– Finalmente apareceu alguém! – Alexis gritou assim que nos viu chegar – Pensei que ficaria aqui igual a um carneiro posto para sacrifício.
– Que exagero Alexis! – disse em tom de deboche – Carneiros não são sacrificados desta forma.
– Engraçadinha. – ele fez língua – Agora me tirem daqui!
– Você está muito arrogante para uma pessoa que está completamente imóvel. – resolvi brincar um pouquinho e fiquei rodeando a árvore.
– Quer parar! – Alexis gritou – Você vai ficar dando voltas ou me tirar daqui?
– Depende. – sorri maliciosa.
– O que foi desta vez? – Alexis bufou.
– O de sempre. – continuei sorrindo – As famosas palavrinhas mágicas que demonstram que, além de educação, você tem um pouco de humildade.
– Então agora vai ser sempre assim? – ele revirou os olhos – Tudo bem. Poderiam me desamarrar desta árvore? Por favor?
– Agora sim falou como uma pessoa educada. – dei um tapinha de leve no rosto de Alexis.
Peguei uma faca que estava amarrada na cintura de Nicardo e segui para a árvore. Continuei brincando um pouquinho com Alexis, rodeando a árvore até finalmente tentar cortar a corda. Uma corta realmente resistente.
– Que demora! – Alexis reclamou.
– Do que é feito essa corda? – perguntei – Parece que eu estou cortando um pedaço de mármore.
– Eu não faço a mínima idéia. – Alexis respondeu.
– Onde está o nó? – Neandro perguntou.
– Acho que estão perto do meu tornozelo. – Alexis apontou com a cabeça.
– Mas isso aqui é um nó oceânico. – Neandro se espantou. Eu também.
– E o que viria a ser um nó oceânico? – perguntei – Nunca ouvi falar.
– Nem nunca ouvirá falar novamente! – Neandro desistiu – Esse nó foi extinto há muitas décadas por ser quase impossível de se desatar. Somente quem fez o nó poderia ter alguma idéia de como começar.
– Deixe-me ver! – joguei a faca na mão de Neandro, que agarrou rapidamente.
O nó era realmente diferente de tudo o que eu aprendi nos acampamentos de verão que minha mãe sempre me obrigava a frequentar na infância. Era a gambiarra mais bem feita que eu já havia visto.
– A coisa está feia! – também desisti de desatar aquele nó.
– E vocês vão me deixar preso aqui? – Alexis se desesperou.
– Não. – fui direta – Espere um segundo. Estou tentando pensar em algo.
– Mas não demora muito que meu braço já está ficando dormente! – Alexis tentou se acalmar.
– Vou pensar melhor se você parar de ficar falando. – respondi – Já sei!
– O que? – todos perguntaram ao mesmo tempo.
– Afastem-se! – quase ordenei, o que pareceu assustar-los um pouco – Mas não precisa ser tanto assim.
Não tinha certeza se isso daria certo, mas já tinha visto algo parecido em alguns filmes de magia e neles sempre funcionava. Fechei os olhos e me concentrei. Fui notando a energia fluir e logo comecei a sentir minha mão ficar mais úmida. Era exatamente o que queria.
Joguei um jato de água sobre a corda e rapidamente enviei outro jato, congelando a água e esperei um pouco antes de virar uma de lutadora de vídeo game e dar um chute na parte congelada da corda. E tudo saiu exatamente como eu havia imaginado. A parte congelada se estilhaçou em mil pedaços e a corda cedeu e caiu como chumbo no chão.
– Agora eu fiquei realmente impressionado! – Alexis continuava parado no mesmo lugar.
– Tudo foi muito bonito, mas nós temos coisas realmente importantes. Sem ofensas. – Thalassa direcionou o “sem ofensas” a mim.
– Não fiquei ofendida. – respondi não só por educação, eu realmente não havia ficado.
– Vamos continuar seguindo até minha casa. – Neandro apontou o caminho com os olhos – Eu acho que já tenho algo em mente.
Entramos na casa de Neandro feito loucos. Pouco antes de chegarmos, uma chuva forte começou a cair e tivemos que nos apressar para não chegar completamente encharcados. Foi inútil.
Depois de enxutos e devidamente vestidos fomos para a sala. Neandro tinha um plano e estávamos todos ansiosos para ouvir. Os planos de Neandro, em sua maioria, eram bons.
– Conte o que pensou. – disse ainda enxugando meus cabelos.
– O plano que bolei é arriscado, mas é nossa única saída no momento. – Neandro estava visivelmente receoso em contar sobre seus planos.
– Fale logo Neandro! – Alexis falou alto.
– Já ficou claro que Bianor quer nos desestabilizar – Neandro começou – disso ninguém discorda, certo?
– Certo. – todos nós dissemos quase ao mesmo tempo.
– Ele provavelmente está querendo eliminar o maior número de pessoas possíveis – Neandro continuou – e isso nos inclui. Acredito que, se ele aparecer, vai ser apenas para dar o golpe final. Seu exercito está intacto e não temos como reforçar nossos exércitos de nenhuma maneira. Somos o único reino que ainda sobrevive longe das garras de Bianor.
– Sim, já sabemos de tudo isso que você falou. – Alexis interrompeu – Mas será que pode pular essa introdução e ir direto ao plano?
– Alexis! – dei um tapa em seu braço – Que coisa feia!
– Não enche! – ele respondeu na mesma hora.
– Vamos parar de criancice! – Neandro chamou atenção de Alexis e, consequentemente, a minha também.
– Como eu estava dizendo, se tudo continuar desta forma o nosso reino será tomado e Bianor irá controlar toda Ofir e as chances de voltarmos a ser o que éramos se dissipa feito água.
– E o plano? – Alexis interrompeu novamente.
– Não existe outra saída a não ser revidar. – Neandro parou de enrolar.
– Revidar? – eu e Alexis falamos ao mesmo tempo.
– Sim. – Neandro continuava com o tom receoso – Eu sei que é arriscado, mas é a única forma de fazer algo pela Capital.
– Mas quando você diz “revidar”...
– Eu quero dizer ir a Calidora, onde se encontra o maior número de soldados de Bianor, é fazer uma bagunçazinha por lá também. – Neandro antecipou a resposta para pergunta de Alexis.
– Mas você realmente deve estar louco! – falei alto e levantei do sofá – Como nós iremos invadir Calidora, fazer uma “bagunçazinha” e voltar sem sermos pegos?
– É um risco que temos que tomar! – Neandro defendeu sua idéia.
– Mas é quase suicida. – continuei falando alto – E se você está pensando em invadir Calidora, vai ter que tirar alguns homens que estão vigiando o porto e o castelo.
– Eu sei disso. – Neandro ficou sério – Beatriz, essa idéia não surgiu do nada.
– Mas é o que parece! – quase gritei. Eu já estava trabalhando nela faz algum tempo.
– Desde que soube da planta de Calidora que curaria o ferimento do Alexis e dos homens de Tales eu tenho pensado nisso. – Neandro tentou falar o mais devagar possível – Não queria ter que usar-la, mas é a única escolha.
– Eu não acredito no que você está falando! – continuei quase gritando – E vocês não vão falar nada?
– Eu acho muito perigoso – Alexis começou a se manifestar – mas concordo com Neandro. Essa é nossa única alternativa.
– Você também Alexis? – fiquei decepcionada.
– Independente da decisão que for tomada eu estarei com vocês. – Amadeus não parecia estar em cima do muro.
– Você fica insistindo em querer lutar com a gente? – Alexis já começou a implicar.
– Alexis, o Amadeus está nos ajudando muito. – Thalassa defendeu Amadeus – E eu penso como a maioria. É um plano arriscado, mas é o que temos.
– Acho que qualquer passo que déssemos agora seria arriscado. – Nicardo também se mostrava a favor daquele plano absurdo.
– Ótimo. Mesmo que o Tales estivesse aqui para votar ao meu favor vocês teriam vencido. – fiquei emburrada – Por falar nele...
– Está tratando de um dos seus homens. – Nicardo respondeu – Escondido.
– Mas o que o Tales tanto esconde? – Thalassa fez a pergunta que não quer calar.
– Então ficou decidido desta forma. – falei – Vocês irão mesmo invadir Calidora.
– Parece que sim. – Alexis sorriu debochado.
– Falou o palhaço. – fiquei irritada.
– Nós precisamos começar a agir depressa. – Neandro voltou ao assunto principal – Todo o tempo é preciso agora. Eu vou para o castelo contar nossas decisões para o meu pai e depois começar a planejar a invasão. Alguém me acompanha?
– Eu irei com vocês. – Linfa quase se materializou – Eu também irei participar dessa missão.
– O que estão colocando na água desse povo? – estava quase revoltada – Linfa você enlouqueceu?
– Eu? – Linfa sorriu – Por quê?
– Linfa... – Alexis tentou dizer algo.
– Eu também não vejo impedimentos. – Neandro me surpreendeu. Definitivamente estavam colocando algo na água deles.
– Você concorda mesmo com isso? – Alexis parecia estar de acordo comigo.
– É claro! – Neandro reforçou sua opinião dando uma entonação mais incisiva no “claro”.
– Mas, com todo respeito, você sabe lutar? – Alexis perguntou.
– Eu só sei lutar. – Linfa brincou.
– E eu posso garantir que ela luta muito bem! – Neandro abraçou a esposa.
– Estou começando a ficar com medo dessa “missão”. – disse colocando aspas com o dedo na palavra “missão”.
– Que seja. – Alexis fez um gesto de rendição com as mãos – Como você mesmo disse Neandro, todo tempo é precioso.
– Claro. Vamos! – Neandro endireitou o corpo como se quisesse colocar ordem no local.
Seguimos para o castelo quase correndo. Estávamos repetindo tanto esse caminho nos últimos meses que já começávamos a deixar rastros por onde passamos. Por hora isso não fazia a menor importância.
Chegamos ao castelo e a primeira coisa que vimos foi Cosmo. Estava há tanto tempo sem ver-lo que se demorasse mais um pouco eu nem iria reconhecer-lo. Thalassa foi correndo dar um abraço e um beijo um pouco mais longo que o normal. Ignoramos.
– O que vocês vieram fazer aqui? – Cosmo perguntou preocupado – Não me diga que aconteceu algo de grave?
– Não exatamente. – Neandro tentou parecer calmo – Queremos falar com o meu pai. Temos um plano um pouco arriscado para executar.
– Plano arriscado? – Cosmo levantou a sobrancelha direita – Não sei por que ainda me assusto com isso.
– Eu sei! – falei – O plano é realmente arriscado e eu sou completamente contra.
– Eu também estava indo falar com o Rei Céleo. – Cosmo continuou abraçado com Thalassa – Vamos todos juntos. É bom que já fico sabendo que plano arriscado é esse.
Entramos na sala sem sermos anunciados – nossa aparição no castelo já estava virando uma sirene de urgência e formalidades do tipo eram dispensáveis. Rei Céleo parecia já saber do que se tratava, seu rosto não estava muito “contente”.
– Papai as coisas já estão ficando fora de controle. – Neandro dizia o obvio – Nós precisamos fazer algo e é por isso que estou aqui.
– Imagino. – Rei Céleo não demonstrava mais nenhuma emoção – Conte-nos.
– O Cosmo quer falar algo também. – lembrei em uma tentativa de fazer Neandro e os outros desistirem da idéia de invadir Calidora. Desde o inicio sabia que não funcionaria. Mas pelo menos tentei.
– O que eu tenho para falar é rápido e direto. – Cosmo se pôs um passo à frente – Eu e minha equipe já terminamos a frota de submarinos que o senhor pediu.
– Isso é ótimo. – Rei Céleo tentou mostrar alguma expressão de gratificação, mas falhou.
– Estão todos apenas esperando para serem usados. – Cosmo completou.
– Isso é ótimo! – Neandro ficou contente com a notícia – Se for permitido, queremos usar um em nossa missão.
– Conte esse plano. – Rei Céleo parecia cansado demais para demonstrar qualquer tipo de expectativa.
– Como já deve ter percebido – Neandro chegou mais perto do pai – Bianor quer fazer com que nosso exercito diminua o máximo possível. Podemos dizer que ele já está atacando, aos poucos, apenas para tirar nossas atenções detonar com nosso exercito. E o que nós estamos fazendo?
– Nada. – Rei Céleo respondeu inexpressivo.
– Exatamente. – Neandro parecia um daqueles vendedores ambulantes fazendo propaganda de um produto milagroso – Nós não estamos fazendo nada. Se continuarmos assim Bianor irá conseguir o que quer.
– E o que você tem em mente filho? – Rei Céleo continuava inexpressivo.
– Invadir Calidora! – desta vez Neandro foi direto.
– O que?! – Rei Céleo pulou de seu trono como se um raio de energia tivesse passado por seu corpo.
– É arriscado? Sim, mas é nossa única saída! – Neandro defendeu sua idéia.
– Mas isso é realmente muito arriscado. – Rei Céleo balançou a cabeça como se tentasse entender o que estava acontecendo – Invadir um reino requer um exercito. Você está pensando em retirar homens da proteção da Capital?
– Papai – Alexis entrou em defesa do irmão – nós não temos muito que fazer. Mas ficar parado também não vai nos adiantar de nada.
– Se não fizermos algo agora pode ser tarde demais. – Neandro e Alexis ficaram cercando o pai.
– Eu disse que era um plano arriscado demais. – comentei – Mas sou voto vencido.
– Entendo. – Rei Céleo não parecia realmente entender.
– Papai – Alexis falou com uma voz manhosa e nada apropriada para o pedido e nem para ocasião – pense bem e nos ajude.
– Mas filho...
– Papai é a nossa única chance! – Neandro resolveu reforçar mais ainda o fato.
– Eu estou apoiando a decisão geral, mas acredito que o melhor caminho seja invadir. – Amadeus resolver deixar suas opiniões bem claras.
– Eu concordo com a Beatriz – Cosmo tomou meu partido – Não sei se seria a melhor saída.
– Cosmo, já não é mais questão de melhor saída – Alexis se aproximou dele – essa é a única saída.
– Tem certeza? – perguntei.
– Você consegue pensar em algo melhor? – Alexis levantou as sobrancelhas. E eu não conseguia pensar em outra saída.
– Eu não gosto nenhum pouco desta situação, mas vocês dois tem razão. – Rei Céleo já havia decidido o que fazer – Não consigo pensar em nada. Essa é a única saída.
– Isso que dizer que...
– Vocês estão autorizados. – Rei Céleo adiantou a resposta de Alexis.
– Então podemos passar para a segunda fase: planejar o ataque! – Neandro se animou.
A idéia de invadir um reino nessas circunstancias me apavorava. A idéia de poder perder alguém em uma batalha era horrível. Eu me sentia completamente responsável por qualquer coisa que viesse acontecer. Eu era o principal motivo disso estar acontecendo. Eu que estava destinada a trazer paz a Ofir ou destruir-la de vez. Era impossível não se sentir responsável. Só esperava que esse plano desse realmente certo e que essa guerra acabasse o quanto antes.