– Você conhece esse jovem? – Rei Céleo perguntou.
– Não exatamente. – falei aproximando-me do rapaz – Nós nos conhecemos na época em que fui presa em Calidora com o Nicardo. Ele não é uma pessoa ruim. Deixem que entre.
– Tem certeza? – Alexis perguntou desconfiado.
– Acho que sim. – minha resposta não o agradou.
Rei Céleo fez um sinal com a mão permitindo que o jovem entrasse. O que ele queria? Como esse rapaz havia me encontrado? Eu não me lembrava das coisas que conversamos, mas tinha quase certeza de que não havia dito nada que o fizesse chegar até aqui. Mas isso agora não importava.
Fomos para a sala do trono e Alexis trancou a porta. Pelo visto ele estava mesmo interessado em saber quem era o jovem loiro. E para falar a verdade, eu também.
– Então, jovem, qual o seu nome? – Rei Céleo perguntou.
– Da última vez que nos falamos eu fique lhe devendo isso. – o jovem se direcionou a mim, o que fez parecer uma afronta ao Rei Céleo.
– Meu nome é Amadeus Abnara Policarpo Laerte de Calidora, príncipe e herdeiro do reino de Calidora. Ou pelo menos era.
– O que?! – Alexis gritou.
– Isso é sério? – perguntei.
– Mas é óbvio que não! – Alexis já começava a se irritar – O que quer aqui? No mínimo deve ser um espião...
– Essa história de novo não Alexis! – já fui cortando logo o assunto – Eu estive com ele nas masmorras. Ele é tão vitima quanto nós. É tão difícil assim acreditar nos outros?
– Não! – Alexis falou em um tom seguro – Mas a história dele é absurda.
– Por quê? – perguntei.
– Amadeus está morto há anos. – Alexis fitou com ódio o rapaz – Há 19 anos para ser mais exato.
– O que? – estranhei.
– Espere. – Rei Céleo não parecia bem – Deixe-me olhar para você.
– Papai, você não está acreditando nesse...
– Quieto! – Rei Céleo falou tão alto que chegou a fazer eco – Como não reparei antes?
– Papai...
– Já disse para ficar quieto Alexis! – o Rei Céleo falou mais baixo desta vez.
– O que está havendo? – sussurrei enquanto via o Rei Céleo analisar com cuidado o rosto do jovem que se dizia príncipe de Calidora.
– Papai e o Rei Hiero, antigo rei de Calidora, eram muito amigos. – Alexis também sussurrou – Eu tinha apenas dois anos, mas me lembro que papai ficou arrasado quando ele morreu e mais arrasado ainda quando o verdadeiro Amadeus morreu.
– Você é a cara de seu falecido pai, Hiero. – Rei Céleo estava emocionado – Mas seus olhos são da sua mãe, a Rainha Evelyn. Olhos verdes.
– Papai! – Alexis reclamou, mas o pai o ignorou.
– Eu me lembro muito bem da música – Rei Céleo começou a contar suas lembranças – foi o baile mais bonito que Calidora já viu. O tão esperado herdeiro estava para nascer.
– Do que você está falando? – Alexis tentou, mas uma vez, interromper o pai.
– Eu me lembro como se fosse hoje. – Rei Céleo continuou falando – Calidora inteira estava em festa. Sua família estava em uma felicidade enorme, mas nem de longe chegava perto da felicidade indescritível que seu pai, Rei Hiero, estava.
– Papai, o Rei Hiero deve estar se retorcendo no túmulo! – Alexis falou alto.
– Ele parecia finalmente ter começado a viver. – Rei Céleo estava com o olhar longe – Ninguém desejou tanto um filho quanto seu pai te desejou. Ele estava realmente no paraíso. Mas então aconteceu...
– O que aconteceu? – sussurrei para Alexis.
– O início das tragédias aconteceu quando Hiero descobriu que estava com uma rara doença. – Rei Céleo continuou a história – Ele sofreu muito, principalmente quando soube que poderia não ter a oportunidade de conhecer o seu filho. Eu fui testemunha de como um homem pode entrar em dois extremos tão repentinamente quanto um raio.
– Papai... – Alexis já estava começando a me incomodar.
– O seu reino também sofreu com isso. – Rei Céleo continuava ignorando Alexis – Enquanto Hiero estava em extrema alegria seu reino estava em paz, feliz, prosperando e compartilhando dessa felicidade tão grande. Mas quando ele descobriu sua doença e entrou no extremo da tristeza... Não foi nada bonito ver Calidora cair em depressão. O reino inteiro sentiu pela doença do rei e passaram tempos de muita infelicidade e dor.
Rei Céleo parou por alguns minutos. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Ele respirou fundo e tentou se recuperar da emoção, mas não teve muito sucesso e acabou ignorando as gotas de lágrima que insistiam em cair.
– Quando Hiero faleceu, isso eu me lembro como se fosse hoje, o reino entrou em desespero. – Rei Céleo conseguiu falar – Na época Calidora e a Capital estavam fazendo grandes negócios. Lucrativos negócios. Nós também sentimos a morte de Hiero e entramos em luto junto a Calidora.
– Eu me lembro desse fato! – Alexis mudou o disco, mas foi novamente ignorado.
– Talvez o único erro de seu pai fosse o de ter confiado o trono ao Circeu, o conselheiro real. Circeu nunca me inspirou confiança. Não acredito que ele lhe devolveria o trono quando completasse a maior idade. – Rei Céleo estava mais calmo – Sabia que aquela não era a escolha mais prudente, acabei deixando que ele cometesse essa loucura.
– Papai...
– Poucas semanas depois você nasceu. Ou melhor, você morreu. – Rei Céleo parecia não notar Alexis.
– Isso se ele realmente for o Amadeus...
– Alexis! – eu disse em um tom repreensivo.
– Sua mãe ficou arrasada com a morte de seu pai. – Rei Céleo continuou – A única coisa que a mantinha de pé era você. Acho que você era a única força que a sustentava. Foi muito doloroso para ela perder você também. Foi muito difícil para ela suportar tudo sozinha.
– Papai, já chaga! – Alexis falou bem alto.
– Alexis, o que é isso? – perguntei nervosa.
– Papai este sujeito não é Amadeus! – Alexis ficou frente a frente com o pai – Pare de agir como se ele fosse. O senhor não vê os absurdos que está dizendo.
– Absurdos que eu vejo estão saindo de você! – ele finalmente deu atenção ao filho – Não sabe o que diz. Ele é Amadeus Abnara Policarpo Laerte de Calidora, o príncipe e herdeiro do reino de Calidora. – Rei Céleo se afastou do filho – Neste momento era para ele estar sendo coroado rei.
– Não! – Alexis gritou – O senhor está muito equivocado.
– Alexis, por favor, não faça confusão. – pedi.
– Eu não estou fazendo confusão – Alexis continuou fitando o pai – Eu apenas quero fazer meu pai acordar.
– Eu não posso te obrigar a acreditar em mim – o suposto Amadeus resolveu se defender – sua opinião não irá mudar em nada o fato de que eu sou Amadeus Abnara Policarpo Laerte de Calidora.
– Você disse o que? – Alexis se estressou.
– Alexis, você estava pedindo isso. – tentei levar no humor.
– Beatriz, você também está do lado desse...
– Olha, não vá dizer besteiras! – coloquei o dedo indicador na frente da boca.
Alexis olhou pra mim, para o Rei Céleo e para Amadeus. Ele fez um sinal negativo com a cabeça olhou para cima e bufou. Estava com saudades disso. – Tudo bem – ele deu um sorriso claramente falso – eu irei lhe dar o beneficio da dúvida. Explique-se.
– Explicar o que? – Amadeus fitou Alexis.
– Não se faça de sonso! – Alexis gritou – Você sabe muito bem o que eu estou pedindo.
– Alexis! – o segurei – Acredito que ele queira que você conte como sobreviveu. Certo?
– Se é apenas isso... – Amadeus e Alexis trocaram mais olhares ameaçadores – Não sei contar como, mas a mulher que me criou e que por muito tempo acreditei que fosse minha mãe me roubou no dia que nasci.
– Já começa dando furo? – Alexis provocou.
– Deixe-o falar! – Rei Céleo repreendeu o filho.
– Como estava contando – Amadeus novamente provocou Alexis com o olhar – Fui criado por uma mãe adotiva e só vim descobrir isso poucos meses antes de completar 18 anos. Fui descoberto por Hiero, que junto com Bianor, acabou descobrindo quem eu era de verdade. Hiero ficou furioso e mandou prender minha mãe adotiva. Não sei o que aconteceu a ela, mas acredito que não deva ter sido nada de bom.
– Imagino. – Rei Céleo estava prestando atenção em cada palavra.
– Fui preso, mas fugi usando uma armadura velha como disfarce. – Amadeus sorriu – Acabei sendo preso outra vez. Foi engraçado.
– Desde quando ser preso é engraçado? – Alexis provocou – Você realmente não deve bater bem da cabeça.
– Alexis... – desta vez eu que o repreendi.
– Eu achei engraçado devido às circunstâncias em que fui pego. – Amadeus sorriu de novo – Estava andando pelos corredores do castelo e acabei entrando em um quarto. Um quarto que deveria estar sendo vigiado, mas aparentemente não estava.
– E isso é engraçado? – Alexis debochou.
– Não – Amadeus continuava sorrindo – O engraçado foi pegar Hiero sentado em um trono... especial, se é que me entendem.
Todos nós rimos neste momento. Alexis tentou segurar, mas acabou dando uma gargalhada leve, quase imperceptível. O Rei Céleo sorriu discretamente, mas soltou algumas rápidas risadas. Só eu e o Amadeus que estávamos as gargalhadas altas.
– Isso é humilhante! – Alexis resolveu tirar a graça da história.
– Isso é engraçado sim! – rebati.
– Continue. – Rei Céleo resolveu encerrar o assunto.
– Eu acabei ficando, contando com os dias antes da fuga, um ano preso. – Amadeus prosseguiu – Foi então que a encontrei. Beatriz, certo?
– Sim. – respondi.
– Ela estava acompanhada de um rapaz simpático. Onde está aquele rapaz? Se não me engano ele era seu namorado? – Amadeus estava começando a perder a noção do perigo.
– Disse muito bem – Alexis falou alto – era namorado dela. Agora não é mais. Eu estou com ela e ficarei para o resto da vida.
– Que destino horrível você foi arranjar! – Amadeus provocou.
– Ora seu... – segurei Alexis antes que ele fizesse uma loucura.
– Calma Alexis – dei um rápido beijo nele – Eu bem que reparei na sua postura. Você parecia mesmo agir como um príncipe.
– Minha mãe adotiva me ensinou tudo. – Amadeus deu um sorriso melancólico – Acho que ela tinha esperanças de que eu conseguisse tomar o lugar que é meu de direito. Ela me ensinou até alguns truques de magia.
– Magia? – Alexis gritou.
– Claro que se eu tivesse sido treinado por magos da realeza eu estaria em um nível mais avançado – Amadeus resolveu ignorar Alexis.
– Então é por isso que... burro! – Alexis deu um tapa na cabeça – Eu não reparei nisso. Você usou magia para fazer os homens adormecerem?
– Óbvio... que não. – Amadeus brincou – Aquilo são apenas truques de combate e defesa.
– E como você chegou até aqui? – perguntei.
– Seguindo o seu rastro. – Amadeus foi direto – Eu senti que deveria te encontrar e fui atrás de você. Eu posso sentir onde as pessoas estão.
– Sentir? Tipo, farejar? – perguntei.
– Não. – ele achou graça – Isso é para lobos. Eu apenas sinto a presença dentro de minha mente. Eu vejo o caminho até ela na minha cabeça e sigo.
– Que estranho. – Alexis zombou.
– Depois eu fiquei sabendo que você era a Mallory e resolvi ficar ao seu lado. – Amadeus se aproximou de mim.
– Tira a mão! – Alexis entrou na minha frente – Pode parar com esses olhos de urubu porque Beatriz não é carniça.
– Alexis! – briguei – Pare!
– Não se preocupe. Eu não ligo – Amadeus sorriu – mas se isso te tranquiliza, eu quero apenas ajudar nas batalhas.
– Você está louco? – Alexis gritou – Mas nem pensar!
– Por que não? – perguntei – Alexis, nós precisamos de toda a ajuda que conseguirmos.
– Mas quem disse que ele vai nos ajudar? – Alexis ficou irritado – Não confio nele.
– Alexis! – Rei Céleo falou alto.
– Mas eu confio. – disse me afastando um pouco de Alexis – E gostaria muito que ele ajudasse.
– Mesmo contra minha vontade? – Alexis perguntou em um tom de ameaça.
– Claro! – fui firme – Se isso for para ajudar a salvar Ofir.
– E também concordo com Beatriz. – Rei Céleo se aproximou – Ele é visivelmente um jovem forte. Percebe-se de longe que ele sabe lutar e ainda tem alguns conhecimentos de magia.
– Isso eu ainda tenho minhas dúvidas. – Alexis bufou.
– Mas, desta vez, você é voto vencido! – falei com gosto – Amadeus, pode ficar com a gente. Você será muito bem recebido por todos, não tenho dúvida!
– Desisto! – Alexis bufou mais uma vez – Mas depois não venham chorando dizendo que ninguém avisou nada.
– Alexis, escreva o que eu digo e não tome isso de forma negativa – Amadeus sorriu – você ainda vai me pedir desculpas. Pode ter certeza.
– Mas era só o que me faltava!
De repente, um barulho de explosão invade todo o castelo. Apesar de o som ter sido muito alto, não parecia estar vindo de dentro do castelo.
– Majestade! – um guarda entra desesperado – Estão invadindo a cidade!