Perfeito. Realmente perfeito. Mas que loucura. O que eu estou fazendo aqui? Já estou começando a achar que não deveria ter apoiado essa idéia. Estou com um péssimo pressentimento.
– Disse alguma coisa? – Neandro perguntava.
– Acho que não. – não sabia se estava pensando alto ou se Neandro havia adquirido as habilidades do cabeça de pedregulho.
– Vamos aproveitar que os guardas ainda estão atrás do dragão e passar para aquele lado. – Neandro vigiava a praça – Devemos ficar o mais próximo possível do castelo, mas devemos manter nossas vidas a salvo em primeiro lugar.
– Isso é um pouco obvio, mas é fato. – fui obrigado a concordar – Será que está tudo bem com as meninas?
– Elas estão bem. – Neandro não parecia muito confiante – Elas são espertas.
Assim eu esperava. Continuava com um péssimo pressentimento. Não é que não confiasse nas habilidades delas para se defender, mas existia algo de muito preocupante naquilo tudo. Talvez seja um excesso de zelo – com a Beatriz principalmente – mas eu tinha certeza de que era algo mais. Era muito mais grave do que isso.
Saímos do local onde estávamos para atrás de algumas árvores, do outro lado do castelo. Havia quase uma floresta atrás do castelo e eu não me lembrava de tantas árvores em minhas outras vindas a Ofir. Definitivamente Bianor queria transformar Calidora em um reino completamente distinto.
Não precisamos esperar muito para ver que Beatriz, Linfa e Thalassa estavam no castelo. Alias, elas não poderiam ter mandado um sinal melhor.
Centenas de prisioneiros estavam saindo furiosamente do castelo. Eles estavam atropelando tudo e todos em uma ânsia descontrolada por liberdade. No inicio foi engraçado, mas depois ficou assustador.
As pessoas começaram a andar feito loucas e rodavam a praça sem rumo. Era como se tivessem perdido o senso de direção. A impressão que tive era de que eles haviam desaprendido a viver em liberdade. Ou alguém os fez desaprender. Eles estavam enlouquecidos.
– Mas o que está acontecendo? – Neandro perguntava.
– Também gostaria de saber. – respondi.
– Eles enlouqueceram? – Neandro parecia mais estar fazendo uma afirmação do que uma pergunta.
– Ou é isso ou eles são excelentes atores. – observava a situação.
– Isso não me parece muito bom. – Neandro se abaixou.
– Sério? – fui puxado para baixo – Eu acho que isso não é nada bom.
– Devemos fazer alguma coisa? – Neandro estava pedindo minha opinião? O mundo estava mesmo de cabeça para baixo.
– Acho que por enquanto não. – tentei agir como o meu pai agiria – Estamos em dois. Se algo der errado...
– Veja! – Neandro apontou disfarçadamente em direção aos portões do castelo – Guardas.
– Eles provavelmente vieram prender os fugitivos. – observei.
Dito e feito. Os guardas começaram a capturar os prisioneiros. Muitos ainda conseguiram fugir, mas alguns foram presos. Esperava que os que conseguiram escapar chegassem salvos em algum lugar segura. Precisava pelo menos ter essa esperança. Apesar de não ser meu povo, eu me preocupo com eles. Mesmo que não goste muito de demonstrar.
Estava começando a ter certeza de que tínhamos sido precipitados em invadir Calidora. Não que o plano tenha sido ruim. Não completamente. Mas talvez, se tivéssemos elaborado com mais calma, o plano teria dado certo.
Uma dor forte atingiu meu braço. Na verdade não era uma dor, era mais uma ardência. Eu até já sabia do que se tratava. Era o ferimento em meu braço. Ele estava piorando. Retirei a manga da minha roupa para ver até onde o ferimento havia atingido. Já estava perto de chegar ao cotovelo. Estava avançando mais rápido do que esperava.
Como estará os homens de Tales? Isso me preocupava muito. Esperava que todos estivessem bem. No fundo eu até entendo um pouco a Beatriz, não é legal saber que os outros dependem de você. Precisava achar o mais rápido possível essas flores que curariam esses ferimentos, mas onde encontrar-las. Conhecer eu já conheço, mas até agora eu não vi nenhuma.
– Espere! – puxei Neandro para perto de mim – Aquele ali não é o cabeça de pedregulho do Nicardo.
– Cabeça de pedregulho? – Neandro achou engraçado – A Beatriz não está por perto e você aproveita.
– Engraçadinho. – eu ainda estava aprendendo a me controlar – Presta atenção!
– Deixe-me ver. – Neandro olhou na direção que apontava – Mas é ele mesmo. E olhe só, o Amadeus também está ali.
– E agora? – fui obrigado a perguntar.
– Essa confusão toda pode nos ser útil. – Neandro colocou o capuz e saiu em direção ao Nicardo e Amadeus.
– O que está fazendo? – continuei parado.
– Vem logo! – Neandro chamou.
Não tive opção. Acabei sendo forçado a seguir o meu irmão. Corremos feito loucos. Queríamos parecer mais um dos fugitivos que estavam rodando a praça. Não achava esse o melhor jeito de despistar os guardas, mas sem dúvida era melhor eles pensarem que éramos fugitivos do que terem a certeza sobre nossa verdadeira identidade.
Nicardo e Amadeus tinham acabado de entrar em uma loja. Uma alfaiataria. Aparentemente ninguém estranhou os dois entrando. Estavam todos em estado de choque, provavelmente ainda estavam assustados com o dragão. Eles estavam paralisados. Apenas os olhos mexiam na direção em que andávamos.
– Neandro? – Nicardo nos puxou para dentro da alfaiataria.
– Por onde vocês se meteram? – Neandro perguntou.
– Oi pra você também. – me fiz presente.
– Nós estávamos escondidos em cima de árvores. – Nicardo respondeu e continuou me ignorando. Aquele cabeça de pedregulho – Amadeus tinha um plano.
– Que plano? – perguntei desconfiado.
– Eu reparei que as coisas, do jeito que elas estavam, não iram acabar bem para o nosso lado. – Amadeus começou a explicar o obvio – Vocês precisavam urgente de uma distração para terem chances de fugir. E foi isso que eu fiz.
– Você fez? – perguntei – E que raio de distração você... Não?! Foi você que...
– Sim, foi ele mesmo. – Neandro confirmou.
– Que incrível! – Neandro ficou surpreso – Eu podia jurar que aquele era um dragão de verdade. Não sabia que você tinha um nível de magia tão elevado.
– Grandes coisas. – tentei não demonstrar nenhum tipo de admiração. Tudo bem, foi realmente algo muito incrível. Tenho que admitir que nem eu faria algo assim. Mas não posso encher o ego desse desconhecido.
– Mas é agora? – Amadeus perguntou – O que está acontecendo lá fora?
– Linfa, Beatriz e Thalassa entraram em uma passagem que descobrimos perto do castelo. – Neandro contou – Pelo que parece deu direto nas masmorras. Elas seguiram com o plano.
– Mas o fuga dos prisioneiros já não tem muito sentido agora. – Nicardo falou.
– Mas eles continuam sendo inocentes. – Neandro falou – Só não entendi o que aconteceu com eles. Eles não pareciam mentalmente bem. Estavam iguais a zumbis, andando sem rumo.
– Eu também reparei nisso. – Amadeus disse.
– Estavam iguais a esses aqui. – Nicardo apontou com os olhos para as pessoas da alfaiataria. Eles pareciam nem estar percebendo que falávamos deles.
Não esperamos as coisas se acalmarem. Seguimos para o submarino no meio da confusão. Os guardas pareciam ter perdido o controle da situação. Poderíamos não ter conseguido sabotar os soldados de Calidora, mas estávamos causando um grande transtorno ao reino. Alguma serventia isso deveria ter.
Conseguimos sair sem sermos percebidos. Algo estava conspirando ao nosso favor e eu estava extremamente agradecido por isso. Chegamos ao submarino sem levantar nenhuma suspeita.
– Ótimo. – disse – E agora? O que faremos?
– Não sei ainda. – Neandro estava preocupado.
– Beatriz, Linfa e Thalassa já deveriam ter voltado. – eu estava ainda mais preocupado – Não sei, mas estou com um péssimo pressentimento.
– Credo Alexis! – Nicardo balançou a cabeça como se conseguisse sentir o pressentimento ruim que eu estava sentindo. O pior é que aquela cabeça de pedregulho sempre sabe.
– Não vamos ficar pensando no pior. – Amadeus sempre tentando parecer o mais sensato.
– Amadeus tem razão. – Neandro idem – Precisamos pensar positivo.
– Já está começando a anoitecer. – Nicardo disse – Acho melhor dormirmos nos submarinos e amanhã bem cedo pensamos no que fazer agora. Além de esperar por Beatriz, Thalassa e Linfa. Elas provavelmente voltaram para o submarino.
– E se elas tiverem sido capturadas? – perguntei – E se algo de muito ruim tive acontecido a elas? Vamos ficar aqui de braços cruzados?
– Eu também estou muito preocupado Alexis. – Neandro mantinha a calma – Mas precisamos estar bem para resgatar-las. Daqui elas não saíram e Bianor não irá fazer nada com elas. Pelo menos nada que não possa esperar.
– Neandro está certo. – Amadeus disse – Se bem conheço Bianor, ele não irá fazer nada sem que todos vocês estejam presentes. Ele gosta de ver as reações das pessoas. Se ele tiver que matar...
– Não diga essa palavra! – falei.
– Desculpe. – ele ficou constrangido – Tem razão. Mas se algo de ruim for acontecer com elas, nós ficaremos sabendo.
Não consegui dormi. Fiquei girando e girando no espaço que me foi reservado como cama. Definitivamente eu não queria que nada de mal acontecesse a Beatriz. Nem as outras. Eu estava muito preocupado. Resolvi respirar um pouco de ar noturno. Ele tem algo que o ar matinal não tem. É mais frio e denso.
Ouvi um barulho. Algo se rastejava em algum lugar. Escondi-me atrás de uma árvore. Sabia que era perigoso ficar andando pela floresta sozinho, mas eu me garantia. Fosse o que fosse eu estava preparado para lutar.
Comecei a sentir uma sensação estranha. Era como se alguém estivesse se aproximando por minhas costas. Eu já havia sentido aquela sensação antes. E eu sabia exatamente o que era.
– O que está fazendo aqui? – me virei – Ótimo. Agora vai ficar me rondando também?
– E minha misssão. – sua voz era muito irritante – Eu devo vigiar a Mallory e todosss que a cccercam. Issso inclui vocccê também.
– Maravilha. – bufei – Eu realmente não queria ter sido um dos privilegiados. Eu não entendo, mas também prefiro nem entender.
– Vocccê essstá atrásss da Mallory? – Astra perguntou – Não perca ssseu tempo. Ela não vai voltar.
– O que você está dizendo? – quase gritei.
– Mallory agora é prisioneira de Bianor. – Astra se enroscou em mim – Ela foi aprissionada em um essspelho mágico. Asssim como aconteceu com sua mãe.
– Espelho mágico? – perguntei – Ela está no subterrâneo de Calidora?
– Não. – os olhos de Astra brilharam – Ela não está nesssa dimensão. Ela essstá em um mundo paralelo.
– E o que aconteceu com Linfa e Thalassa? – perguntei preocupado.
– Asss duasss foram mandadasss de volta para a Capital de Ofir. – Astra se afastou – Elasss essstão bem. Não sssão o alvo de Bianor. Não no momento.
– E o que eu devo fazer? – comecei a me desesperar – Como resgato Beatriz?
– Apenas a Mallory pode ssse libertar. – os olhos de Astra brilharam novamente – Apenasss ela pode descobrir o caminho de volta para Ofir. Ninguém maisss.
– E você? – perguntei – Os guardiões? Nenhum de vocês não podem fazer nada por ela?
– Nenhum de nósss temosss essse direito. – Astra colocava sua língua para fora – Não podemosss interferir nasss decccisões das pesssoasss. Apenasss elasss podem essscolher osss caminhosss que irá trilhar. Nósss ajudamosss apenasss quando sssomosss chamadosss.
– Como foi o caso da Linfa. – lembrei do que ela havia me contado – Ela pediu para que Anselm retirasse o veneno dela e foi isso que ele fez.
– Ele ssse asssussstou um bocado quando dessscobriu que Mallory podia ver-lo. – Astra parecia sorri – Masss não perca asss esssperançasss. Bianor ainda foi muito bom com ela. Deixou livre para dessscobrir o caminho de volta. Ele poderia ter amarrado Mallory e deixado em uma dimensssão vazia igual aconteccceu com sssua mãe.
– Então realmente não possso fazer nada? – imitei seu modo reptiliano de falar.
– Não deveria zombar de mim desssa forma. – os olhos de Astra arderam em chamas.
– Desculpe. – fiquei calmo – Foi apenas um modo de expressar.
– Melhor que ssseja. – os olhos dela se acalmaram.
– Agora é apenas esperar. – olhei para o céu irritado – Que ótimo!