Fiquei fitando o teto. Ele não era tão bonito quanto o resto do castelo. Era um teto um tanto quanto normal, não havia enfeites, nem detalhes especiais que o chamassem atenção, apenas o lustre – enorme – pendurado no centro do quarto.
Estava quase dormindo quando ouvi alguém bater na porta. Levantei-me rapidamente e fui abri-la, já sabia quem poderia estar atrás da porta naquele momento: O REI.
– Vejo que aproveitou para lavar-se! – o rei parecia rir d e mim, mas sabia que era coisa da minha cabeça.
– É que o... – já estava me explicando quando o rei interrompeu.
Ele colocou o dedo na frente da boca e estendeu a mão, mostrando a caixa vermelha. Ele seguiu até a penteadeira e deixou a caixa ali, depois se sentou na cama e me induziu a sentar-se ao lado dele.
– Realmente não sabes de nada sobre essa caixa vermelha? – ele me encarava, bem serio.
– Não senhor! – balancei a cabeça negativamente – Para ser honesta, estou muito confusa com tudo isso.
– Entendo. – ele fitou a caixinha. – Então não sabes o motivo de estar aqui?
– Não senhor! – estava constrangida. Nunca pensei que um dia conheceria um rei.
– Acho que terei mais trabalho do que imaginei! – ele parecia preocupado – Você já olhou pela janela?
– Não exatamente. – respondi vermelha.
– Vá agora e olhe! – ele tentava parecer calmo.
Fui até a janela – a imensa janela – e tive uma surpresa tão grande quanto ela.
Do quarto, conseguia ver tudo o que estava em volta do castelo. Via a floresta à esquerda, pequenas casas em vários pontos, um grande jardim à direita, um muro muito grande e o maior portão que já havia visto na vida.
Além dos portões, conseguia ver vestígios do que parecia ser uma cidade. Mesmo não conseguindo identificar o que era o que, pude ver uma grande torre com relógio e mais além montanhas.
– Tudo isso o que se pode ver através da janela e um pouco mais é a cidade de Ofir, a capital do reino lendário. – ele estava bem atrás de mim. – Mas as pessoas costumam chamar a cidade apenas de capital, ao invés de Cidade de Ofir.
– É lindo! – continuei admirando a vista. – Mas isso não existe na Terra! – me intriguei, mesmo já sabendo que estava muito longe de casa.
– Terra? – o rei ficou completamente confuso – Como assim não tem na terra? Como poderia ter algo além de flores, árvores, legumes e verduras na terra?
Tive que evitar o riso, não queria parecer debochada na frente da única pessoa que me deu um voto de confiança.
– Não é esse tipo de terra que estou falando! – comecei a explicar. – É o Planeta Terra, o mundo de onde vim!
– Planeta? – ele sorriu – Eu já ouvi falar alguma coisa de planetas, eles existem em algumas dimensões. Aqui nós só temos Ofir de “planeta”.
– Como assim? – sai de perto da janela – Realmente não estamos na Terra? – já havia descoberto que não, mas a ficha pareceu ter ficado presa e não queria cair de forma alguma.
– Nós estamos no mundo de Ofir, provavelmente de uma dimensão muito diferente da que você veio! – ele parecia calmo agora.
– E a culpa de eu estar aqui é realmente da caixa? – tentava raciocinar.
– Não exatamente. – ele me deixou confusa.
– Então o que? – me virei para ele.
– Ao que tudo indica, você foi chamada para esse mundo! – ele voltou a ficar serio – Não posso dizer exatamente o que aconteceu, não tenho muita experiência em magia...
– Magia? – interrompi.
– Magia! – ele continuou serio. – Você está aqui devido à magia. Esta caixa foi apenas um “instrumento de apoio”, algo que fizesse a magia chegar até você.
– Desculpe, eu não estou compreendendo! – deixei bem claro a minha “ignorância” quanto ao assunto.
– Se lhe serve de consolo, como já disse, também não sei muito sobre magia. – o filho dele sem dúvida não parecia em nada com o pai. – Eu aconselho a descansar um pouco por hoje, prometo-lhe dar uma resposta a tudo isso o mais rápido que me for possível!
– Obrigada! – respondi com um sorriso forçado. – Posso fazer duas perguntas?
– Sim! – ele respondeu com um simpático olhar e um sorriso amistoso.
– Por quê? – tentava formular a pergunta do modo menos ofensivo que encontrei – Você acreditou em mim. Por quê?
– Não sei. – ele pareceu bem sincero – Existe algo em tu que me faz querer acreditar que eis inocente.
– Obrigada! – sorri naturalmente
– Quanto à outra pergunta? – ele repetiu o olhar e o sorriso
– Claro, já ia me esquecendo! – cocei a cabeça e sorri constrangida – Como devo te chamar? Alteza?
– Você pode me chamar de Céleo, apenas quando estivermos sozinhos. – ele levantou o ombro e a cabeça – Quando estiveis perto de meu filho ou qualquer outra pessoa, evite me chamar enquanto essa situação não for resolvida. Ainda estás sob o beneficio da dúvida e pessoas nesta situação não devem dirigir a voz ao rei.
– Mas... – não sabia o que questionar.
– Não é pessoal, apenas leis que devem ser seguidas para sua própria segurança.
– Entendido!
– Alguém te chamará em breve, terás que sair do castelo. – ele abriu a porta – Caso alguém mais descubra que não és uma Ofirniana terás grandes problemas. Será mais seguro ficar fora daqui.
– Muito obrigada, Céleo! – sorri e ele retribuiu. Tive a ligeira sensação de que estava resumindo minhas expressões faciais a um único sorriso.
Assim que ele saiu e minha cabeça voltou temporariamente para o lugar, deitei novamente na cama e tentei não dormir. Precisava esperar ser chamada.
A solidão do quarto e o silêncio absoluto criaram um clima assustador e à medida que o dia passava, ficava ainda pior. Era como estar prisioneira em uma cela de luxo.
Para passar o tempo fiquei andando pelo quarto e observando melhor o reino da janela. Tentei abrir a porta, mas fui impedida pelos guardas. Não sabia se eram os mesmos que haviam me levado até o quarto ou se já haviam mudado, estavam todos sempre com a mesma armadura.
Já era provavelmente o fim da tarde quando olhei novamente para a janela. O céu começava escurecer e pude ver luzes se acendendo, uma atrás da outra, até forma uma fila completa que se encerrava no portão. Em seguida duas grandes tochas foram acesas no canto de cada portão e pude ver varias luzes se acendendo onde era a cidade e o grande relógio brilhando finalizando o “show de luzes” que havia acabado de presenciar.
De repente o clima sombrio que havia sido reforçado com a chegada da noite é quebrado junto com o silêncio, finalmente alguém batia na porta.
– Você? – disse com nojo assim que vi quem entrava.
– Meu pai manda buscar-la, acompanhe-me por favor! – mesmo sendo educado, ele não perdia o tom autoritário em sua voz.
– Poderia me dizer o motivo de ter demorado tanto assim? – tentei não parecer arrogante, mas a simples presença dele já me deixava alterada. – Cheguei a pensar que fosse dormir aqui!
– Não és o único problema que meu pai está resolvendo. Caso não se lembre, ele tem um reino inteiro para governar! – sua arrogância estava de volta.
– Então vamos resolver isso logo? – alterei minha voz para mesma arrogância dele.
– Não posso corta-lhe a cabeça agora, terás que esperar! – ele sorriu maliciosamente.
– O que? – questionei com nojo a sua declaração.
– Não disse que queres resolver seu problema? – o sarcasmo quase ganhou vida neste momento – A única solução que vejo para seu problema é essa!
Segurei minha língua em respeito ao pai dele, o único que estava sendo bondoso comigo desde que toda essa loucura começou.
Seguimos novamente por todas aquelas escadas e corredores até voltarmos para a sala onde tudo começou.
O rei estava sentado no mesmo lugar da primeira vez e o homem com voz afeminada estava na porta, provavelmente a espera de Alexis.
– Príncipe Alexis! – até a forma dele se curvar era afeminada e comecei a desconfiar seriamente desse homem.
Assim que me aproximei de Céleo, fiz uma reverencia e evitei pronunciar o seu nome como havia pedido.
– Estais mais calma? – Céleo estava com uma expressão seria.
Acenei a cabeça afirmativamente e ele fez um gesto com os olhos e as mãos que entendi como um sinal positivo, mas fiquei confusa e preferi me manter calada.
– Como já conversamos, ainda não temos a resposta para a sua questão. – Céleo mantinha as expressões do rosto intactas. – Mandarei a caixa e o seu relato para meus homens de confiança investigarem, assim que uma resposta for obtida nós lhe avisaremos.
– Papai... – Alexis entrou na minha frente – Será mesmo necessário? – Céleo o ignorou e voltou ao que estava dizendo.
– Como expliquei anteriormente, irás para casa de Neandro, meu filho mais velho. Ainda não sabemos quem e nem qual foi o propósito de terem lhe chamado para Ofir. – ele fez um sinal com a mão e o homem de voz afeminada retirou um pano de cima de uma caixa, desta vez totalmente transparente, e se aproximou de mim.
– Tens sorte! – o homem de voz afeminada abriu a caixa, cheia de colares de rubi.
– Eudoro, comece a prova de colares! – o rei acenou com a cabeça e o homem de voz afeminada, Eudoro, pegou um dos colares.
Não estava entendendo muita coisa. Confesso que fiquei muita constrangida em saber que ganharia um colar de rubi sem nenhum motivo aparente, mas confesso também que estava adorando a idéia.
– Cada colar desse contém um tipo diferente de magia. – Desta vez ele se permitiu ficar mais descontraído. – Esse colares são dosados de acordo com o nível de magia do corpo de cada pessoa. Nós medimos o nível de magia seguindo diversos fatores como: etnia, família, idade e até a altura e a cor do cabelo algumas vezes contam.
– Mas nunca nos deparamos com uma pessoa que nunca usou magia! – Alexis com toda sua arrogância. – Por isso terás que testar cada colar!
– Isso não é perigoso? – foi mas forte do que eu, tive que perguntar.
– Não, não é! – novamente ele respondeu com arrogância – Mas bem que poderia ser, quem sabe um efeito colateral?
– Alexis! – Céleo repreendeu o filho com apenas uma palavra. – O colar será útil para que chegues até a casa de Neandro sem que levantes suspeitas.
– Sinta-se lisonjeada, apenas os que descendem de berços de ouro tem o direito de usar esses colares! – Eudoro deixava a voz em um hibrido de excitação e nojo.
– Eu ainda não entendi a utilidade destes colares! – tentei não alterar meu tom de voz.
– Apenas quem pertence à realeza pode usar magia! – Eudoro começou a explicar enquanto pegava um colar – No seu caso, a única utilidade que ele terá é o guarda roupa!
– Guarda roupa? – essa era a história mais bizarra que já presenciei.
– Oh, tolinha! – Eudoro colocou a mão no peito e soltou uma gargalhada baixa – Com esses trajes se tornaria o centro das atenções. O colar tem, dentre muitas outras utilidades, o poder de criar temporariamente um “disfarce”. Ele cria uma roupa ilusória, que dura por tempo limitado.
– Mas será tempo suficiente para irmos e voltarmos da casa de Neandro. – Alexis estava mais simpático.
Ainda estava um pouco confusa sobre o colar, mas resolvi não fazer mais perguntas. Dei-me ao luxo de apenas manter minha postura e ficar parada enquanto eles colocavam e tiravam os colares.
Cada colar era de um tom de vermelho diferente, além dos formatos. Haviam colares pequenos e com formatos indefinidos, outros grandes e redondos. Alguns eram pesados e outros quase nem pude sentir, mas ao que parecia nenhum deles estava servindo em mim.
– Será que essa garota não tem magia alguma no corpo? – Eudoro parecia cansado.
– Acreditas mesmo que essa plebéia pode ter algo de mágico no corpo? – Alexis calou a boca logo após Céleo ter olhado feio para ele.
Faltavam apenas 8 dos 30 colares testados. Começava a acreditar que essas tentativas eram totalmente inúteis, uma verdadeira perda de tempo, até que algo aconteceu.
Era um colar comum, com um pingente em forma de chave com uma pedra vermelha em forma de coração. Assim que olhei melhor, percebi que o colar era idêntico ao meu – exceto pela pedra de rubi – e quando olhei para meu pescoço reparei que o meu colar havia sumido.
Testaram o colar em mim e esperaram pelo mesmo nada que havia acontecido em todas as outras tentativas. Mas o que esperavam acontecer, não aconteceu. A pedra de rubi ganhou um brilho e o pingente começou a flutuar. Segurei-o por impulso e algo mais estranho ainda começou a acontecer.
Meus cabelos estavam se arrepiando e pude sentir as minhas roupas subindo, como se um vento passasse por mim. Senti os meus pés leves, assim como meu corpo, era como se não existisse chão. Algo parecia estar saído de mim e pude sentir uma luz forte invadindo toda a sala.
Quando soltei o colar, tudo voltou ao normal. Não tinha entendido o que aconteceu, mas pelas caras de espanto de todos, acredito que finalmente a busca chegava ao fim.
– Papai, vistes o que vi? – Alexis parecia perplexo.
– Eu nunca havia visto uma manifestação de magia tão forte em toda minha vida! – Eudoro tinha a mesma expressão no rosto.
– Ao que parece, este é o seu colar! – Céleo manteve a expressão seria que o acompanhava desde o principio.
– Engraçado, esse colar se parece muito com o colar que eu tenho desde que nasci. – comentei o fato – Mas é impossível ser o mesmo, ele não tinha essa pedra vermelha enorme!
–Alexis, ajudei-a! – Céleo se levantou.
Alexis se aproximou e ficou na minha frente. Ele era tão lindo quando não estava sendo arrogante. De boca fechada ele era um verdadeiro príncipe.
– Dei-me sua mão direita! – foi a primeira ordem que ele executou com delicadeza. – Observei como posicionarei os seus dedos!
Ele colocou o meu anelar e o dedão seguindo de encontro com a palma da mão. Logo depois ele colocou minha mão na altura do meu abdômen e soltou.
– Agora dei-me a mão esquerda! – novamente ele foi gentil.
Ele fez a mesma coisa com a mão esquerda, mas desta fez a colocou na altura do coração, pouco abaixo do pingente.
– A magia deve subir de dentro pra fora, ela deve vir do seu interior e tocar o coração! – ele estava deixando a arrogância de lado, provavelmente por causa do pai. – Observe!
Ele se afastou um pouco e fez os mesmos sinais e os mesmos posicionamentos com as mãos. Ele começou a respirar fundo e pude ver o pingente dele começar a brilhar. A luz parecia seguir o ritmo da respiração de Alexis.
– Adrau apuor!
Assim que terminou de pronunciar essas palavras estranhas, Alexis abriu os braços e um linha dourada surgiu bem em frente a ele. Ele pareceu segurar a linha e deu duas voltas com as mãos, uma para direita e outra para esquerda e quando olhei de novo ele estava com uma roupa completamente diferente da roupa anterior, era uma roupa bem mais modesta.
Ele agora vestia uma camisa branca com detalhes azuis na gola, um casaco um pouco mais largo que o tamanho dele com detalhes em azul nos ombros, um cinto marrom simples e uma calça bege também um pouco mais larga que o tamanho dele.
– Tentes agora! – um tom arrogante que já conhecia voltou a sua voz.
– Eu? – esperava que ele dissesse que não.
– É evidente que sim, quem mais poderia estar me referindo? – toda a delicadeza havia sumido.
– Mas eu nem sei as palavras! – fui sincera.
– Adrau apuor! – ele repetiu lentamente – É tão simples!
– Adau apuror? – tentei.
– Adrau Apuror! – ele corrigiu um pouco sem paciência.
– Alexis, ajude-a corretamente! – mais uma vez Céleo salvando a minha vida.
– Papai? – ele virou rapidamente para Céleo, mas logo voltou a me fitar.
Com uma expressão de derrota no rosto, Alexis seguiu para trás de mim e segurou em minhas mãos – só nesta hora eu percebi que ainda estava da mesma forma como ele havia me deixado.
Era muito estranho tudo o que estava acontecendo. Podia sentir a respiração de Alexis em meu pescoço e o seu peito subindo e descendo nas minhas costas. Era quase como se ele estivesse me abraçando.
– Acompanhe minha respiração! – ele disse em um tom de voz mais baixo.
Segui o ritmo de sua respiração. Agora as minhas costas acompanhavam o ritmo do seu peito e me deixava extremamente constrangida.
– Agora diga: Adrau apuor. – ele falou bem baixinho em meu ouvido.
– Adrau Apuor! – repeti.
Quando terminei de pronunciar as palavras, Alexis puxou meus braços e os deixou abertos, como ele havia feito antes e a linha apareceu para mim também. Ele repetiu os movimentos e quando olhei novamente também estava com outra roupa.
Era um vestido simples marrom claro, batia até as minhas canelas e por cima havia uma capa branca com uma listra azul que a contornava por completo. Em meu pescoço, como se estivesse prendendo a capa, um broche em forma de rosa vermelha.
– Mas o que é isso? – sussurrei sem saber o motivo.
– Precisa parecer uma plebéia de Ofir, com aqueles trajes todos saberiam que há algo de muito errado em sua pessoa! – Alexis é o seu famoso tom debochado.
– E a sua roupa? – perguntei impulsivamente.
– Isto é necessário! – ele ficou serio – Preciso parecer um plebeu ofirniano, caso não se lembre, sou o príncipe de Ofir e príncipes não costumam andar pela cidade da capital!
– Os cavalos já estão prontos alteza! – alguém entrava na sala.
– Ótimo! – Céleo seguia até a porta – Partam o mais rápido possível, não se esqueça que são roupas ilusórias e quanto menos tempo perder melhor.
– Terei que levar-la mesmo papai? – Alexis parecia uma criança quando falava com o pai. – Os guardas não já irão acompanhá-la?
– Sabes que esse assunto não é para ser conversado com guardas. Terás que ir com ela. – Céleo colocava a mão no ombro de Alexis e sorria.
Assim que chegamos aos portões, uma pequena surpresa.
– Eu irei sozinha neste monstro? – nunca havia visto cavalo tão grande.
– Não sabes andar a cavalo? – Alexis bufou e eu acenei com a cabeça que não.
Alexis olhou para o céu, balançou a cabeça de um lado para o outro e bufou novamente.
– Venha, suba aqui comigo! – Alexis estendeu a mão e me ajudou a subir. – Ainda vais pagar por tudo isso plebéia!
Tapei meus olhos e ignorei. Alexis acenou para o pai e os portões se abriram. Estávamos prontos para partir.