– Precisamos achar-los! – Linfa me acordou dos meus pensamentos.
– Claro! – disse impulsivamente – Eles podem estar em perigo. Precisamos voltar!
– Voltar? – Alexis se assustou.
– Sim, voltar! – falei alto.
– Beatriz, eu entendo sua preocupação. – Alexis se aproximou – Por mais que eu não goste daqueles dois, não quero que nada de ruim aconteça.
– Não Alexis. – Neandro interrompeu – A Beatriz tem razão. Não podemos deixar ninguém para trás. Não desta forma.
– Você está de acordo com essa idéia? – Alexis se assustou.
– Eu iria sugeri exatamente isso. – Neandro ficou sério.
– Eu também acho que devemos voltar. – Thalassa apoiou a idéia.
– Vocês estão calculando o risco do que pretendem fazer? – Alexis perguntou.
– Eu sei exatamente o risco que iremos correr – Neandro continuou defendendo a idéia – e sei que os dois correriam o mesmo risco se qualquer um de nós estivesse no lugar deles.
– Mas não sabemos como está a Praça de Calidora. – Alexis continuava contra – Depois que aquele dragão, ou o que for aquilo, apareceu... Gente é loucura!
– E o que você sugere? – Neandro perguntou – Abandonar os dois sem sequer saber o que aconteceu?
– Alexis, eles são nossos amigos. – Thalassa tentou convencer-lo – Amigos não abandonam amigos.
– Eu sei disso...
– Se sabe o que ainda está fazendo? – interrompi – O que todos nós estamos fazendo? Perdendo tempo?
– Beatriz! – Alexis falou alto – Você sempre é a primeira a ser contra planos arriscados. O que deu em você agora?
– Alexis, não me faça perguntas difíceis. – fui sincera – A única coisa que tenho certeza e que não posso deixar que nada de ruim aconteça a ninguém. Apenas isso.
– Mulheres são assim e ponto. – Linfa sorriu – Acho que isso é uma das milhares de coisas que vocês homens nunca entenderam.
– Tudo bem. – Alexis levantou a mão – Desisto. Se for o que vocês querem, não serei eu que tentarei impedir.
– Mas você vai vir conosco! – falei.
– O que? – Alexis se assustou.
– É claro! – consegui sorrir – Pensou que iria ficar na moleza enquanto nós enfrentamos sabe-se lá o que?
– Estava bom demais! – Alexis bufou – Eu vou.
– Muito bem. – dei um tapinha em suas costas.
– Ótimo! – Neandro foi para o meio do grupo – Os soldados podem voltar para o submarino. Será mais seguro manter o maior número de homens em segurança caso algo dê errado.
– Você está falando sério? – Alexis gritou.
– Alexis, se chegarmos aos montes chamaremos muita atenção. – Neandro explicou – Mesmo que a praça esteja uma loucura, não podemos arriscar perder ninguém.
– Claro. – Alexis ficou nervoso – Salvem os soldados e o resto que se...
– Alexis! – tapei a boca dele – Não há crianças no recinto, mas continua sendo feio falar palavrões.
Sobrevoamos a cidade devagar. Tentamos não arriscar procurar por Nicardo e Amadeus por terra.
Tive uma nova surpresa com Linfa. Ela sabia voar. Ela já havia me contado que Neandro ensinou alguma coisa de magia, mas nunca pensei que chegaria a esse ponto. Ela deveria ter treinado muito ou eu sabia menos da Linfa do que julgava.
Chegamos à praça mas rápido do que imaginávamos e encontramos uma confusão ainda maior do que a que havíamos criado. Eram pessoas correndo desesperadas para todos os lados e guardas tentando controlar a situação. De repente era como se todos tivessem acordado. Apesar do desespero, agora eles pareciam pessoas com alma.
– Vocês estão vendo o dragão? – perguntei.
– Parece que ele sumiu. – Neandro olhava ao redor.
– Então qual é o desespero dessas pessoas? – fitava o povo correndo.
– Não faço à mínima. – Neandro também começou a fitar – Mas seja lá o que for está assustando de verdade essas pessoas.
– Mas seja como for nós não iremos encontrar ninguém no meio dessa confusão. – Linfa tentava enxergar algo.
– Acho melhor descermos. – Neandro falou um pouco cansado.
– Acho que podemos descer ali. – Alexis apontou para um ponto mais isolado da praça. Bem perto do castelo.
Descemos e nos escondemos atrás de alguns arbustos. Estávamos ainda cansados da batalha. As pessoas continuavam correndo como se a vida delas dependesse daquilo e aparentemente ninguém nos viu.
– Será que eles estão no meio desta confusão? – Linfa observava por entre as folhas do arbusto.
– Espero que estejam bem. – disse enquanto me sentava.
– As pessoas estão exageradamente desesperadas. – Linfa continuou observando – O mundo acabou e eu não fiquei sabendo?
– Acho que você não chutou tão longe. – falei – Este mundo está acabando, isso não há dúvidas.
– Nós vamos ficar parados aqui? – Alexis perguntou.
– Não. – Neandro começava a se recompor – Vamos começar a procurar.
Respirei fundo e levantei. Mas algo muito estranho começou a acontecer. A parte onde eu estava começou a tremer e descer. Era como se um pedaço da terra estivesse caindo. Ou alguém acionando o elevador na parte térrea.
– Mas o que está acontecendo? – dei um salto para o lado.
Aos poucos o buraco revelou uma escada e um túnel. Isso sim era muito estranho.
– Uma passagem? – Neandro estranhou.
– Ou pelo menos se parece com uma. – Alexis também parecia não ter entendido.
– Como será que abriu? – Linfa perguntou.
– Eu sentei nessa área. – falei e imediatamente fui procurar algum tipo de botão que eu pudesse ter acionado. Não achei nada.
– Para onde ele vai levar? – Thalassa perguntou.
– Provavelmente para o castelo! – Neandro arregalou os olhos – Claro!
– Será? – perguntei.
– Só há um jeito de saber. – Linfa se prontificou a descer.
– Então vamos fazer o seguinte – Neandro começou a dividir o grupo. Senti-me em um episódio de Scooby-Doo – Beatriz, Linfa e Thalassa descem pela passagem. Se ela sair no castelo tentem ir para as masmorras e libertem os prisioneiros. Alexis e eu vamos procurar Nicardo e Amadeus por aqui.
– Ei! – Alexis falou alto.
– Silêncio! – Neandro colocou o dedo na frente da boca – E sem reclamações!
– Mas não vai ser perigoso ficar só vocês dois no meio dessa confusão? – perguntei.
– Vai ser perigoso para vocês se essa passagem sair em outro lugar. – Neandro falou – Até mesmo se sair no castelo será perigoso.
– Mas estamos em três. – falei.
– Eu valho por dois. – Neandro brincou – Agora vão!
Linfa, que já estava à frente, presenteou Neandro com um sorriso de força e desceu. Logo atrás estava Thalassa, que também parecia não gostar muito da idéia de explorar um desconhecido túnel que pode dar para qualquer lugar. Eu fui a ultima a descer e de cara não gostei nada do que vi.
Assim que descemos a passagem se fechou e a escuridão tomou conta do local. Fiz aparecer uma chama com minha mão esquerda e não precisou andar muito para reconhecer o local. Era exatamente o mesmo corredor que Nínive usava em suas passagens mágicas. E continuava achando aquele lugar extremamente estranho e perigoso. Algo digno de dúvida. Mas a Nínive já havia nos ajudado tantas vezes.
– Que lugar peculiar. – Linfa reparou.
– E como. – disse para mim mesma.
– Para onde ele vai nos levar? – Linfa perguntou por perguntar.
– Esse é o mistério. – deixei escapar.
Mas havia algo de diferente nesses corredores. Não sabia explicar o que era, mas sabia que existia algo ali que não estava presente da primeira vez que estive “passeando” por eles. Era uma sensação totalmente nova, um desespero diferente. Não estava gostando nada disso.
Não precisamos andar muito para chegar a uma saída. Na verdade a impressão que deu foi de que a porta simplesmente se materializou na nossa frente. E como em Ofir tudo pode acontecer, hesitei em abrir-la. Linfa tomou a frente da situação.
Saímos exatamente onde queríamos sair. Acho que tinha me esquecido desse detalhe. As passagens de Nínive sempre saiam nos lugares onde desejávamos sair.
As masmorras continuavam as mesmas. Sujas, escuras e repleta de inocentes. Estávamos dentro de uma das celas e a passagem havia desaparecido. Não que isso fosse realmente um problema, mas fiquei um pouco preocupada. Talvez o Alexis e o Nicardo tenham razão em dizer que estou levando tudo a sério demais.
Ouvimos barulhos de guardas se aproximando e resolvemos nos esconder. Pegamos alguns panos velhos que estavam na cela e tapamos rapidamente nossos rostos. Os guardas passaram conferindo cela por cela. E eu já estava gelando.
Vagarosamente um dos guardas chegou a nossa cela. Ele olhou e olhou e olhou mais uma vez. Isso estava sendo péssimo.
– Quem são vocês? – meu coração quase parou.
– Nós? – Linfa tentou parecer segura.
– Sim, vocês! – o guarda se irritou.
– Prisioneiros. – Linfa continuava disfarçando o nervosismo em sua voz.
– Levante-se! – o guarda enxerido agora ordenava – Todos vocês! Quero ver seus rostos!
– O que? – deixei escapar.
– O que você está fazendo? – o outro guarda chegou.
– Quem são esses? – o guarda enxerido perguntou nervoso.
– Você decora? – o outro perguntou – Eu só lembro o número. Nunca rostos, quanto mais nomes. Só números. São três nessa cela e existem três nesta cela. Para mim está tudo certo.
O enxerido olhou mais uma vez para nós e pareceu não se convencer de que estava tudo realmente certo.
– Desta vez eu vou deixar passar. – ele falou quase como se sentisse nojo.
– Fomos salvas por pouco! – Thalassa suspirou aliviada depois que os guardas se foram.
– Eu diria mais, diria que fomos salvas por muito pouco. – Linfa brincou.
– Olhe! – Thalassa falou um pouco alto.
– A passagem apareceu outra vez. – estranhei.
– Essa história está ficando um tanto bizarra e confusa. – Linfa também estranhou – Mas vamos fazer o que temos que fazer.
– Isso! – Thalassa se animou.
Quebrar as grades sem fazer grandes barulhos não foi o problema. Consegui fazer isso com uma rapidez ninja. O grande problema era controlar as pessoas e fazer-las passar pela passagem rapidamente e organizadamente. Quase pensei que não fossemos conseguir, mas no fim deu tudo certo. Todos os prisioneiros haviam sido libertados. Apesar de não confiar muito naquela passagem, sabia que a eles ela não traria danos.
– Missão cumprida! – Thalassa ergueu a mão para que pudéssemos bater uma nas outras.
– Agora, aproveitando que estamos aqui, poderíamos já ir procurando por Nicardo e Amadeus. – Linfa sugeriu – Eles podem ter entrado no castelo. Podem ter sido capturados e levados para outro lugar.
– Mas como iremos fazer isso sem chamar atenção? – perguntei.
– Se todas as masmorras agirem da mesma forma eu sei como. – Linfa sorriu.
– Levando em conta que estamos em um reino dominado por um louco psicótico e que nada é como costuma ser, qual seria essa solução?
– Sigam-me! – Linfa continuou sorrindo – Em silêncio.
Fizemos exatamente o que ela pediu e seguimos em direção a saída das masmorras. Já estava imaginando qual era o plano de Linfa e poderia dar certo. Precisaríamos ser rápidas. Se conseguíssemos isso o plano correria exatamente como o planejado.
A primeira parte do plano estava seguindo bem. Os dois guardas estavam de vigia na porta. Eles andavam de um lado para o outro feito sonâmbulos, mas sem os braços esticados. Era mais parecido com uma hipnose, mas no caso deles eu sabia que era sono mesmo.
Seguimos devagar e esperamos o momento em que eles paravam para descansar. Os dois estavam tão sonolentos que parecia até um pecado o que estávamos prestes a fazer de tão fácil que seria.
Thalassa e eu continuamos esperando enquanto Linfa passava para chamar atenção deles. A principio eles ficaram sem ação, mas depois acordaram e se prepararam para agir, mas Thalassa e eu conseguimos ser mais rápidas e golpeamos os dois pelas costas. Caíram desacordados na mesma hora.
– Ótimo! – Linfa resmungou – Só temos duas armaduras.
– Eu sigo invisível atrás de vocês, não se preocupe. – tentei reconfortar-la.
– Tem certeza? – Thalassa perguntou – Não sabemos quanto tempo ficaremos andando. Mesmo você pode ficar sem energia se abusar demais.
– Tudo bem. – sorri – Eu vou ficar bem.
– Acho que não será necessário. – uma voz surgiu na escuridão. E eu já sabia quem era.
– Nínive?!