– Como assim “eu estava esperando por vocês? – Nicardo interrompeu minhas contas.
– Exatamente o que parece querer dizer. – Bianor se sentou novamente – Eu estava esperando por vocês. Todos vocês. Até mesmo esse outro principezinho, mas achei que ele não conseguiria chegar tão longe. Vejo que é mais forte e esperto do que pensei. Pena estar do lado deles.
– O lado certo! – Amadeus disse como se fosse homem.
– O lado do mau! – Bianor gritou – O lado arcaico e que não aceita mudanças. O pior lado para se estar! Um lado que não vai levar a nada. Será que vocês não enxergam que tem muito mais a ganhar ficando comigo do que contra mim?
– Quem iludiu a sua cabeça oca? – zombei – Você é que está no pior lado. Mas nós não queremos homens como você ao nosso lado. Agora diga onde está Beatriz.
– Mallory está segura. – Bianor ficou sério – Ela está a salvo. Não precisam se preocupar.
– Estando com você acho que não se preocupar é impossível. – Nicardo tentou não se irritar.
– Ela está segura, já disse. – ele sorriu mais uma vez – Eu dou minha palavra de honra que não encostarei um dedo sequer nelas.
– Que palavra de honra? – gritei – Desde quando a sua palavra tem algum crédito?
– Espere! – Nicardo me interrompeu – Você valou “nelas”?
– Sim. – Bianor levantou a sobrancelha – Nelas. Beatriz e Mallory.
– Mas as duas são a mesma pessoa. – Nicardo estava intrigado.
– Você está muito enganado. – Bianor baixou a voz – As duas são pessoas completamente diferentes.
– Agora diga para que nos trouxe aqui? – Amadeus perguntou sem rodeios.
– Não estou dizendo que esse principezinho e mais esperto do que pensava. – Bianor se levantou novamente – Já descobriu a pegadinha.
– Pegadinha? – perguntei.
– Claro. – Bianor se aproximou – Você já devem ter percebido que eu os trouxe aqui.
– Para que? – Amadeus disse começando a ficar nervoso.
– Como para que? – Bianor gargalhou – Não parece óbvio? Eu estava querendo me divertir. Vocês se divertem o tempo todo. Eu também tenho direito.
– Quem é você para falar em direito? – gritei.
– Eu ignoro você Alexis! – Bianor me lançou um olhar de desprezo – Mas como dizia, antes de ser interrompido, agora que a principal ameaça foi neutralizada eu quero me divertir. E como eu irei fazer isso? Eu mesmo respondo. Invadindo o castelo da Capital e tomando o que é meu.
– Desde quando você tem algo além do desprezo alheio? – perguntei debochando.
– E você acha que iremos deixar? – Nicardo lembrou bem.
– Eu tenho certeza que nenhum de vocês irá deixar. – Bianor se afastou um pouco – Mas o que vocês poderão fazer? Nada.
Bianor esticou o braço e fez alguns movimentos com as mãos. Pequenos pontos de luz começaram a surgir entre os dedos de Bianor e foi crescendo até se tornar uma grande espada.
– A minha arma principal ainda não está pronta, mas falta pouco – Bianor ergueu a espada – Não vejo a hora de remodelar Ofir a minha maneira.
– Está delirando? – Amadeus perguntou.
– Claro que não. – Bianor soltou outra gargalhada – Na hora certa vocês saberão. Mas agora vamos tratar de outro assunto.
Antes que pudéssemos falar qualquer coisa Bianor apontou a espada para cada um de nós. Não sabia o que ele estava fazendo e nem como estava fazendo, mas depois que ele apontou a espada para mim meu corpo ficou imóvel. Eu havia virado uma estatua viva.
– Não, não, não. – Bianor encostou o dedo sujo em minha boca – Se tentar falar pode acabar explodindo sua cabeça. Você não deve fazer muito esforço.
Eu estava com muito medo. Estava realmente com muito medo. Mas desta vez pelo menos eu não precisava disfarçar o medo. Ninguém iria notar o meu medo. Detestaria ser visto como um fraco por Amadeus, Nicardo e principalmente por Bianor.
Ele ficou admirando suas novas “obras de arte” e depois voltou para o trono arrastando sua espada pelo chão. A espada fazia um risco enorme no chão, mas rapidamente desaparecia sem deixar um único rastro. Bianor estava aprimorando seus poderes, não havia dúvidas.
Bianor nos admirou mais um pouco e depois começou a fazer uns movimentos circulares com as mãos. Logo um grande buraco negro se formou bem diante de nós.
– Não será para sempre, prometo, mas tenho que garantir que vocês não me atrapalharam. – Bianor falou bem alto.
Do seu trono ele começou a puxar uma corda imaginaria que fez com que Amadeus começasse a ser arrastado para dentro do buraco negro. Depois de Amadeus, foi a vez de Nicardo. Ele parecia tentar resistir, mas logo parou e deixou-se ser arrastado. Por fim eu comecei a sentir algo puxando meu corpo. Não fiz igual ao Nicardo. Estava desesperado demais para tentar impedir que Bianor me arrastasse. E se uma simples tentativa de falar poderia explodir minha cabeça, imagine o esforço de tentar ficar no mesmo lugar?
A escuridão tomou conta de tudo. Não se vi absolutamente nada além do preto. Conseguia me mexer novamente, ao menos isso. Senti que estava flutuando. Não parecia haver nada mesmo naquele local. Tentei alcançar o teto, mas fiquei subindo e subindo. Tentei voltar ao que poderia ser o chão, mas acabei não encontrando nada. Tentei achar as paredes, mas não também parecia não haver nada. Das duas uma: Ou estávamos jogados no meio de uma galáxia ou aquele local era realmente grande em todos os sentidos. E se tratando de Bianor poderia ser qualquer uma das opções.
– Amadeus? Nicardo? – só então me lembrei dos dois.
Não tive resposta, mas continuei gritando e seguindo rumo ao nada. Quanto mais eu vagava, mas certo eu ficava de que aquele lugar não tinha começo e nem fim.
– Alexis? – era a voz de Nicardo.
– Nicardo? – gritei – Ainda está me ouvindo?
– Estou! – a voz de Nicardo parecia distante.
– Amadeus está com você? – perguntei.
– Não. – Nicardo respondeu, agora um pouco mais perto – Continue falando que eu vou seguir sua voz.
– Tudo bem – comecei a falar – vou ficar parado bem aqui até você me achar. Você já me achou? Está perto de me achar? Onde você está? É o mesmo...
– Tudo bem, já pode fechar a boca! – senti Nicardo segurando minha mão.
– Engraçadinho. – fiz careta, mas ele provavelmente não viu – Vai ficar segurando minha mão.
– Dadas as circunstâncias eu vou! – Nicardo respondeu – Precisamos ficar unidos. Se nos perdemos nesse nada poderemos não sair jamais. Pelo menos não juntos. Se alguém encontrar uma saída, pelo menos todos nós saímos de uma vez.
Odiava admitir, mas ele estava certo. E odiava mais ainda saber que ele sabia que disso. Maldito leitor de mentes. Eu queria só ver como ele reagiria se de repente alguém começasse a ler a mente dele. Aposto como iria ficar todo estressadinho.
– Vamos deixar de papo furado e procurar por Amadeus. – Nicardo quebrou o silêncio.
– Precisamos mesmo? – perguntei.
– Alexis... – Nicardo provavelmente não fez uma cara muito bonita. Não que alguma vez ele já tivesse feito.
Continuamos atrás de Amadeus. Acredito que foram alguns minutos, mas o tempo ali não parecia passar.
Aos poucos comecei a me acostumar com a escuridão. Se existisse algo ali eu provavelmente conseguiria enxergar suas siluetas, mas não havia nada mesmo. Isso era um pouco estranho.
– Amadeus? – gritei.
– Se estiver nos ouvindo siga nossa voz! – Nicardo também estava gritando.
– Você está vivo? – continuei gritando.
– Não diga bobagens Alexis! – Nicardo apertou minha mão. Isso estava ficando muito estranho mesmo – Ele não morreu. E se estivesse morto, não responderia.
– Eu não estou ouvindo resposta de ninguém. – constatei.
– Agora eu que digo engraçadinho. – Nicardo disse debochando.
– Que ótimo! – bufei – Perdidos nos meio do nada, tendo que ficar de mãos dadas com um cabeça de pedregulho e ainda procurando um pirralho que não se sabe nem se está vivo.
– Ei! Eu não morri – era a voz de Amadeus. Vinha por de trás de nós – E não sou assim tão mais novo que você.
– Chegue mais perto! – Nicardo falou – Cadê sua mão.
– Vai querer ver o futuro dele? – zombei.
– Você sabe muito bem que não. – Nicardo disse sério – Precisamos ficar todos juntos.
– Concordo. – Amadeus falou.
– Senhor sabe tudo, me responde essa – esse apelido era do Cosmo, mas como ele não está – Onde exatamente nós estamos?
– No meio do nada. – Amadeus respondeu.
– Isso já deu para perceber, mas eu quero saber... Esquece. – bufei mais uma vez – Isso daqui não deve nem existir. Deve ser outra dimensão. Ficaremos aqui para sempre.
– Não acredito nisso. – vi a algo se movendo. Era a cabeça de Amadeus – Bianor não vai querer que justamente nós três percamos a sua grande vitória. Ele vai nos tirar daqui, mas somente depois de conseguir o que quer.
– E o que ele quer? – perguntei.
– Alexis você já foi mais esperto! – Nicardo zombou – Ela está falando do castelo da capital. É claro que Bianor vai querer invadir o castelo.
– Acredito que ele já deve estar se preparando para isso. – Amadeus completou.
– E agora? – perguntei – O que vai acontecer com eles?
– O nosso exercito ainda conta com a ajuda de Neandro, Thalassa e Tales. – Nicardo lembrou.
– E não se esqueça de Linfa, que lutou muito bem durante o ataque a Praça de Calidora. – Amadeus se lembrou desse detalhe.
– Mas isso não é consolo. – disse chateado – É horrível ficar aqui sem fazer nada.
– Eu sei, também sinto o mesmo. – Nicardo falou.
– E nós ficaremos presos nesse nada absoluto sem fazer absolutamente nada? – gritei. Minha voz ecoou.
– É o que parece. Infelizmente. – Nicardo pareceu baixar a cabeça.
– Mas nós precisamos...
– Fazer o que? – Nicardo perguntou – Já tentou executar algum poder?
– Ainda não, mas...
– Não adianta você não vai conseguir. – Nicardo me interrompeu – Este local foi feito para que ninguém consiga sair. Não podemos executar poderes, não achamos chão, nem tetos e nem parede para tentar abrir buracos. E mesmo se conseguíssemos, quem garante que sairíamos daqui desse jeito?
– Mas precisa existir um jeito. – gritei e novamente minha voz ecoou.
Um fio de luz surgiu assim que minha voz parou de ecoar. Meu olhos doeram quando ela começou a ficar mais forte. Provavelmente minha visão já havia se adaptado a escuridão. A luz foi crescendo e crescendo até se tornar... um espelho?
– Mas o que é isso? – perguntei.
– Parece um espelho. – Nicardo falou no meu ouvido.
– Você quer parar! – briguei – Eu estou falando sério.
– Será que isso é uma passagem? – Amadeus perguntou.
– Nunca saberemos se não olharmos mais de perto. – disse me aproximando.
O espelho não era muito grande. Era um espelho de mão na verdade. Mas se apareceu naquele nada de forma tão mágica provavelmente não deve ser apenas um espelho.
Ele estava girando devagar, como se estivesse brincando de roda. O peguei e o virei em direção ao meu rosto. Mas não era o meu reflexo que via no espelho, era outra pessoa. E essa pessoa se chamava Beatriz Misse.