Não sei dizer por quanto tempo ficamos naquele jardim. A Rainha Alina ainda estava desacordada, mas parecia bem melhor deitada ao lado das flores e sobre a sombra de uma árvore. Talvez ela tenha sentido a essência do Rei Céleo tomando conta do lugar.
Neandro resolveu deixar a Rainha Alina no jardim. Não estava tão certa de que seria seguro deixar-la daquele jeito, mas Neandro parecia confiar bastante no que estava decidindo que – por diversas razões – achei melhor não dizer nada.
– Eu me sinto péssima. – disse – Deveria ter chegado a tempo.
– Não foi sua culpa Beatriz. – Neandro parecia bem mais calmo – Acredito que era para ser assim. Infelizmente.
– Mas eu estava vendo tudo. – continuei – Se eu fosse mais esperta teria entendido imediatamente como sair daquele mundo louco que Bianor criou para mim.
– Você não fez nada que eu não teria feito se estivesse no seu lugar. – Neandro estava com a cabeça baixa – Você ainda vai trazer muita honra para memória do meu pai. Nós iremos ajudar você a vingar a morte do meu pai. Você destruirá Bianor por mim, por minha família e por toda Ofir.
– Eu às vezes começo a acreditar no contrario. – também baixei minha cabeça.
– Pois comece a mudar seus pensamentos! – ele falou mais firme – Não deve pensar na derrota como uma realidade. Você irá vencer Beatriz, acredite!
– Mas eu quero acreditar. – bufei – Mas você tem razão. Passei esse período inteiro repetindo minhas dúvidas e aflições. Sempre a mesma história, sempre o mesmo contexto. Eu não posso me subestimar tanto assim. Eu vencerei Bianor!
– É exatamente desta forma que eu quero ver você falando. – Neandro deu um sorriso torto.
Percebi que aquelas palavras não eram minhas. Era a Mallory quem estava falando. Eu não tinha tanta confiança, mas algo dentro de mim estava aceitando aquelas palavras como se fosse realmente minhas. Alguma coisa estava mudando a minha forma de pensar. Talvez Mallory representasse esse lado mais corajoso que estava faltando em mim. A confiança que eu precisava para seguir em frente com essa batalha.
Saímos novamente na sala do trono. Aquele lugar agora parecia parte de um terrível filme de psicopata. O clima extremamente denso que tomou conta do local criava toda uma atmosfera gélida e mórbida. Nunca mais veria essa sala do mesmo jeito.
Neandro seguiu em direção aos quartos.
– O que vai fazer? – perguntei.
– Não existe outra opção para mim no momento.
– Do que você está falando? – perguntei assustada.
– Eu preciso fazer isso ou não me sentirei bem comigo mesmo. – Neandro seguia em direção ao quarto dos pais.
– E o que pretende fazer? – continuei seguindo atrás dele.
– Irei me juntar aos outros. – Neandro entrou no quarto dos pais. Ele seguiu em direção a um grande quadro dourado. A moldura guardava uma imensa espada. Neandro quebrou o vidro da moldura – Eu irei defender Ofir até os últimos minutos.
– Mas... – não sabia se deveria deixar-lo ir ou se o impedia.
– Beatriz – ele pegou a espada – Eu estarei com você quando chegar a hora. Todos nós estaremos. Isso é uma promessa.
Neandro me deixou sozinha no quarto. Já não sabia o que fazer. De repente tudo aconteceu tão rápido que minha mente acabou ficando lerda e tudo o que conseguia pensar era “onde está o Alexis?”
– Está mais que claro! – era a voz de Mallory – Devo seguir e me juntar a eles também. Todos precisam fazer algo para salvar Ofir.
– Mas precisamos estar prontas para a batalha contra Bianor. – disse.
– E deixar todos por conta da sorte. – Mallory caçoou – Às vezes tenho cada pensamento.
– Eu estou falando sério. – instintivamente tentei fitar minha testa. Não consegui – Você deve sentir tudo o que eu sinto, assim como eu já estou começando a sentir o que você sente. Acho que já consegue notar que essa não é a questão.
– Então qual seria? – Mallory perguntou.
– Esse não é momento. – continuei – Eles irão precisar de nós quando formos lutar contra Bianor. Ele já conseguiu o que queria, não vai voltar aqui tão cedo.
– Ela está certa! – não estava acreditando no que estava ouvindo – Não sei exatamente como vocês duas estão conversando, mas eu vi tudo através desse espelho aqui.
– Alexis! – corri para os braços dele.
– Eu estou aqui agora. – Alexis me abraçou bem forte.
– Todos nós estamos. – era a voz de Nicardo.
– Como vocês conseguiram sair do local onde estavam? – perguntei.
– Acho que Bianor só queria impedir que ninguém atrapalhasse os planos dele. – Amadeus falou – Agora que ele já conseguiu o que queria não havia mais sentido para nos manter presos.
– Você estava me vendo o tempo inteiro por esse espelho? – perguntei.
– Sim. – Alexis respondeu com a voz pesada – Cada segundo.
– Então você já sabe... Sinto muito. – o abracei mais forte ainda.
– Você não sabe como foi para nós assistir aquilo sem poder fazer nada. – Nicardo também estava com a voz pesada
– Eu sei exatamente como é. – disse.
– Mas Bianor irá pagar. – Alexis fechou o punho direito.
– Vocês passaram pela praça? – perguntei.
– Não. – Amadeus respondeu – Quando vimos à porta se abrindo saímos direto no castelo.
– Acho que as coisas não estão indo nada bem. – comentem.
– Mas eu não ouço nada. – Alexis falou – Parece que está tudo em paz.
– Espere? – perguntei – Não era para estar acontecendo alguma coisa?
– Será que Bianor parou os ataques? – Nicardo perguntou.
Corremos para fora do castelo. A surpresa que tivemos foi tão grande que ninguém conseguiu falar uma única palavra. Ninguém estava acreditando no que os olhos estavam vendo.
– Aquele é realmente...
– O castelo de Calidora! – Nicardo completou minha frase.
Não apenas o castelo de Calidora, mas o castelo de Neide também estava sobrevoando a Praça da Capital. As pessoas que estavam lutando simplesmente haviam desaparecido e tudo o que havia restado eram ruínas das construções de lojas e casas que ficavam naquela praça.
– Mas o que significa isso? – Alexis perguntou.
– E as pessoas? – perguntei – O Neandro? Onde foram todos?
– Eu também gostaria de saber. – Nicardo falou.
O chão começou a tremer de repente e um barulho de algo sendo arrancado invadiu nossos ouvidos. O castelo da Capital também estava sendo suspendido aos ares.
– Meus pais! – Alexis gritou seguindo em direção ao castelo.
– Alexis cuidado! – o puxei para trás.
O chão se partiu e um imenso precipício se formou entre a Praça da Capital e o caminho que levava para o castelo. Larvas borbulhavam no fundo do precipício e raios começavam a cair botando fogo nas ruínas que restaram.
– É o fim do mundo? – Nicardo perguntou.
O castelo da Capital se juntou aos outros castelos. As ruínas começaram a cair em chamas e não demorou muito para todo o lugar ficar do mesmo jeito.
– O que faremos agora? – Alexis perguntou.
– Acho que tenho uma idéia! – falei.
Comecei a voar e chamei os outros para seguir comigo.
– O que está planejando? – Alexis perguntou.
– Acho que já estou entendendo. – Nicardo comentava mais para si próprio.
– Estou seguindo para o único lugar onde acredito que encontraremos respostas para o que está acontecendo. – falei.
Seguimos em direção ao castelo de Calidora. Provavelmente era lá que Bianor estava. O castelo estava seguindo lento. As raízes penduradas davam um tom tenebroso ao castelo, mas não era hora para isso.
Entramos no castelo pela janela. Não havia mais guardas para nos impedir, então não foi muito difícil perambular pelo castelo.
Dentro do castelo encontramos varias gaiolas cheias de pessoas. Existiam ali pessoas de todas as espécies. Mas havia algo de estranho nelas. Via em seus olhos o mesmo que havia visto nos olhos do povo de Calidora.
– Vejo que temos visitas! – Bianor apareceu bem atrás da gente.
– O que você está planejando? – perguntei.
– Beatriz, Beatriz – ele me rodeou – sempre curiosa.
– Fale logo seu canalha! – Alexis teve que segurar o impulso de pular no pescoço de Bianor.
– Não achei que você fosse se juntar a Mallory. – Bianor estava extremamente calmo – Acho que te subestimei. Mas não faz diferença. Agora eu sou o dono de Ofir.
– E o que você vai fazer com essas pessoas? – perguntei.
– Isso? – Bianor olhou com desdém – Esses lixos vivos? Eu vou eliminar-los!
– Você vai o que? – Alexis gritou.
– Não existe lugar para seres inferiores como esse na nova Ofir. – Bianor parecia orgulhoso – Apenas os fortes poderão fazer parte da nova Ofir. Ainda está em tempo de se juntar a mim.
– Eu nunca me juntaria a você! – quase cuspi na cara dele.
– Nenhum de nós faria isso! – Amadeus falou.
– O convite era apenas para Beatriz! – Bianor falou – Vocês são todos fracos e insignificantes. Igual aquele reizinho meia boca que eu destruí facilmente.
– Retire o que disse agora! – Alexis berrou – Retire o que disse ou venha me enfrentar!
– Vocês querem brincar? – Bianor sorriu – Pois vamos brincar.