ação – Bem, eu estava... como posso dizer? Eu estava... O que você está fazendo aqui?
– É o meu quarto! – ele falou o óbvio.
– Claro, seu quarto. – virei os olhos – E agora você fica no seu quarto? Você não tem vergonha não?
– De ficar no meu quarto? – ele estranhou – Beatriz você está bem?
– Alexis me abraça – corri desesperada para os braços dele.
– O que foi? – ele me abraçou forte.
– Estou tão assustada com tudo o que está acontecendo. – desabafei – Eu não sei se vou conseguir aguentar essa pressão. Eu preferia não saber que o destino de Ofir depende de mim.
– Calma Beatriz. – Alexis beijou minha testa – Calam. Eu estou aqui.
– Eu tenho tanto medo de falhar, decepcionar este mundo.
– Fique calma Beatriz. – ele continuava me abraçando.
– E se eu falhar? – comecei a chorar.
– Você não ira falhar. – Alexis segurou minha mão – Pode ter certeza que não irá.
– Como pode ter certeza? – perguntei ainda chorando.
– Eu estou com você. – ele sorriu – O Neandro está com você, a Thalassa, o Tales, o carinha de pedra.
– Carinha de pedra? – achei graça.
– Muito bem. – ele me beijo.
– Alexis, me desculpe por hoje mais cedo. – encostei minha cabeça em seu peito – Você sabe que eu quero você ao meu lado para sempre.
– Eu também te quero ao meu lado pro resto da vida. – ele sorriu – Você nasceu para mim, assim como eu só existo pra você.
– Sabe que agora eu estou me achando ridícula. – sorri.
– Ridícula? – ele estranhou.
– Sim – continuei achando graça – tudo o que eu disse foi tão infantil quanto a sua atitude de implicar com Amadeus.
– Esse assunto de novo? – ele olhou torto.
– Tudo bem, parei! – bati na boca – Não falo mais neste assunto.
– Mas você tem razão – ele sorriu – fomos infantis.
– Mas não vamos falar mais nisso. – enxuguei as lágrimas – Neste momento eu quero apenas ficar com você e esquecer essa guerra maldita.
– Você não precisa ter tanto medo. – Alexis passou a mão em minha cabeça – Eu já disse que você não está sozinha.
– Alexis... – suspirei – Você não entende.
– Você acha que eu não estou com medo? – ele segurou meu queixo – Eu estou morrendo de medo. Eu já estava com medo antes da guerra começar.
– Antes? – estranhei.
– Eu estava prestes a completar a maior idade quando você apareceu e mudou minha vida. – ele fitou o grande espelho – Se você não tivesse aparecido e me feito fugir para ir atrás de minha mãe eu teria sido apresentado como o novo herdeiro. Eu.
– É verdade! – às vezes me esquecia de que, quando tudo isso acabasse, Alexis seria proclamado o novo herdeiro do trono.
– Eu estava morrendo de medo do dia em que teria que assumir o trono. – Alexis continuou fitando o espelho – Eu tinha medo de não conseguir dar conta da responsabilidade. Tinha medo de decepcionar o meu povo. Tinha medo de não honrar com a memória do meu pai e sujar o nome da família. Eu tinha medo de ser rei.
– Mas isso é normal, todos nós temos medo quando grandes responsabilidades são postas em nossas mãos. – falei também fitando o espelho – Mas nós devemos enfrentar-las e seguir em frente, sem medo.
– Exatamente! – Alexis sorriu –Então a senhorita pode me dizer o motivo de estar chorando até agora a pouco?
– Eu estava com... – engoli a seco – Estava com medo de enfrentar a responsabilidade que foi entregue a mim.
– É a senhorita pode me dizer por qual razão que não está seguindo o próprio conselho? – ele sorriu debochado.
– Alexis! – dei um tapa leve no seu peito.
– Como você mesma disse – Alexis e eu estávamos conversando com nossos reflexos – Não podemos fugir do medo, mas enfrentar-lo. Estamos todos juntos nessa guerra e estaremos junto até o final.
– Juntos até o fim! – sorri.
– Você vai ficar aqui no castelo, certo? – Alexis perguntou.
– Eu irei. – assenti – Precisam mais de mim aqui. Só quero ir buscar algumas coisas na casa de Neandro, você vem comigo?
– Sim eu vou. – ela falou com uma mansidão que não é de costume. Ele parecia ter ficado em paz com ele mesmo.
– Então vamos? – perguntei sorrindo.
– Vamos! – Alexis devolveu o sorriso.
Fomos o caminho inteiro conversando. Fazendo mais declarações de amor e mais planos para o futuro. Mas havia uma coisa que ainda me deixava triste nesta história. Quando tudo isso acabasse? Eu teria que voltar para Terra, para casa. Como eu poderia viver tudo o que eu e Alexis estamos planejando se não estiver aqui? Tentei não pensar nisto.
– Ouro, prata ou Bronze? – Alexis perguntou.
– Mas que pergunta é essa? – estávamos fazendo joguinhos no meio do caminho.
– É uma pergunta! – ele sorriu – E nem é tão difícil assim.
– Ouro? – chutei.
– Resposta errada! – Alexis fez careta – É verdade que gosto muito de ouro, mas quando se trata de botões, os de prata sempre causam uma aparência harmoniosa. Ouro fica um pouco espalhafatoso.
– Sei – fiz outra careta – como se uma camisa com botões de prata não fossem!
– Mas eles não são! – Alexis sorriu.
– Tudo bem Alexis, agora é a minha vez! – pensei em uma pergunta – Eu prefiro ganhar um buque de: rosas, tulipas ou narcisos?
Continuei seguindo o caminho e esperando a resposta. E fiquei esperando e esperando e esperando e esperando um pouco mais. Alguma coisa havia acontecido.
– Alexis? – procurei por todos os lados – Alexis, cadê você? Alexis?
De repente ouvi um barulho. Parecia algo correndo muito rápido. Fiquei atenta e me preparei para atacar, até que vi uma criatura minúscula e brilhante descendo do tronco de uma árvore pendurado em um fio. Era uma aranha feita de diamantes, mas como?
Neste exato minuto senti uma forte pancada em minha cabeça e a última coisa que me lembro foi de estar caindo e alguém me segurar, depois disso eu já não me lembro mais de nada.